Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 173.219-0/8

Requerente: Prefeito de São José do Rio Preto

Objeto: Lei nº 10.191, de 8 de agosto de 2008, do Município de São José do Rio Preto

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito de São José do Rio Preto da Lei nº 10.191/2008, que “estabelece normas para a realização de propaganda no Município de São José do Rio Preto”. Lei que reproduz regra constitucional (art. 115, § 1º, CE) e impõe o seu cumprimento tão-somente ao Poder Executivo. Determinação, ademais, para que o custo da propaganda conste de sua veiculação. Ofensa ao princípio da razoabilidade, previsto no art. 111 da CE. Precedente do STF. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 10.191, de 8 de agosto de 2008, que “estabelece normas para a realização de propaganda no Município de São José do Rio Preto”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

Afirma que a iniciativa desrespeitou ao princípio da separação dos poderes e aponta como violado o artigo 5º da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 25/27).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 36 e ss.).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 76/78).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada tem a seguinte redação:

LEI Nº 10.191

De 08 de agosto de 2008

Estabelece normas para a realização de propaganda no Município de São José do Rio Preto.

Ver. ADNEY SECCHES, Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, usando das atribuições que me são conferidas por lei.

FAÇO SABER que a Câmara Municipal manteve e eu promulgo, nos termos do § 6º do artigo 44 da Lei Orgânica do Município, a seguinte Lei:

Art. 1º - É vedada a realização de propaganda e publicidade, por parte do Governo Municipal e órgãos da administração direta e indireta, no Município de São José do Rio Preto, por quaisquer meios de comunicação com o intuito de autopromoção pessoal, governamental ou partidária.

Art. 2º - É obrigado constar em todas as propagandas veiculadas pelo Município:

I – o custo da peça publicitária, em letra legível;

II – quando se tratar de construção ou reforma, informar o valor da obra, o prazo previsto para entrega da mesma e o valor dos investimentos feito pelos governos, municipal, estadual e federal.

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Câmara Municipal de São José do Rio Preto, 08 de agosto de 2008.

Ver. ADNEY SECCHES

Presidente da Câmara

À primeira vista, a lei não padece do vício alegado na inicial: ofensa ao princípio da separação dos poderes.

A norma impugnada regula de forma genérica e abstrata a conduta da Administração no que diz respeito à propaganda. Não tem o escopo de administrar o Município, mas o de disciplinar a atuação governamental no campo da propaganda.

Cuida-se, pois, da autêntica missão normativa, que é reservada ao Poder Legislativo.

O art. 1º da lei municipal está em aparente consonância com os princípios da impessoalidade e moralidade, que estão expressamente previstos no artigo 111 da Constituição Paulista. O mesmo comando se ajusta à regra do § 1º do artigo 115 da Carta Bandeirante, a seguir transcrito:

§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas da administração pública direta, indireta, fundações e órgãos controlados pelo Poder Público deverá ter caráter educacional, informativo e de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos e imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

No entanto, é preciso dizer que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional norma similar do Estado do Rio Grande do Sul, expressa na Lei nº 11.601/2001, de projeto nascido no Poder Legislativo. A Decisão liminar tem a seguinte ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI 11.601, DE 11 DE ABRIL DE 2001, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PUBLICIDADE DOS ATOS E OBRAS REALIZADOS PELO PODER EXECUTIVO. INICIATIVA PARLAMENTAR. CAUTELAR DEFERIDA EM PARTE. 1. Lei disciplinadora de atos de publicidade do Estado, que independem de reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual, visto que não versam sobre criação, estruturação e atribuições dos órgãos da Administração Pública. Não-incidência de vedação constitucional (CF, artigo 61, § 1º, II, e). 2. Norma de reprodução de dispositivo constitucional, que se aplica genericamente à Administração Pública, podendo obrigar apenas um dos Poderes do Estado sem implicação de dispensa dos demais. 3. Preceito que veda "toda e qualquer publicação, por qualquer meio de divulgação, de matéria que possa constituir propaganda direta ou subliminar de atividades ou propósito de governo, bem como de matéria que esteja tramitando no Poder Legislativo" (§ 2º do artigo 1º), capaz de gerar perplexidade na sua aplicação prática. Relevância da suspensão de sua vigência. 4. Cláusula que determina que conste nos comunicados oficiais o custo da publicidade veiculada. Exigência desproporcional e desarrazoada, tendo-se em vista o exagero dos objetivos visados. Ofensa ao princípio da economicidade (CF, artigo 37, caput). 5. Prestação trimestral de contas à Assembléia Legislativa. Desconformidade com o parâmetro federal (CF, artigo 84 inciso XXIV), que prevê prestação anual de contas do Presidente da República ao Congresso Nacional. Cautelar deferida em parte. Suspensão da vigência do § 2º do artigo 1º; do artigo 2º e seus parágrafos; e do artigo 3º e incisos, da Lei 11.601, de 11 de abril de 2001, do Estado do Rio Grande do Sul (ADI – MC nº 2.472-8 – RS, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 13/3/2002).

A lei sul rio-grandense reproduzia, no art. 1º, a regra do art. 37 da Constituição Federal. Os parágrafos desse dispositivo impediam a publicidade de atos governamentais que caracterizassem promoção pessoal de autoridades e servidores públicos. O art. 2º, por sua vez, estabelecia que constasse dos próprios jornais, comunicados avulsos, notas, informativos e demais meios publicidade dos atos do Poder Executivo Estadual o custo para os cofres públicos da veiculação e publicação. O art. 3º obrigava o Poder Executivo informar à Assembléia, trimestralmente, o total do gasto com publicidade e o art. 4º sancionava o ordenador de despesas irregulares.

Em sede liminar, entendeu-se temerária a manutenção do preceito que reproduzia a norma constitucional com linguagem de incerta compreensão, que pudesse “criar embaraços ao dever de informar e de prestar constas, inerente à atuação do Chefe do Executivo”.

Quanto à obrigação de informar no próprio instrumento da publicidade o seu custo, entendeu-se “igualmente diante de exigência no mínimo desproporcional e desarrazoada pelos limites que impõe ao Governador e pelo exagero dos objetivos visados, sobretudo porque apenas obriga um dos Poderes, nada disciplinando a respeito dos outros”.

No julgamento de mérito, toda a lei foi considerada inconstitucional, por ofensa ao princípio da razoabilidade, diante da constatação de que a regra dirigia-se tão-somente ao Poder Executivo:

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - PRINCÍPIOS - EXTENSÃO. Surgindo, no ato normativo abstrato, a óptica, assentada em princípio básico da Administração Pública, de observância apenas em relação ao Executivo, tem-se a lei como a conflitar com a razoabilidade (ADIN – 2.472-8 – RS, rel. Min. Marco Aurélio, j. 01/04/2004).

A mesma imperfeição se encontra na lei impugnada, que proíbe a propaganda irregular “por parte do Governo Municipal e órgãos da administração direta e indireta” (art. 1º).

A razoabilidade também deve inspirar o legislador municipal, por força do que dispõe o art. 111 da CE, daí porque, considerado o paradigma do STF e por identidade de razões, impõe-se reconhecer a inconstitucionalidade da íntegra da Lei 10.191/08 do município de São José do Rio Preto.

Aqui se considera que, “a despeito da necessidade legal da indicação dos fundamentos jurídicos na petição inicial, não está [o Tribunal] a eles vinculado na apreciação que faz da constitucionalidade dos dispositivos questionados (princípio da causa petendi aberta)” (MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade, 3ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 272).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.191, de 8 de agosto de 2008, que “estabelece normas para a realização de propaganda no Município de São José do Rio Preto”.

 

São Paulo, 16 de março de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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