Parecer
Autos nº. 173.369-0/1
Requerente: Prefeito do Município de Jundiaí
Objeto: Lei nº 6.884, de 22 de agosto de 2007, do Município de Jundiaí
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 6.884/07, do Município de Jundiaí, que “obriga farmácias e drogarias a disponibilizar o Compêndio de Bulas de Medicamentos – CBM atualizado, para consulta pública”. Projeto de vereador. Norma que impõe ônus à Administração no exercício da fiscalização das regras estabelecidas, e que, por tal motivo, reclama a iniciativa do chefe do Executivo. Criação de despesa, ademais, sem indicação da fonte de custeio. Violação dos art. 5º e 25 da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal, tendo por objeto a Lei n.º 6.884, de 22 de agosto de 2007, do município de Jundiaí, que “obriga farmácias e drogarias a disponibilizar o Compêndio de Bulas de Medicamentos – CBM atualizado, para consulta pública”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
Aponta violação do princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE), sob o argumento de que é do chefe do Executivo a iniciativa de leis que criam ônus para a Administração, como o de impor penalidades.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 20/22).
O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 40 e ss.).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 71/73).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A lei impugnada decorre de projeto do ilustre Vereador José Antônio Kachan (fls. 40) e obriga farmácias e drogarias a disponibilizar para consulta o Compêndio de Bulas de Medicamentos – CBM e manter afixada placa informativa sobre essa comodidade, sob pena de multa e interdição do estabelecimento.
Em que peses os elevados propósitos que a inspiraram, a proposição não é compatível com a Constituição, pois viola o princípio da separação dos poderes, consagrado no artigo 5º. da Carta Estadual.
É que somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).
Note-se que a lei em análise impõe à Administração o ônus de fiscalizar o cumprimento da norma, de aplicar multas e interditar os estabelecimentos renitentes (art. 2º).
Invadiu-se, à evidência, a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando-se a prerrogativa deste em analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar. Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.
Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes. Como já proclamou esse Colegiado:
“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).
No caso dos autos, entretanto, existe outro fundamento, igualmente relevante, que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.
A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.
Na hipótese em análise é intuitivo que a atividade de fiscalização instituída gera despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, do que decorre sua incompatibilidade com o texto constitucional.
Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois:
“se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 748).
Para finalizar, deixo anotado que, em caso análogo, recentemente analisado por esse E. Tribunal, foi reconhecida a inconstitucionalidade de lei concebida por Vereador que determinava às farmácias e drogarias o fornecimento de bulas nas vendas de blisters de medicamentos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR, VETADA PELO PREFEITO E COM VETO REJEITADO PELA CÂMARA, QUE A PROMULGA. INVASÃO DA ESFERA DE ATRIBUIÇÕES DO CHEFE DO EXECUTIVO. VULNERAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA LEI MUNICIPAL QUE TORNA OBRIGATÓRIO O FORNECIMENTO DE BULAS JUNTO COM OS MEDICAMENTOS DISTRIBUÍDOS COMO BLISTERS, PELA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE SAÚDE. INVASÃO DE ATRIBUIÇÃO DO CHEFE DO EXECUTIVO. PREVISÃO DE DESPESA SEM PROVISÃO E SEM INDICAÇÃO DOS RECURSOS VULNERAÇÃO DOS ARTIGOS 5º, CAPUT, 25, 47, II, 144, 174, II E III E 176, I, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA (Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei 164.771.0/5-00, Relator: Renato Nalini, j. 01/10/2008).
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei n.º 6.884, de 22 de agosto de 2007, do município de Jundiaí, que “obriga farmácias e drogarias a disponibilizar o Compêndio de Bulas de Medicamentos – CBM atualizado, para consulta pública”.
São Paulo, cinco de maio de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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