Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 173.220.0/2

Requerente: Sindicato dos Servidores da Secretaria da Fazenda de São Paulo - SINDFESP

Objeto: § 2º do art. 26 da Lei Complementar nº 1.059, de 18 de setembro de 2008, do Estado de São Paulo

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Sindicato dos Servidores da Secretaria da Fazenda de São Paulo – SINDFESP, tendo como alvo o § 2º do art. 26 da Lei Complementar n. 1.059/08, dispositivo que torna a gratificação denominada “Participação nos Resultados” devida aos agentes fiscais de rendas imune ao limite do no inc. XII do art. 115 da Constituição do Estado. Preliminares. Ilegitimidade do sindicato-autor, que representa categorias diversas do funcionalismo, dentre as quais a dos próprios agentes fiscais de rendas, a quem não interessa o provimento almejado. Pertinência temática não demonstrada. Falta de poderes especiais na procuração. Mérito. Participação nos Resultados. Vantagem devida em razão do cargo e que se inclui na fixação do teto remuneratório. Precedentes do STF. Parecer pelo não conhecimento e, no mérito, pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicato dos Servidores da Secretaria da Fazenda de São Paulo - SINDFESP, tendo como alvo o § 2º do art. 26 da Lei Complementar nº 1.059, de 18 de setembro de 2008, do Estado de São Paulo.

Diz o autor que a Lei Complementar nº 1.059/08 dispõe sobre o regime de trabalho e remuneração dos Agentes Fiscais de Rendas e que em seu art. 26, caput, está prevista a Participação nos Resultados – PR, prestação pecuniária concedida ao Agente Fiscal de Rendas em razão do cumprimento das metas fixadas pela Administração.

Insurge-se contra o § 2º do mesmo dispositivo, pelo teor do qual “a Participação nos Resultados – PR não será considerada para fins de determinação do limite a que se refere o inciso XII do artigo 115 da Constituição Estadual”.

Argumenta que a regra viola os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade e da impessoalidade, na medida em que apenas uma classe de servidores é beneficiada, em detrimento das demais, do interesse público e da isonomia, porquanto não observa o limite constitucionalmente previsto para os vencimentos dos servidores públicos, com infração, portanto, aos artigos 111; 124, § 1º e 115, XII, da Constituição do Estado de São Paulo.

O pedido liminar foi indeferido (fls. 43/45).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado se manifestou a fls. 60/82.

Arguiu a falta de legitimação ativa do sindicato-autor, realçando que a entidade representa categorias heterogêneas do serviço público e não se encontra regularmente registrada no Ministério do Trabalho e Emprego.

Aduz que não está demonstrada a pertinência temática entre as finalidades estatutárias da entidade e o conteúdo da norma questionada, não sendo possível aferir de que forma esta atinge os interesses dos representados.

Aponta a ausência de capacidade postulatória, pela falta de outorga na procuração de poderes específicos para o ataque do ato normativo em análise.

No mérito, sustenta que o legislador paulista concebeu modelo de gestão pautado em resultados e planejamento estratégico, em atenção ao princípio constitucional da eficiência. Afirma que o dispositivo não ofende aos princípios invocados, porque, a seu ver, a participação nos resultados não tem natureza remuneratória ou salarial, estando imune ao art. 115, inc. XII, da Constituição do Estado.

O Sr. Governador do Estado prestou informações sobre a constitucionalidade do ato normativo, reiterando o expendido pela Procuradoria-Geral (fls. 91/124).

O Presidente da Assembléia Legislativa manifestou-se a fls. 132/144.

Em preliminar, apontou falta de interesse de agir, por ausência de pertinência temática, propondo a extinção do processo, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC.

No mérito, sustentou que a Participação nos Resultados é gratificação “pro labore faciendo” ou “propter laborem”, cuja finalidade é a de premiar o servidor pelo bom desempenho tendente ao aumento de arrecadação das receitas públicas. Dada a natureza eventual, não se incorpora à remuneração, daí porque não ofende aos princípios indicados na inicial.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

As preliminares argüidas pela douta Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo devem ser acolhidas.

O conceito de entidade de classe, para os fins do art. 90, inc. V, da Constituição Paulista, é limitado e reproduz no âmbito estadual as mesmas restrições encontradas no plano federal.

Entidade de classe é aquela constituída para a defesa de uma determinada categoria profissional, “cujo conteúdo seja ‘imediatamente dirigido à idéia de profissão, - entendendo-se classe no sentido não de simples segmento social, de classe social, mas de categoria profissional’” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 742, grifos do original).

O STF estabeleceu que a associação legitimada é aquela que, em essência, representa o interesse comum de determinada categoria (ADI 34/DF, rel. Octavio Galloti, RTJ 128/481), e, desse modo, consolidou o entendimento de que o Constituinte decidiu por uma legitimação limitada, “não permitindo que se convertesse o direito de propositura dessas organizações de classe em autêntica ação popular” (MARTINS, Ives Gandra e MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concetrado de constitucionalidade. 3ª. ed., São Paulo: Saraiva, p. 170).

Por isso, a Corte Constitucional nega legitimação às entidades formadas por associados pertencentes a categorias diversas, cujos objetivos, quando individualmente considerados, se mostram contrastantes (ADI – 108/DF, Celso de Mello, DJ 5 Jun. 1992, p. 8426).

Esta parece ser a hipótese dos autos, pois se lê no Estatuto do sindicato-autor que este representa “todos os servidores e funcionários públicos pertencentes de cargos, empregos e funções públicas de carreira de natureza específica e não específica, ativos, inativos e pensionistas, lotados ou que já o foram na Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda do Estado de São Paulo”.

Se for superada essa questão, não estará cumprido o requisito da pertinência temática, que se completa com a demonstração genérica de que o provimento jurisdicional almejado atende a interesse dos associados que a entidade se propõe a defender.

É que, no caso em análise, dentre as carreira que o Sindicato-autor se propõe a representar está a do Agente Fiscal de Rendas, a quem não interessa, certamente, a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo vergastado.

Também procede a questão levantada sobre a ausência de capacidade postulatória da associação, pois, a partir da orientação firmada pelo STF no julgamento da ADI no 2.187-BA, Rel. Min. Octávio Gallotti (DJ de 12.12.2003), determinou-se que "todas as procurações ou delegações outorgadas pelos autores de ação direta (CF, art.103), a seus Advogados e Procuradores, contenham poderes especiais para a instauração do pertinente processo de controle normativo abstrato perante [essa] Corte, com a indicação objetiva dos diplomas legislativos ou dos atos normativos, e respectivos preceitos (quando for o caso), que devam expor-se especificamente, à impugnação em sede de ação direta de inconstitucionalidade" (ADI no 2.521-PE, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 30.04.2002).

No mérito, entretanto, a ação é procedente.

O art. 37, inc. XI, da Constituição Federal e o art. 115, XII, da Constituição Paulista, definem, respectivamente, o teto nacional e o subteto do Estado de São Paulo, que se constituem no limite da remuneração dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros dos Poderes, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e dos proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza.

Atualmente, remuneração deve ser entendida como “o somatório de todos os valores percebidos pelo servidor, quer sejam pecuniários, quer não”. Assim, “abrange o vencimento, as vantagens e as quotas de produtividade” (GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 13ª. ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 189, grifei).

GASPARINI observa que, embora a literalidade do texto do inciso XI impeça a remuneração ou o subsídio maior que o limite, “resta certo que em determinadas situações pode haver superação”. Essas exceções decorrem do § 3º do art. 39 da CF, que manda aplicar aos servidores estatutários vários dos incisos do seu art. 7º, como é o caso do pagamento do décimo terceiro salário (inciso VIII) e do pagamento do trabalho noturno em valor superior ao do diurno (inciso IX). Nesses casos, segundo o seu pensar, não se aplica o teto (ob. cit., p. 192).

A Procuradoria-Geral do Estado desenvolveu forte argumentação no sentido de que, por força do art. 7º, a Participação nos Resultados – PR, também seria imune ao limite constitucional.

No entanto, sua tese não coincide com a orientação do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, até a promulgação da Emenda Constitucional n. 41/2003, o STF permitia que vantagens de caráter pessoal extrapolassem o teto (cf., entre outros, ADIN 14, de 28.9.1989, Célio Borja, e RE 141.788-9, de 6.5.1993, Sepúlveda Pertence).

Depois da Emenda, a Suprema Corte passou a dizer que “as vantagens pessoais, de qualquer espécie, devem ser incluídas no redutor do teto remuneratório previsto no inc. XI do art. 37 da Constituição da República (MS 24.875, rel. Sepúlveda Pertence, DJ 6.10.2006).

De toda sorte, no julgamento do RE 231.069-AgR/PR a 2ª. Turma entendeu que as vantagens decorrentes de prêmio de produtividade não possuem natureza pessoal. É gratificação percebida em razão do cargo, devendo, pois, ser considerada como parcela da remuneração, para que esta se contenha no teto.

Nesse sentido:

EMENTA: TETO CONSTITUCIONAL. CF, ART. 37, XI. PROCURADOR DO ESTADO. PERCEPÇÃO DE PROVENTOS EQUIVALENTES AO DE SECRETÁRIO DE ESTADO, ALÉM DE GRATIFICAÇÕES, ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO E VERBA DE REPRESENTAÇÃO DE GABINETE. 1. Entendimento do SUPREMO - anterior à EC 19/98 e à EC 41/2003 - de que o adicional por tempo de serviço é vantagem de caráter pessoal excluída do limitador constitucional (ADI 14, CÉLIO BORJA). 2. Verbas relativas à natureza do cargo incluem-se no teto. Precedente (RE 218.465, GALLOTTI). Recurso conhecido e parcialmente provido (RE 174742/PR, rel. p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, j. 14/03/2006, 2ª. T).

EMENTAS: 1. RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Servidor público. Vencimentos. Teto. Prêmio de produtividade. Gratificação de 40%. Vantagens percebidas em razão do cargo. Precedentes. Agravo regimental não provido. Firmou-se jurisprudência nesta Corte no sentido de que o prêmio de produtividade e a gratificação de 40%, são vantagens percebidas em razão do cargo, que se incluem na fixação do teto remuneratório, e não parcelas de natureza pessoal. 2. RECURSO. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a matéria. Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de multa. Aplicação do art. 557, § 2º, cc. arts. 14, II e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar o agravante a pagar multa ao agravado (RE 235609 AgR/PR, Min. CEZAR PELUSO, j. 28/03/2006, 1ª. T).

Por tais motivos, a Participação nos Resultados – PR tem que ser considerada para fins de determinação do subteto estadual, impondo-se reconhecer que a redação do dispositivo questionado está em desacordo com o inciso XII do artigo 115 da Constituição Paulista.

Diante do exposto, opino pelo não conhecimento, e, no mérito, pela procedência da presente ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do § 2º do art. 26 da Lei Complementar nº 1.059, de 18 de setembro de 2008, do Estado de São Paulo.

 

São Paulo, 22 de junho de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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