Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 172.202-0/3-00

Requerente: Prefeito Municipal de Indaiatuba

Objeto: Lei nº 5.236, de 12 de Novembro de 2007 (art.3º), do Município de Indaiatuba

 

 

Ementa: “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 5.236, de 12 de Novembro de 2007 (art.3º), do Município de Indaiatuba, de iniciativa parlamentar. Procedência. Redução de verba honorária em caso de pagamento espontâneo de débito tributário. Matéria de iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo. Violação ao princípio da separação dos poderes (Constituição Estadual: arts. 5º e 144).  As regras básicas do processo legislativo federal são de absorção obrigatória no plano estadual – e, consequentemente, no municipal – por sua implicação com o princípio fundamental da separação dos poderes. Preceito extensível e de observância simétrica que limita a auto-organização dos Estados e Municípios” (ADI 168.670-0/3-00)

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Indaiatuba, tendo por objeto o art.3º da Lei Municipal n.º 5.236, de 12 de Novembro de 2007, daquele município, que “Dá nova redação ao inciso I, do art.256 da Lei n. 1.284, de 20 de dezembro de 1.973, que institui o Código Tributário do Município de Indaiatuba, modificando a aplicação de juros de mora sobre débitos tributários, e dá outras providências”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu teve nascedouro por iniciativa do Poder Executivo, mas recebeu emenda pela Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 50).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 80/88, em defesa da lei impugnada. Afirmou que o projeto de lei é de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal e que a Câmara acrescentou apenas a questionada emenda e que se ateve a sua competência legislativa.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 76/78).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A presente ação direta deve ser julgada procedente, apesar do enorme respeito que merece a orientação do Supremo Tribunal Federal que, reiteradamente, tem decidido pela inexistência de reserva de iniciativa em se tratando de lei tributária, conforme se depreende do seguinte julgado:

         "A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara, especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo, ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado." (ADI 724-MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgamento em 7-5-92, DJ de 27-4-01)

Ocorre que a inconstitucionalidade apontada não se fundamenta na forma apontada de reserva de iniciativa, mas, de fato, no campo da administração pública e na dissipação do erário, ao permitir que o contribuinte inadimplente, que faça pagamento espontâneo de débito tributário tenha reduzida a verba honorária para 1% do montante devido.

Portanto, verifica-se a ocorrência de contraste inadmissível entre a lei em exame e a Lei Maior paulista, sob os seguintes aspectos. Vejamos.

As normas que tratam da reserva de iniciativa, longe de normas de direito estrito, ou de exceção, refletem com sutileza as nuances e a evolução do principio da separação de poderes. As regras de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos[1].

Assim, um parlamentar tanto tem a iniciativa de projetos como pode propor a alteração nos projetos vindos do Executivo. Entretanto, ao insinuar-se na questão tributária - vital para a manutenção dos serviços públicos - a Câmara  deve  atentar a que  eventuais alterações devam  estar  em conformidade   com  o plano plurianual, a lei de  diretrizes orçamentárias  e  a proposta   orçamentária,  leis essas  de iniciativa exclusiva do Executivo, sendo que, especialmente a segunda 'disporá sobre as alterações na  legislação tributária'.

É evidente, portanto, que a concessão de benefícios a determinada categoria de pessoas acaba por interferir na administração municipal, reduzindo receitas, o que pode comprometer a atuação do Chefe do Poder Executivo.

Há sério risco em legitimar esse comportamento do legislador municipal, pois seria uma perigosa forma de permitir sua interferência nas finanças públicas e, indiretamente, na atuação do Poder Executivo.

Importante lembrar da lição de Alfredo Buzaid[2]: “O antagonismo que pode surgir entre as leis se afere não tanto pela hierarquia quanto pela usurpação ou abuso de poder”.

 

 

 

A emenda ao projeto de lei que resultou na Lei n. 5.236, de 22 de novembro de 2007, ora examinada, resultou de processo legislativo iniciado por vereador (fls. 25), sem que fosse apresentado qualquer estudo tributário específico. Aliás, sem qualquer tipo de planejamento orçamentário.

A atuação do legislador municipal, por isso, pode interferir diretamente na administração municipal, o que não pode ser aceito.

Por fim, anote-se também, que o legislativo municipal, ao referir-se à verba honorária sucumbencial, enveredou, indevidamente, por artéria legislativa referente ao Processo Civil (art.20), de reserva do Chefe do Executivo da União (art.22, inc.I da CF), sendo que as regras básicas do processo legislativo federal são de absorção obrigatória no plano estadual – e, consequentemente, no municipal – por sua implicação com o princípio fundamental da separação dos poderes, preceito extensível e de observância simétrica que limita a auto-organização dos Estados e Municípios (ADI 168.670-0/3-00).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do art.3º da Lei Municipal nº 5.236, de 22 de novembro de 2007, do Município de Indaiatuba.

São Paulo, 12 de maio de 2009.

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Assuntos Jurídicos -

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[1] Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do Processo Legislativo, São Paulo: Saraiva, p. 111/112.

[2] Da ação direta, São Paulo: Saraiva, 1958, p. 46.