Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 170.739-0/9-00

Requerente: Prefeito Municipal de Indaiatuba

Objeto: Lei nº 5.423, de 12 de setembro de 2009, do Município de Indaiatuba

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade promovida por Prefeito em face da Lei nº 5.423, de 12 de setembro de 2009, do Município de Indaiatuba, que impõe ao Poder Executivo a obrigação de fornecer merenda aos alunos carentes no período de férias. Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo, porque gera ônus à Administração. Violação do princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 5º da Constituição do Estado. Criação de despesa, sem indicação da receita, que desatende aos preceitos dos artigos 25 e 176, I, da CE. Parecer pela procedência da ação.

           

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Indaiatuba, tendo por objeto a Lei nº 5.423, de 12 de setembro de 2009, do Município de Indaiatuba.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo, por se entender que a matéria versada – que impõe ônus à Administração Municipal – demanda a iniciativa privativa do Prefeito. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 47).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 65/71 em defesa da lei impugnada. Afirmou que a lei trata de assunto de interesse local e que consulta ao interesse público. Sustentou a regularidade do processo legislativo e que as despesas decorrentes se contêm na receita do Município.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 61/63).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

2) Fundamentação.

O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes[1].

O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República[2], conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo difuso ou concentrado por parte do Poder Judiciário.

A iniciativa é o ato que deflagra o processo legislativo. Pode ser geral ou reservada (ou privativa). No primeiro caso, vereador, Mesa, comissão da Câmara, prefeito ou a população podem titularizar o projeto. No segundo, há um único titular.

A lei impugnada originou-se de projeto de autoria do vereador Gervásio Aparecido da Silva que, embora imbuído dos mais relevantes propósitos, o concebeu com clara ofensa à Constituição.

É que somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Note-se que a lei em análise impõe à Administração o ônus de fornecer merenda escolar a alunos carentes, mesmo no período de férias (art. 1º). Atribui rotina administrativa às Secretarias (art. 3º) e exige que o Poder Executivo baixe normas regulamentadoras no prazo de trinta dias (art. 5º).

Invadiu-se claramente a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando-se a prerrogativa deste em analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar. Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes. Como já proclamou esse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça”[3].

Se isso não bastasse, a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte e, sob esse aspecto, colide com as disposições dos artigos 25 e 176, inc. I, da Constituição Bandeirante.

Finaliza-se dizendo que esse E. Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de apreciar caso análogo, do Município de Assis, em meados de 2005. O v. Acórdão recebeu a seguinte ementa:

Ação direta de inconstitucionalidade. Oferecimento de merenda escolar no período de férias, escolares. Matéria de interesse local. Competência do Município para tratar da prestação de serviços à população. Afronta ao princípio da separação dos poderes caracterizada. Lei de iniciativa de vereador. Impossibilidade. Ação procedente (ADIN – 113.722-0/4, rel. Celso Limongi).

 3) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 5.423, de 12 de setembro de 2009, do Município de Indaiatuba.

 

São Paulo, 29 de janeiro de 2009.

 

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

 

jesp



[1] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 675.

[2] Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 641.

[3] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748.