Parecer
Autos nº. 170.682.0/8
Requerente: Prefeita do Município de Francisco Morato
Objeto: Lei nº 2.335, de 23.09.08, do Município de Francisco Morato
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pela
Prefeita Municipal, tendo por objeto a Lei nº 2.335, de 23.09.08, do Município
de Francisco Morato, que “acrescenta parágrafos ao art. 211 da Lei nº 630, de
30.12.83, que institui o Código de Posturas Municipais”. Lei de iniciativa do
Poder Legislativo. Alegação de violação ao princípio federativo e ao princípio
da independência dos poderes. Norma que legisla sobre direito eleitoral e
ordenamento urbanístico da cidade. Violação dos arts. 5º, “caput” e § 2º, 37,
47, II e XIV, 144 e 181 da Constituição Estadual. Parecer pela procedência da
ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor
Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade, interposta pela senhora Prefeita do Município de
Francisco Morato, em face da Lei Municipal nº 2.335/08, daquele município, que
acrescentou parágrafos ao art. 211 da Lei nº 630, de 30Dez83 (Código de
Posturas do Município.
A liminar
concedida pela Egrégia Presidência suspende a vigência e a eficácia do dispositivo
vergastado (fls. 24).
Oficiada, a
Presidência da Câmara Municipal deixou de prestar informações.
A Procuradoria
Geral do Estado absteve-se de pronunciamento sobre o mérito (fls. 38/40).
É o breve
relatório.
Eis o texto
do dispositivo legal atacado (Lei nº 2.335, de 23.09.08):
“Art. 1º - Ficam acrescentados
ao art. 211 da Lei nº 630, de 30 de dezembro de 1.983, que dispõe sobre a
instituição do Código de Posturas Municipais, os seguintes parágrafos:
Art. 211 - ...............
§ 1º - É terminantemente
proibida qualquer veiculação de propaganda político-partidária em muros, sejam
públicos ou particulares, bem como fica vedada a colagem de cartazes em paredes
externas de residências e fachadas, devendo ficar estes suspensos em armações.
§ 2º - A infringência ao
disposto no parágrafo anterior submeterá o infrator à multa de 50 (cinqüenta
salários mínimos).”
O pedido deve
ser julgado procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade reclamada.
O dispositivo
ofende o art. 144 da Constituição Estadual.
Com efeito, de acordo com esse
preceito, os municípios gozam de autonomia legislativa, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e na própria Constituição Estadual.
Ora, entre esses princípios está o
federalismo, consubstanciado em outros, dentre os quais a repartição
constitucional de competências entre União, Estados-membros, Distrito Federal e
Municípios.
Nesse particular cumpre relembrar que
compete privativamente à União legislar sobre direito eleitoral (art. 22, inc. I,
CF).
Portanto, ao estabelecer regramento a
respeito de propaganda político partidária, o legislador municipal de Francisco
Morato normatizou sobre direito eleitoral e, assim, usurpou a competência
constitucional privativa da União, arranhando princípio federativo e, por
conseqüência, desrespeitando aos arts. 1º e 18 da Constituição Federal e ao
art. 144 da Constituição Estadual.
Relevante notar que quando do julgamento da
ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. des. Renato Nalini, esse E. Tribunal de
Justiça acolheu a tese acima aventada (possibilidade de declaração de
inconstitucionalidade de lei municipal por violação do princípio da repartição
de competências estabelecido pela Constituição Federal), sendo relevante trazer
excerto de voto do i. Desembargador Walter de Almeida Guilherme, imprescindível
para a elucidação da questão:
“(...) Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de
capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I,
denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República Federativa
do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se
Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio
fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa
forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados,
inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio
estabelecido na Constituição Federal.
Assim, quando o referido art. 144 ordena que os Municípios, ao se
organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro
que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência
legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da união, não estão
obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art.144 da
Constituição do Estado (...)” (trecho do voto do i. des. Walter de Almeida
Guilherme, no julgamento da ADI 130.227.0/0-00).
Esse mesmo fundamento, para fins de
reconhecimento de inconstitucionalidade de lei municipal, foi identificado
quando do julgamento da ADI 150.574-0/9-00, rel. des. Debatin Cardoso, j. em
07.05.08, sendo oportuno transcrever trecho, ao propósito, do voto vencedor:
“(...) Como bem salientado no parecer
do douto Procurador-Geral de Justiça: ‘a repartição constitucional de
competências é princípio estabelecido pela CF/88 (art.1º e 18), pois reflete um
dos aspectos mais relevantes do pacto federativo, ao definir os limites da
autonomia dos entes que integram a Federação brasileira. Isso decorre
claramente da interpretação sistemática da Constituição Federal.
Daí que, violando-se um
princípio constitucional (pacto federativo – repartição constitucional de
competências), o que se tem é a ofensa ao art.144 da Constituição Paulista’
(...)”.
No entanto,
não é esse o único vício de inconstitucionalidade da lei municipal de Francisco
Morato.
Constata-se,
também, clara ofensa ao princípio da separação e independência dos poderes,
mediante violação aos arts. 5º, “caput” e § 2º, 37, 47, II e XIV e 181 da
constituição paulista.
Isso porque a
lei hostilizada inovou no Código de Posturas do Município, estabelecendo
proibição para o uso de muros e paredes externas e criando multa para os
infratores.
Ora, a matéria versa sobre posturas
municipais, competindo ao Executivo o ordenamento do uso do solo urbano e a
fiscalização do cumprimento das posturas, no exercício de seu poder-dever de
policiamento dos usos e atividades urbanas em geral, de forma a se garantir a estética
e a higiene visual da cidade e o bom ambiente urbano:
“As regulamentações edilícias, sejam leis em sentido formal e
material, sejam decretos do Prefeito Municipal, objetivam a ordenação da
cidade, dão-lhe fisionomia e o perfil urbano, onde o homem possa exercer as
funções essenciais do urbanismo, a saber: habitar, trabalhar, circular e
recrear...” (José Nilo de Castro, Direito Municipal Positivo, Ed. Del Rey, 6ª
Ed., pág. 405.
A imposição
de obrigação de fiscalização à Prefeitura Municipal resulta em despesas,
invadindo a esfera de gestão privativa do Prefeito Municipal.
Houve,
portanto, invasão de atribuições próprias do Poder Executivo, através de
iniciativa parlamentar, lesando-se o princípio da independência dos poderes.
Por fim, há
ainda um aspecto citado na inicial, não esclarecido em virtude da ausência de
cópia do texto da Lei Municipal nº 211, de 30Dez83, que foi alterada pela lei
vergastada.
É que a
informação é de que aquela, que institui o Código de Posturas do Município, é
lei complementar, de forma que somente poderia ser alterada por lei de igual envergadura.
Não poderia a
lei censurada, que é ordinária, modificar lei complementar, sob pena de
violação ao princípio da hierarquia das leis e aos arts. 21 e 144 da constituição paulista.
Diante do
exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta,
declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.335, de 23.09.08, do
Município de Francisco Morato, por afronta aos artigos 5º,
“caput” e § 2º, 37, 47, II e XIV, 144 e 181 da Constituição Estadual.
São Paulo, 06 de março de
2.009 .
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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