Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 171.821.0/0-00

Autor: Prefeito Municipal de Barretos

Objeto de impugnação: Emenda n. 14, de 24 de setembro de 1996, à Lei Orgânica do Município de Barretos

 

 

 

 

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

 

 

Colendo Órgão Especial

 

 

O Prefeito Municipal de Barretos ajuizou a presente ação pleiteando a declaração de inconstitucionalidade da Emenda n. 14 à Lei Orgânica do Município de Barretos, de 24 de setembro de 1996, que acrescentou o inc. XXII ao art. 18, o inc. XVII ao art. 73, o § 3º ao art. 138 e alterou a redação do caput do art. 144.

Com a redação dada pela questionada Emenda n. 14, os dispositivos legais passaram a ter a seguinte redação:

 

Art. 18 - Compete à Câmara Municipal, privativamente, entre outras, as seguintes atribuições:

XXII - referendar as tarifas dos serviços públicos concedidos ou permitidos, bem como daqueles explorados pelo próprio Município, quando alteradas pelo Prefeito Municipal, com superação dos índices oficiais de inflação, mediante aprovação pela maioria absoluta de seus membros.

 

Art. 73 - Compete privativamente ao Prefeito:

XVII          - fixar as tarifas dos serviços públicos concedidos ou permitidos, bem como daqueles explorados pelo próprio Município, conforme critérios estabelecidos na legislação municipal, sendo que as alterações subseqüentes, no caso de superarem os índices oficiais de inflação, deverão ser obrigatoriamente referendadas pela Câmara Municipal;

 

Art. 138 - A concessão de serviço público somente será efetivada com autorização da Câmara Municipal e mediante contrato, precedido de licitação.

§ 3º - Os serviços concedidos ou permitidos ficarão sempre sujeitos à regulamentação e à fiscalização da Administração Municipal, cabendo ao Prefeito fixar as tarifas respectivas, as quais serão obrigatoriamente referendadas pela Câmara Municipal, no caso das alterações superarem os índices oficiais de inflação.

 

Art. 144 - As tarifas dos serviços públicos prestados diretamente pelo Município, ou por órgão de sua administração descentralizada, serão fixadas pelo Prefeito Municipal e obrigatoriamente referendadas pela Câmara Municipal, no caso das alterações superarem os índices oficiais de inflação.

 

A causa de pedir principal consiste na violação ao princípio da harmonia e independência dos poderes, sendo citados, como parâmetros para o controle da constitucionalidade, os arts. 5º, 47, XVII, 144 e 174, III, § 2º, todos da Lei Maior paulista.

O pedido de liminar foi indeferido pelo Nobre Desembargador Relator, Dr. PALMA BISSON, conforme se vê da R. Decisão de fls. 77/81.

Citado, o Procurador-Geral do Estado, a fls. 94/96, alegou falta de interesse na defesa do ato impugnado, sob o argumento de que se trata de matéria exclusivamente local.

A Câmara Municipal foi devidamente notificada e prestou declarações a partir de fls. 98.

É o breve relatório.

O pedido inicial é procedente.

Ocorre que é nítida a violação ao princípio da Separação dos Poderes, pois a Emenda à Lei Orgânica Municipal impugnada inseriu dispositivos legais que, de fato, revelam indevida interferência do Poder Legislativo, fora dos parâmetros constitucionais, na administração municipal.

A previsão de que o Poder Legislativo deve referendar as tarifas dos serviços públicos, obrigatoriamente, representa nítida interferência na administração do município.

Não se nega que uma missão importante do Poder Legislativo seja o controle dos atos do Poder Executivo, no conhecimento sistema de freios e contrapesos. Todavia, o controle instituído pela Emenda impugnada extrapola os limites constitucionais.

Registre-se que a Constituição Estadual estabelece, em seu art. 5º, o princípio da Separação dos Poderes, nos seguintes termos:

 

São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

 

O princípio da separação dos poderes é o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos[1].

Ao Poder Legislativo, como se sabe, é vedada a administração da cidade, tarefa que incumbe, no Município, ao Prefeito, ou ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', que tem na lei um dos seus mais relevantes instrumentos. O poder de iniciativa neste campo - administração da cidade - é do Executivo (melhor, do 'Governo'), participando o Poder Legislativo, quando assim determinar a Constituição, apenas a qualidade de aprovar-desaprovar os atos. A hipótese é de administração ordinária, cabendo ao Legislativo apenas o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

E como ensina Hely Lopes Meirelles[2], “todo o patrimônio municipal fica sob a administração do prefeito”:

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito.

Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração” – negritamos.

Os dispositivos impugnados, portanto, representam ingerência nas prerrogativas do Prefeito Municipal.

Sendo assim, é flagrante a inconstitucionalidade.

Posto isso, manifesto-me pela procedência desta ação objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Emenda n. 14, de 24 de setembro de 1996, à Lei Orgânica do Município de Barretos.

São Paulo, 5 de fevereiro de 2009.

 

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

SUBPROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA

ASSUNTOS JURÍDICOS

 



[1] Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do processo legislativo, São Paulo: Saraiva, p. 111/112.

[2] Direito municipal brasileiro, 12ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 576.