Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 171.701.0/3-00

Autor: Prefeito Municipal de Cajati

Objeto de impugnação: Arts. 98, 99, 100, 105, 302, 303 e 304 da Lei Orgânica do Município de Cajati e arts. 341 a 346 do Regimento Interno da Câmara Municipal do mesmo município

 

 

 

Ementa: 1) Arts. 98, 99, 100, 105, 302, 303 e 304 da Lei Orgânica do Município de Cajati e arts. 341 a 346 do Regimento Interno da Câmara Municipal do mesmo município, que definem infrações político-administrativas cometidas pelo Prefeito Municipal, ou seja, arrolam os crimes de responsabilidade, bem como definem aspectos procedimentais do julgamento do Prefeito e do Vice-Prefeito; 2) Assunto que se insere na competência legislativa privativa da União; 3) Afronta aos arts. 1º, 24,  111 e 144 da Constituição do Estado, este último a repetir  - de modo  sintético – o conteúdo dos artigos 21, e 22  da Constituição da República, expressão do princípio federativo; 4) Parecer pela procedência.

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

 

 

A presente ação direta foi ajuizada para sindicar os arts. 98, 99, 100, 105, 302, 303 e 304 da Lei Orgânica do Município de Cajati e os arts. 341 a 346 do Regimento Interno da Câmara Municipal do mesmo município.

Os dispositivos legais impugnados disciplinam os aspectos materiais e processuais da responsabilização do Prefeito Municipal por infrações político-administrativas.

Os dispositivos tiveram a vigência e a eficácia suspensas por força da decisão interlocutória de fls. 118/120, subscrita pelo Excelentíssimo Desembargador Relator, Dr. DEBATIN CARDOSO.

A fls. 128/129 estão as informações da Câmara Municipal.

Devidamente citado, o Procurador-Geral do Estado manifestou-se a fls. 136/138.

É o breve relato.

A presente ação direta é totalmente procedente, pois os dispositivos legais são, de fato, verticalmente incompatíveis com a Constituição do Estado de São Paulo.

Enfatiza a inicial que a tipificação das infrações político-administrativas não é matéria de competência do Município, de tal forma que não é lícito à Câmara Municipal legislar a seu respeito. Acrescenta que o legislador municipal, ao prever hipóteses de afastamento do Prefeito Municipal, também extrapolou os limites constitucionais.

De fato, os dispositivos legais questionados, ao disporem sobre infração político-administrativa, são inconstitucionais, sobretudo porque tipificam infrações político-administrativas, com possibilidade de afastamento do Prefeito.

Assim sendo, data venia, fica claro que os Municípios não dispõem de competência para legislar sobre essa matéria, infrações político-administrativas, que é privativa da União (CF, artigos 15, “caput”, 22, I e XIII, e 24, XI), incumbindo-lhe tão-somente observar as prescrições emanadas no Decreto-lei n. 201/67, o qual foi recepcionado pela nova ordem constitucional, como, aliás, o Egrégio Supremo Tribunal Federal já deixou assentado em mais de uma passagem (HC n. 69.850-6/RS, DJ 27.5.94, HC 70.671-PI, j. em 13.4.1994, DJU de 19.5.1994, p. 13.993, apud Tito Costa, in Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores, São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª ed., 1998, p. 30).

Nessa mesma linha, José Nilo de Castro preleciona que “os crimes de responsabilidade dos Prefeitos, que não são ilícitos penais, mas infrações político-administrativas - e não apenas administrativas - não podem ser tratados na revelação primária - nem secundária - pelas Câmaras Municipais, nem pelas Assembléias Legislativas, como o não são, tratando-se da responsabilização de Governadores, e, sim, pela União, porque se cogita de sanção, de punição, de pena que é política, que se adstringe e tem a ver com a cidadania, e não sanção administrativa atípica, que tem a ver com os servidores públicos, sua atividade própria, de que trata o Direito Administrativo. De direito político (aquisição, suspensão, perda, seu exercício), como da cidadania, é que a questão aqui cogita e sobre esta matéria só a União pode legislar (arts. 15, caput, e 22, I, XIII, CR). Falece, conseqüentemente, ao Município poder constitucional decorrente, diversamente do que se verifica com os Estados federados. A autonomia do Município, como se proclamou, é limitada, ante a supremacia tanto do Estado quanto e sobretudo da União” .

Na verdade, crime comum e crime de responsabilidade são figuras jurídicas que exprimem conceitos inconfundíveis. O crime comum é um aspecto da ilicitude penal. O crime de responsabilidade refere-se à ilicitude político-administrativa. O legislador constituinte utilizou a expressão crime comum, significando ilícito penal, em oposição a crime de responsabilidade, significando infração político-administrativa (Cf. José Celso de Mello Filho, “Constituição Federal Anotada”, Editora Saraiva, São Paulo, 1986, 2.ª ed., p. 270).

Os delitos tipificados no art. 1.º do Decreto-lei Federal n.º 201/67, a despeito da terminologia empregada pelo legislador, são crimes ou infrações penais comuns, cuja competência para processo e julgamento é do Tribunal de Justiça. E, por outro lado, as infrações político-administrativas definidas no art. 4.º do referido decreto-lei é que  correspondem  aos crimes de responsabilidade, cujo julgamento é de competência da Câmara  Municipal.

A Constituição Federal, nos seus arts. 85 e 86, define crimes de responsabilidade do Presidente da República e estabelece algumas regras procedimentais, como por exemplo a que prevê o 'quorum' qualificado de 2/3 (dois terços) para o recebimento da acusação e a suspensão da referida autoridade do exercício de suas funções.

Na Constituição do Estado de São Paulo, essa matéria vem disciplinada nos arts. 48 a 50 que seguem o modelo federal. Mas o Supremo Tribunal Federal, na ADIn n.º 2.220-2/SP (rel. Min. Octávio Gallotti, em 1.8.2000), suspendeu a eficácia destes artigos   – como se disse – por entender que a definição de crimes de responsabilidade do Governador (que equivalem às infrações político-administrativas  do  Prefeito   previstas no art. 4.º do Decreto-lei Federal n.º 201/67) e a fixação de regras peculiares ao seu processo e julgamento são matérias de competência legislativa da União (CF., art. 22, I), ou seja, o constituinte estadual não pode dispor sobre elas.

Nessa decisão, como se disse, a Suprema Corte considerou que os ilícitos político-administrativos (ou crimes de responsabilidade) apresentam a mesma natureza das infrações penais comuns e, bem por isso, afastou a competência estadual para dispor sobre essa matéria. Em conseqüência, se nem mesmo os Estados dispõem de competência para definir crimes de responsabilidade (ou infrações político-administrativas) dos seus governantes, e estabelecer regras para o seu processo e julgamento, muito menos ainda os Municípios em relação aos prefeitos.

Em decorrência, não pode lei municipal disciplinar, como no caso dos autos, hipótese de crimes de responsabilidade, seu respectivo processo, hipótese de afastamento do Prefeito Municipal etc; a matéria é inteiramente regulada em lei federal, que já existe, como se disse.

Como se vê, os dispositivos legais disciplinaram assunto que se insere na competência legislativa privativa da União, desrespeitando os artigos 1.º, 24,  111 e 144 da Constituição do Estado, este último a repetir  - de modo  sintético – o conteúdo dos artigos 21, e 22  da Constituição da República, expressão do princípio federativo.  De fato, assim dispõem as referidas normas constitucionais:

Art. 1º - O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

Em tais circunstâncias, aguardo o julgamento de procedência da presente ação direta a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade dos arts. 98, 99, 100, 105, 302, 303 e 304 da Lei Orgânica do Município de Cajati e dos arts. 341 a 346 do Regimento Interno da Câmara Municipal do mesmo município.

São Paulo, 27 de fevereiro de 2009.

 

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos –

 

/md