Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 173.198-0/0

Requerente: Prefeito Municipal de Lençóis Paulista

Objeto: Lei Complementar nº 49, de 03 de dezembro de 2.008

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Lençóis Paulista, da Lei Complementar nº 49, do mesmo município, que “reestrutura o quadro de cargos de servidores e cria outros novos cargos na Câmara Municipal de Lençóis Paulista”. Alegação de violação ao princípio da independência de poderes, pois a criação de cargos do Legislativo não depende de lei a ser sancionada pelo Executivo (arts. 5º e 20, III, CE). Impossibilidade dos vencimentos dos cargos criados serem fixados por Ato da Mesa da Câmara Municipal, fazendo-se necessária a edição de lei sobre a matéria (art. 20, III, CE). Criação de despesa, decorrente dos cargos criados, sem indicação do recurso (art. 25, CE). Parecer pela declaração da inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito Municipal de Lençóis Paulista da Lei Complementar nº 49, de 03 de dezembro de 2.008, do mesmo Município, que “reestrutura o quadro de cargos de servidores e cria outros novos cargos na Câmara Municipal de Lençóis Paulista.

Eis o texto da lei atacada:

Art. 1º Fica reestruturado o quadro de servidores da Câmara Municipal de Lençóis Paulista, criando os seguintes cargos:

Quantidade              denominação

02                   assessor de comunicação

01                   chefe do setor administrativo

01                   chefe do setor cerimonial

02                   assessor parlamentar

Art. 2º Os cargos ora criados serão de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração “ad nutum” da Mesa da Câmara Municipal.

Art. 3º As atribuições dos cargos ora criados serão estabelecidas por Ato da Mesa, bem como os respectivos vencimentos.

Art. 4º Esta Lei entrará em vigor em 02 de janeiro de 2.009 

Sustenta o autor que a lei padece de inconstitucionalidade sob os aspectos formal e material. A criação de cargos por parte do Poder Legislativo não demanda a elaboração de lei a ser sancionada pelo Executivo, em virtude da independência dos Poderes, sendo que a matéria pode ser tratada através de Resolução da Câmara Municipal.  Já a fixação dos vencimentos dos cargos criados não pode se dar através de Ato da Mesa, dependendo de lei. Por fim a lei traz aumento de despesa para o Município – em razão da criação de novos cargos – sem a indicação de sua fonte de custeio.

Aponta como violados os artigos 5º; 20, III; 25; e 144 da Constituição Estadual.

O pedido de liminar foi deferido (fls. 28).

Requisitaram-se informações ao Presidente da Câmara Municipal. Este se pronunciou em defesa da lei impugnada, explicando que a edição de lei para a criação dos cargos fez-se necessária em virtude de entendimento exarado pelo Tribunal de Contas do Estado no sentido da irregularidade de nomeações para os cargos criados através da Resolução nº 10/97, porquanto os referidos cargos deveriam ser criados através de lei, consoante art. 37, inc. II da Constituição Federal (fls. 38 e ss). 

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa das normas questionadas, consignando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 56).

É a síntese do necessário.

O pedido deve ser examinado pelo cotejo da lei em análise com os arts. 5º, 20, III, 25 e 144 da Constituição Estadual.

A Lei Complementar nº 49/08, do Município de Lençóis Paulista, viola o princípio da separação de poderes.

Nos termos do art. 151 da CF, aplicável aos municípios por força do art. 144 da Carta Estadual, compete privativamente à Câmara dos Deputados dispor sobre criação de seus cargos. O mesmo se diga no tocante ao art. 52, inc. XIII, CF, que prevê a mesma atribuição em relação ao Senado Federal, também aplicável aos municípios em decorrência do art. 144 da CE.

Simetricamente, a Constituição Estadual, em seu art. 20, inc. III, atribui à Assembléia Legislativa a competência exclusiva para dispor sobre a criação de cargos de seus serviços.

Bem se vê que a matéria de criação de cargos afetos ao Poder Legislativo é de competência privativa do próprio Poder, e deve ser tratada através de Resolução.

Alexandre de Moraes faz menção no sentido de que a “resolução é ato do Congresso Nacional ou de qualquer de suas casas, tomado por procedimento diferente do previsto para a elaboração das leis, destinado a regular matéria de competência do Congresso Nacional ou de competência privativa do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados” (Direito Constitucional, Ed. Atlas, 23ª Ed., pg. 694), concluindo que não há “participação do Presidente da República no processo legislativo de elaboração de resoluções, e consequentemente, inexistirá veto ou sanção, por tratar-se de matérias de competência do Poder Legislativo” (mesma obra, pg. 695).

O festejado autor também lembra que “a EC nº 19, de 4-6-1998 (Reforma Administrativa) alterou significadamente a redação do inciso IV, do art. 51, mantendo a competência da Câmara dos Deputados para criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções de seus serviços” (Constituição do Brasil Interpretada, Ed. Atlas, 2ª Ed, pg. 1.010).

Já Régis Fernandes de Oliveira destaca que “os cargos do Poder Executivo são criados e extintos por lei” e que “também por lei criam-se e extinguem-se cargos no Judiciário”, enquanto “no Legislativo podem sê-lo por Resolução do Senado (inc. XIII do art. 52) ou da Câmara (inciso IV do art. 51)” (Servidores Públicos, Ed. Malheiros, 2ª Ed., pg. 15).  

Portanto, afronta os arts. 5º, 20, III e 144 da Constituição Estadual a lei municipal que cria cargos no Poder Legislativo, os quais devem ser instituídos através de ato de competência privativa do parlamento municipal (Resolução).

Ressalte-se que, nos termos do art. 5º, § 2º da Constituição Paulista, é vedado a qualquer dos poderes delegar suas atribuições.        

Também ofende a Constituição Estadual a delegação de competência, por parte do legislador municipal, à Mesa da Câmara para a fixação dos vencimentos dos cargos criados.

De acordo com o art. 37, inc. X da Constituição Federal, a remuneração dos servidores públicos somente poderá ser fixada ou alterada por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso.

Particularmente, no tocante aos vencimentos dos cargos do Poder Legislativo, o art. 51, inc. IV e o art. 52, inc. XIII da Magna Carta exigem lei para a fixação da remuneração dos cargos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, atribuindo às Casas, privativamente, a iniciativa legislativa para a matéria.            

Alexandre de Moraes lembra que, após a EC nº 19/98, a antiga competência das Casas do Legislativo para a fixação da respectiva remuneração foi transformada em “iniciativa privativa do projeto de lei, que deverá ser aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República, sendo que, até então, a fixação de remuneração constituía ato privativo da própria Casa Legislativa, por meio de resolução (Constituição do Brasil Interpretada, Ed. Atlas, 2ª Ed., pg. 1.010).  

Essas regras estendem-se aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual.

E a Carta Paulista não desprezou a necessidade de lei para a revisão da remuneração dos servidores públicos de todos os Poderes (art. 115, inc. XI), atribuindo à Assembléia Legislativa a competência exclusiva para a iniciativa de lei para a fixação da remuneração de seus cargos.

Está-se diante de matéria a ser analisada sob o princípio da reserva legal absoluta, cuja disciplina é reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte infralegal.

José Afonso da Silva, citando lição de Crisafulli, anota que se tem “reserva de lei quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (ou a atos equiparados, na interpretação firmada na praxe), subtraindo-a, com isso, à disciplina de outras fontes, àquelas subordinadas” (Comentário Contextual à Constituição, Ed. Malheiros, 4ª Ed, pg. 83).

Evidencia-se, pois, que não se pode cogitar da possibilidade dos vencimentos dos cargos do Legislativo serem fixados através de ato da Mesa da Câmara, tendo em vista manifesta violação ao princípio da reserva legal.

Por fim, a Lei Municipal Complementar nº 49, de 03.12.08, do Município de Lençóis Paulista, ainda peca por um outro vício perante a Constituição Estadual.

É que, já que se dispôs a criar cargos (quem deveria fazê-lo era  Resolução da Câmara Municipal), agride o art. 25 da Carta Bandeirante, que não permite a sanção de projeto de lei que implique criação de despesas públicas sem indicar os recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos.

Através de interpretação finalística, deve-se entender que tal dispositivo veda também a promulgação de projetos que incorram na mesma omissão, pois o objetivo da norma é arranhado de uma ou outra forma (sanção ou promulgação sem sanção), tendo em vista que, em ambas as situações, colima-se a responsabilidade fiscal, evitando-se a sangria impensada das receitas públicas.                                                

Esse egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Diante do exposto, o parecer é pela procedência da ação, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 49/08, do Município de Lençóis Paulista, que “reestrutura o quadro de cargos de servidores e cria outros novos cargos na Câmara Municipal de Lençóis Paulista, por violação aos arts. 5º, 20, III, 25, 115, XI e 144 da Constituição Estadual.

São Paulo, 17de março de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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