Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 172.350-0/8

Requerente: Prefeito Municipal de Catanduva

Objeto: Lei nº 4.077, de 27 de junho de 2.005, do Município de Catanduva

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Catanduva, da Lei nº 4.077, de 27.06.05, do mesmo município, que “acrescenta parágrafo ao art. 3º da Lei nº 3.268, de 17.04.97 e dá outras providências”. Projeto nascido no Poder Legislativo, não sendo caso de iniciativa exclusiva do Executivo, nos termos do art. 24, § 2º da CE. Iniciativa legislativa que tem amparo no art. 19, inc. IV da CE. Inexistência de violação ao princípio da separação de poderes ou de vício de iniciativa legislativa. Ausência de violação aos arts. 5º, 47 e 144 da CE. Parecer pela improcedência da ação de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito Municipal de Catanduva, da Lei nº 4.077, de 27.06.05, do mesmo município, que “acrescenta parágrafo ao art. 3º da Lei nº 3.268, de 17.04.97.

Eis o texto legal:

 

Art. 1º - O art. 3º da Lei nº 3.268, de 17 de abril de 1.997, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 3º (...)

§ 1º Os benefícios supra citados poderão ser efetuados diretamente pelo Poder Público ou delegados a terceiros, mediante licitação.

§ 2º - Os imóveis doados pelo Prefeito, nos termos e pelos motivos previstos no caput deste artigo, que, por qualquer motivo, sejam retomados pelo Município, tenham eles benfeitorias ou não, para serem objeto de nova doação, dependem de autorização legislativa.

Ar. 2º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

 

Sustenta o autor que a lei padece de inconstitucionalidade sob os aspectos formal e material. Foi projetada no âmbito do Poder Legislativo, com vício de iniciativa e ofensa ao princípio da separação dos poderes. Discorre sobre a administração do Município, uma vez que determina a forma através da qual os lotes de programa de desenvolvimento industrial serão destinados a terceiros.

Aponta como violados os artigos 5º, 47, XIV e 144 da Constituição Estadual.

O pedido de liminar foi indeferido (fls. 23/25).

Requisitaram-se informações ao Presidente da Câmara Municipal, que defendeu a lei impugnada, fls. 35/38.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou-se da defesa do ato impugnado, entendendo que a matéria é de interesse local, fls. 55/57.

É a síntese do necessário.

O pedido deve ser examinado pelo cotejo da lei em análise com os arts. 5º, 19, IV, 24, § 2º, 47 e 144 da Constituição Estadual.

A Lei nº 3.268, de 17.04.97, do Município de Catanduva, de iniciativa do Poder Executivo, reformulou a legislação sobre projeto para desenvolvimento industrial do município – PRODEICA. Em seu art. 3º autorizou o Prefeito Municipal a adquirir e alienar áreas de terra necessárias à implantação de empresas industriais, comerciais e prestadoras de serviço e de base tecnológica, bem como executar benfeitorias, acessões, serviços, incentivos e instalações especiais, nos respectivos imóveis.

A Lei nº 4.077, de 17.04.97, cuja inconstitucionalidade se alega, determinou que, no caso dos imóveis doados serem retomados pelo Município, haverá necessidade de autorização legislativa para nova doação.  

Não se trata de matéria cuja iniciativa legislativa é de competência exclusiva do Poder Executivo, a teor do art. 24, § 2º da Constituição.

Logo, não há se falar em vício de iniciativa e em inconstitucionalidade, com base no art. 144 da CE.

Também não se vislumbra violação ao princípio da separação de poderes.

Isso porque, à luz do art. 19, inc. IV da Carta Bandeirante, aplicável aos Municípios por força de seu art. 144, o Poder Legislativo pode dispor sobre autorização para a alienação de bens imóveis do Estado.

Portanto,  a lei de iniciativa da Câmara Municipal que determinou que a doação de imóveis pelo Prefeito depende de autorização legislativa não invadiu esfera de competência do Poder Executivo, representando tão somente o exercício de competência autorizada diretamente pela Constituição Estadual.

Acresça-se que a autorização genérica concedida ao Prefeito Municipal através do art. 3º da Lei nº 3.268/97 para a alienação de terras objetivando implantação de empresas dentro do projeto para Desenvolvimento Industrial do Município de Catanduva não libera o Executivo da necessidade de obter autorização legislativa para cada um dos casos de alienação, pois o Legislativo não pode delegar sua competência para aferir, em cada situação, a conveniência e a oportunidade da alienação.

Nesse sentido de Edmir Netto de Araújo, lembrando Diógenes Gasparini:

“A autorização legislativa deve ser dada caso a caso, especificamente, e não por meio de lei geral, pois nessa hipótese o Legislativo estaria delegando ilegitimamente sua competência de aferir a conveniência e a oportunidade da alienação” (Curso de Direito Administrativo, Ed. Saraiva, 3ª Ed., 2007, pg. 1.116).

Lembrando a necessidade de autorizações legislativas específicas, Hely Lopes Meirelles também anota que “o município pode fazer doações de bens móveis ou imóveis desafetados do uso público, e comumente, o faz para incentivar construções e atividades particulares de interesse local e convenientes à comunidade. Essas doações podem ser com ou sem encargos, e em qualquer caso, dependem de lei autorizadora - grifei, que estabeleça as condições para sua efetivação, de prévia avaliação do bem a ser doado e de licitação (arts. 17, I, “b”, e II, “a”, da Lei 8.666, de 1.993)” (Direito Municipal Brasileiro, Ed. Malheiros, 16ª Ed., 2.008, pág. 329).

E o Supremo Tribunal Federal também apreciou essa questão relativa à necessidade de autorização legislativa caso a caso para a doação bens imóveis, censurando a autorização genérica ao Executivo, ao declarar a inconstitucionalidade de lei do Estado de Tocantins, no julgamento da ADI425/TO, Rel. Maurício Corrêa, julgamento 04/09/2002, Tribunal Pleno, publicação DJ 19-12-2003, colhendo-se do voto do relator ilustrativo trecho a respeito da matéria:

 

“A Medida Provisória 64/90, convertida na Lei 215/90, que autoriza o Chefe do Poder Executivo a doar quaisquer bens do Estado, móveis ou imóveis, sem especificá-los, ofende os princípios constitucionais sensíveis (CF, artigos 2º, 25 e 34, IV), como aliás bem anotado no parecer do Ministério Público Federal (fls. 688/697). 35. Com efeito, a competência outorgada ao Governador, por meio de norma genérica, votada pela Assembléia Legislativa, constitui forma de violação ao princípio da separação dos Poderes de que cuidam os artigos 2º e 60, § 4º, da Constituição Federal, porquanto lhe atribui contínua autorização para a disponibilidade de bens públicos do Estado. 36. Ora, essa delegação traduz-se em anômalo instrumento para dispor da coisa pública, de maneira permanente e segundo a vontade pessoal e exclusiva do Governador. Além disso, não foi obedecido o disposto no artigo 68 da Constituição de 1988, no que toca ao processo legislativo referente às leis delegadas. Nesse ponto (MP 64/90, convertida na Lei 215/90), a ação deverá ser considerada procedente.

 

Portanto, não exorbitou de suas atribuições a Câmara Municipal ao, reforçando a própria Lei de Licitações e a Constituição Estadual, ter iniciativa e dispor sobre a exigência de lei para cada alienação de bem imóvel a ser realizada pelo Poder Público, no âmbito de projeto de desenvolvimento industrial regulamentado através de lei de iniciativa do Executivo.

De resto, vale assinalar que a edição da lei de iniciativa da Câmara Municipal, a despeito de inovar na lei de autoria do Executivo que reformulou o Projeto para Desenvolvimento Industrial de Catanduva, não o desconfigurou em qualquer aspecto, não se vislumbrando usurpação de atribuição de um poder pelo outro, já que não se nota nenhuma interferência do Poder Legislativo nas atividades de gestão ou administração por parte do Poder Executivo.  

Diante do exposto, o parecer é pela improcedência da ação, por não se vislumbrar inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.077, de 27.06.05, do Município de Catanduva, que “acrescenta parágrafo ao art. 3º da Lei nº 3.268, de 17.04.97 e dá outras providências”, por inexistência de violação aos arts. 5º, 47, XIV e 144 da Constituição Estadual, salientando que nesta oportunidade está sendo providenciada a extração de cópias para oportunamente argüir-se a inconstitucionalidade da dicção do art. 3º da Lei nº 3.268, de 17Abr97, do Município de Catanduva, que concede ao Prefeito Municipal autorização genérica para a alienação de áreas de terra necessárias à implantação de empresas. 

São Paulo,  25 de março de 2009.

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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