Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 172.324.0/0-00

Autor: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Objeto de impugnação: Lei Municipal n. 10.244, de 14 de novembro de 2008

 

 

 

Ementa: 1) Lei Municipal n. 10.244, de 14 de novembro de 2008, do município de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que Institui o Programa de Qualidade Ambiental para disciplinar a aquisição de produtos e serviços pela Administração Municipal; 2) Inconstitucionalidade formal pelo vício de iniciativa; 3) Inconstitucionalidade decorrente da ofensa aos arts. 5º, 25, 47, II, e 144 da Constituição do Estado; 4) Parecer pela procedência.

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

 

 

A presente ação direta foi ajuizada para sindicar a Lei Municipal n. 10.244, de 14 de novembro de 2008, do município de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que Institui o Programa de Qualidade Ambiental para disciplinar a aquisição de produtos e serviços pela Administração Municipal.

Segundo a inicial, houve violação ao princípio constitucional da Separação de Poderes, previsto no art. 5º da Constituição Estadual. Além disso, viola o princípio da iniciativa reservada e o art. 25 da Lei Maior Paulista, considerando que implica criação de despesa sem indicação dos recursos disponíveis.

O texto normativo encontra-se reproduzido a fls. 21/24.

A lei municipal impugnada teve a vigência e a eficácia suspensas por força da decisão interlocutória de fls. 34, subscrita pelo Excelentíssimo Desembargador Relator, Dr. MARCO CÉSAR.

Devidamente citado, o Procurador-Geral do Estado manifestou-se a fls. 94/96.

O Presidente da Câmara Municipal foi devidamente notificado e prestou informações a partir de fls. 45.

É o breve relato.

A presente ação direta é totalmente procedente, pois a lei impugnada, de fato, é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo.

A lei municipal sindicada na presente ação direta é flagrantemente inconstitucional, pois, sendo de iniciativa parlamentar, não poderia instituir Programa de Qualidade Ambiental para disciplinar a aquisição de produtos e serviços pela Administração Municipal, com atribuição de uma série de funções a órgãos públicos municipais, além de estabelecer uma série de obrigações ao Chefe do Poder Executivo.

De observar que a lei sindicada é de iniciativa parlamentar e recebeu veto do Poder Executivo que, no entanto, acabou rejeitado.

Anote-se que esse E. Tribunal de Justiça de São Paulo vem, reiteradamente, reconhecendo a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que criam órgãos, alteram a estrutura, ou conferem novas atribuições à administração, como se infere da ementa a seguir transcrita:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei n° 10.802/06 do Município de Ribeirão Preto, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a "Criação de Fundos e Ações de Combate a Enchentes", determinando a constituição de "associação" para gerir os fundos de investimentos e implementar as ações inerentes aos objetivos da Lei – afronta ao princípio de independência e harmonia dos poderes - processo de criação, estruturação e definição das atribuições dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública estadual matéria que se insere, por efeito de sua natureza mesma, na esfera de exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo local, em face da cláusula de reserva inscrita no artigo 61, § Io, II "e", da CF – ação procedente. (TJSP, Órgão Especial, ADI 145.244-0/1, j. 05.09.2007, rel. des. Ruy Camilo).

Além disso, esse E. Tribunal tem sucessivamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis municipais que violam a reserva de iniciativa do Chefe do Executivo, como se verifica nos seguintes julgados: ADI 134.410-0/4, j. 05.03.2008, rel. des. Viana Santos; ADI 153.152-0/5-00, j. 05.03.2008, rel. des. Aloísio de Toledo César; ADI 150.974-0/4, j. 20.02.2008, rel. des. Viana Santos.

Válida a esse propósito a advertência feita por Hely Lopes Meirelles, para quem “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

Por isso, é possível concluir pela inconstitucionalidade se a lei for contrastada com os arts. 5º, 25, 47 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo, que estabelecem:

Art. 5º. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 25. Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

Art. 47. Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

A lei municipal, em função das determinações apontadas acima, interfere na administração do município.

Ao Prefeito, por exercer funções de governo, compete o planejamento, a organização, a direção, o comando, a coordenação e o controle dos serviços públicos (cf. José Afonso da Silva, “O Prefeito e o Município”, 1977, págs. 134/143), de tal forma que a lei municipal, de iniciativa parlamentar, não pode determinar como vai se dar referida administração.

Há flagrante violação, portanto, ao princípio da separação de poderes, mesmo porque, na sempre atual lição de Hely Lopes Meirelles, “a atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções”.

Mas não é só. Há que se pensar na questão dos recursos a serem destinados à execução da lei municipal, o que certamente depende de orçamento em cuja elaboração deverá ser objeto de dotação específica.

A Lei Municipal, portanto, também deveria indicar os recursos disponíveis para o cumprimento dessa obrigação. Por não tê-lo feito, representa clara ingerência do Legislativo nas prerrogativas do Poder Executivo.

Registre-se que o Legislativo não deliberou sobre um programa geral, pois criou, concretamente, atribuições ao Poder Executivo e determinou o modo de execução.

Sendo assim, também violou o art. 25 da Lei Maior paulista, que veda qualquer projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

Em tais circunstâncias, aguardo o julgamento de procedência da presente ação direta a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 10.244, de 14 de novembro de 2008, do município de São José do Rio Preto.

São Paulo, 12 de fevereiro de 2009.

 

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos –

 

/md