Autos n. 171.701.0/3-00
Autor: Prefeito Municipal
de Cajati
Objeto de impugnação: Arts. 98, 99, 100, 105, 302, 303 e 304 da Lei Orgânica do
Município de Cajati e arts.
Ementa: 1) Arts. 98, 99, 100, 105, 302, 303 e 304 da Lei Orgânica do
Município de Cajati e arts.
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Colendo Órgão Especial
A
presente ação direta foi ajuizada para sindicar os arts. 98, 99, 100, 105, 302,
303 e 304 da Lei Orgânica do Município de Cajati e os arts.
Os
dispositivos legais impugnados disciplinam os aspectos materiais e processuais
da responsabilização do Prefeito Municipal por infrações
político-administrativas.
Os
dispositivos tiveram a vigência e a eficácia suspensas por força da decisão
interlocutória de fls. 118/120, subscrita pelo Excelentíssimo Desembargador
Relator, Dr. DEBATIN CARDOSO.
A
fls. 128/129 estão as informações da Câmara Municipal.
Devidamente
citado, o Procurador-Geral do Estado manifestou-se a fls. 136/138.
É
o breve relato.
A
presente ação direta é totalmente procedente, pois os dispositivos legais são,
de fato, verticalmente incompatíveis com a Constituição do Estado de São Paulo.
Enfatiza
a inicial que a tipificação das infrações político-administrativas não é matéria
de competência do Município, de tal forma que não é lícito à Câmara Municipal
legislar a seu respeito. Acrescenta que o legislador municipal, ao prever
hipóteses de afastamento do Prefeito Municipal, também extrapolou os limites
constitucionais.
De
fato, os dispositivos legais questionados, ao disporem sobre infração
político-administrativa, são inconstitucionais, sobretudo porque tipificam
infrações político-administrativas, com possibilidade de afastamento do
Prefeito.
Assim
sendo, data venia, fica claro que os
Municípios não dispõem de competência para legislar sobre essa matéria,
infrações político-administrativas, que é privativa da União (CF, artigos 15,
“caput”, 22, I e XIII, e 24, XI), incumbindo-lhe tão-somente observar as
prescrições emanadas no Decreto-lei n. 201/67, o qual foi recepcionado pela
nova ordem constitucional, como, aliás, o Egrégio Supremo Tribunal Federal já
deixou assentado em mais de uma passagem (HC n. 69.850-6/RS, DJ 27.5.94, HC
70.671-PI, j. em 13.4.1994, DJU de 19.5.1994, p. 13.993, apud Tito Costa, in Responsabilidade
de Prefeitos e Vereadores, São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª ed., 1998,
p. 30).
Nessa
mesma linha, José Nilo de Castro preleciona que “os crimes de responsabilidade
dos Prefeitos, que não são ilícitos penais, mas infrações político-administrativas
- e não apenas administrativas - não podem ser tratados na revelação primária -
nem secundária - pelas Câmaras Municipais, nem pelas Assembléias Legislativas,
como o não são, tratando-se da responsabilização de Governadores, e, sim, pela
União, porque se cogita de sanção, de punição, de pena que é política, que se
adstringe e tem a ver com a cidadania, e não sanção administrativa atípica, que
tem a ver com os servidores públicos, sua atividade própria, de que trata o
Direito Administrativo. De direito político (aquisição, suspensão, perda, seu
exercício), como da cidadania, é que a questão aqui cogita e sobre esta matéria
só a União pode legislar (arts. 15, caput, e 22, I, XIII, CR). Falece,
conseqüentemente, ao Município poder constitucional decorrente, diversamente do
que se verifica com os Estados federados. A autonomia do Município, como se
proclamou, é limitada, ante a supremacia tanto do Estado quanto e sobretudo da
União” .
Na
verdade, crime comum e crime de responsabilidade são figuras jurídicas que
exprimem conceitos inconfundíveis. O crime comum é um aspecto da ilicitude
penal. O crime de responsabilidade refere-se à ilicitude
político-administrativa. O legislador constituinte utilizou a expressão crime
comum, significando ilícito penal, em oposição a crime de responsabilidade,
significando infração político-administrativa (Cf. José Celso de Mello Filho,
“Constituição Federal Anotada”, Editora Saraiva, São Paulo, 1986, 2.ª ed., p.
270).
Os
delitos tipificados no art. 1.º do Decreto-lei Federal n.º 201/67, a despeito
da terminologia empregada pelo legislador, são crimes ou infrações penais
comuns, cuja competência para processo e julgamento é do Tribunal de Justiça.
E, por outro lado, as infrações político-administrativas definidas no art. 4.º
do referido decreto-lei é que
correspondem aos crimes de
responsabilidade, cujo julgamento é de competência da Câmara Municipal.
A
Constituição Federal, nos seus arts. 85 e 86, define crimes de responsabilidade
do Presidente da República e estabelece algumas regras procedimentais, como por
exemplo a que prevê o 'quorum' qualificado de 2/3 (dois terços) para o
recebimento da acusação e a suspensão da referida autoridade do exercício de
suas funções.
Na
Constituição do Estado de São Paulo, essa matéria vem disciplinada nos arts.
Nessa
decisão, como se disse, a Suprema Corte considerou que os ilícitos
político-administrativos (ou crimes de responsabilidade) apresentam a mesma
natureza das infrações penais comuns e, bem por isso, afastou a competência
estadual para dispor sobre essa matéria. Em conseqüência, se nem mesmo os
Estados dispõem de competência para definir crimes de responsabilidade (ou
infrações político-administrativas) dos seus governantes, e estabelecer regras
para o seu processo e julgamento, muito menos ainda os Municípios em relação
aos prefeitos.
Em
decorrência, não pode lei municipal disciplinar, como no caso dos autos,
hipótese de crimes de responsabilidade, seu respectivo processo, hipótese de
afastamento do Prefeito Municipal etc; a matéria é inteiramente regulada em lei
federal, que já existe, como se disse.
Como
se vê, os dispositivos legais disciplinaram assunto que se insere na
competência legislativa privativa da União, desrespeitando os artigos 1.º,
24, 111 e 144 da Constituição do Estado,
este último a repetir - de modo sintético – o conteúdo dos artigos 21, e
22 da Constituição da República,
expressão do princípio federativo. De
fato, assim dispõem as referidas normas constitucionais:
Art. 1º - O Estado de São
Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que
não lhe são vedadas pela Constituição Federal.
Art. 144 - Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto
organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição.
Em
tais circunstâncias, aguardo o julgamento de procedência da
presente ação direta a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade dos arts.
98, 99, 100, 105, 302, 303 e 304 da Lei Orgânica do Município de Cajati e dos arts.
São Paulo, 27 de fevereiro de
2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos –
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