Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 172.475-0/8-00

Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Objeto: Lei nº 10.208, de 22.09.08, do Município de São José do Rio Preto

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, da Lei nº 10.208/2008, do mesmo município, que “declara a área do Instituto Penal Agrícola de Relevante Interesse Ecológico (ARIE). Projeto nascido no Poder Legislativo, com usurpação das atribuições do Prefeito. Violação do princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE), que não se convalida pela sanção da lei pelo chefe do Executivo. Inovação, ademais, no Plano Diretor do Município, que é lei complementar, através de lei ordinária. Parecer pela declaração da inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito Municipal de são José do Rio Preto, da Lei nº 10.208, de 22.09.08, do mesmo município, que “declara a área do Instituto Penal Agrícola (IPA) de Relevante Interesse Ecológico (ARIE).

Eis o texto legal:

Art. 1º - Fica declarada a área do Instituto Penal Agrícola (IPA) como sendo de Relevante Interesse Público Ecológico (ARIE).

Parágrafo Único – A área com sua denominação, localização, caracterização é a constante da matrícula em anexo.

Art. 2º - O Poder Executivo Municipal, através de sua Secretaria Municipal do Meio Ambiente, deverá:

I – demarcar, através de placas indicativas, a área ora declarada de Relevante Interesse Ecológico (ARIE);

II – cadastrar os maciços arbóreos existentes na Área de Relevante Ecológico (ARIE);

III – fiscalizar, em atuação coordenada com os órgãos estaduais e federais, a preservação da área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), protegendo os maciços arbóreos contra qualquer ação de destruição parcial ou total.

Art. 3º - A conservação e ocupação da área declarada de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) serão determinadas através de plano de manejo, aprovado pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente e pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

Art. 4º - Esta Lei entre em vigor na data de sua publicação. 

Sustenta o autor que a lei padece de inconstitucionalidade sob os aspectos formal e material. Foi projetada no âmbito do Poder Legislativo, com vício de iniciativa e ofensa ao princípio da separação dos poderes. Discorre que a lei inova no Plano Diretor do Município, que é lei complementar, cuja iniciativa é exclusiva do Prefeito Municipal.

Aponta como violados os artigos 5º e 144 da Constituição Estadual.

O pedido de liminar foi deferido (fls. 57).

Requisitaram-se informações ao Presidente da Câmara Municipal, que se manifestou sobre o processo legislativo, fls. 73/85.

A Procuradoria-Geral do Estado não se manifestou sobre da defesa das normas questionadas.

É a síntese do necessário.

O pedido deve ser examinado pelo cotejo da lei em análise com os arts. 5º, 25 e 144 da Constituição Estadual.

De acordo com a Lei Orgânica do Município de São José do Rio Preto, cujo texto instrui a inicial, a Câmara Municipal tem competência para aprovar o Plano Diretor, com a sanção do Prefeito (art. 30, XIII).

Tratando-se de normatização a respeito do ordenamento do uso do solo, e sendo instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, sua iniciativa legislativa está reservada ao Poder Executivo.

Frise-se, para ilustração, que o Prefeito Municipal incorre em improbidade administrativa, caso não promova a revisão periódica do plano diretor de sua cidade (Lei nº 10.257/01, art. 52, VII), demonstração cabal acerca da competência de iniciativa para qualquer inovação do plano diretor.

Portanto, a despeito da previsão do art. 30, XVII da Lei Orgânica do Município de São José do Rio Preto, não se cogita que a Câmara Municipal possa, através de lei de sua iniciativa, modificar o Plano Diretor do Município. A competência prevista nesse dispositivo legal deve ser interpretada em consonância com o princípio constitucional da separação dos poderes.   

No caso, o Plano Diretor do Município institui e define áreas de especial interesse ambiental e a lei censurada, de iniciativa legislativa, declara a área tratada em seu texto como área de relevante interesse ecológico, inovando na normatização do solo instituída através do Plano Diretor, que, como vimos, é de iniciativa do Poder Executivo.

Não bastasse isso, a lei censurada impõe obrigações à Administração Municipal (demarcação da área, cadastramento de maciço arbóreo, fiscalização da área, proteção dos maciços), interferindo nas atividades do Executivo.

 Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe (fls. 73), é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Dês. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

De outro giro, impõe-se observar que o Plano Diretor do Município de São José do Rio Preto foi instituído através de Lei Complementar, conforme art. 40, par. único de sua Lei Orgânica.

E, portanto, qualquer inovação de seus comandos deve ser feita através de lei de mesma envergadura, e não de lei ordinária, conforme se verifica no caso:

As leis complementares, no sistema constitucional vigente, adquiriram relativa rigidez, porque sua aprovação depende do voto favorável da maioria absoluta dos membros das duas casas no Congresso Nacional (art. 69). Aprovadas nesses termos, sancionadas, promulgadas e publicadas, entram em vigor, e somente podem ser alteradas pelo mesmo processo (Silva, José Afonso da, Comentário Contextual à Constituição, Ed. Malheiros, 4ª Ed. Pg. 462)

Tal regra aplica-se à lei complementar municipal, à luz do art. 144 da Constituição Estadual.

Finalmente, impõe-se observar que a imposição de obrigações à Administração (demarcação, cadastramento, fiscalização), instituída pela lei impugnada, traz ônus ao Erário. Tem-se aumento dos encargos do orçamento, resultante da necessidade de cumprimento dessas obrigações.

 Em casos similares esse egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Diante do exposto, o parecer é pela procedência da ação, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.208, de 22.09.08, do Município de São José do Rio Preto, que “declara a área do Instituto Penal Agrícola (IPA) de Relevante Interesse Ecológico (ARIE)”, por violação aos arts. 5º, 25 e 144 da Constituição Estadual.

São Paulo, 20 de março de 2009.

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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