Parecer
Autos nº. 173.371-0/0
Requerente: Prefeito do Município de Jundiaí
Objeto: Lei nº 6.782, de 12.03.07, do Município de Jundiaí
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo
Prefeito Municipal, tendo por objeto a Lei nº 6.782, de 12.03.07, do Município
de Jundiaí, que “regula a vigilância de quarteirão”. Lei de iniciativa do Poder
Legislativo. Alegação de violação ao princípio federativo e ao princípio da
independência dos poderes. Norma que legisla sobre condições para o exercício
de profissão e sobre a atividade administrativa. Violação dos arts. 5º, “caput”
e § 2º, 37, 47, II e XIV e 144 da Constituição Estadual. Parecer pela
procedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor
Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade, interposta pelo senhor Prefeito do Município de Jundiaí,
em face da Lei Municipal nº 6.782/07, daquele município, disciplinou o serviço
de vigilância de quarteirão.
Negada
liminar de suspensão da vigência da lei, fls. 17.
Oficiada, a
Presidência da Câmara Municipal prestou informações, fls. 34/36.
A Procuradoria
Geral do Estado absteve-se de pronunciamento sobre o mérito (fls. 30/32).
É o breve
relatório.
Eis o texto
do dispositivo legal atacado (Lei nº 6.782, de 12.03.07):
“Art. 1º - O serviço de
vigilância de quarteirão é disciplinado por esta lei, respeitada a legislação
trabalhista.
Parágrafo único – o serviço de
vigilância de quarteirão compreenderá as atividades de patrulhamento a pé ou
motorizado.
Art. 2º - o Serviço de
vigilância de quarteirão será realizado por pessoa qualificada, denominada
vigilante de quarteirão, que possua certificado de conclusão de curso de
formação específico, expedido por estabelecimento autorizado.
Parágrafo único – Além da
comprovação do curso de formação específico, o vigilante atenderá as seguintes
exigências especiais:
I – ser brasileiro;
II - ter idade mínima de 21
(vinte e um) anos;
III – ter instrução
correspondente ao ensino fundamental;
IV – ter sido aprovado em
exames de saúde física, mental e psicotécnico;
V – não ter antecedentes
criminais registrados; e
VI – estar quite com as
obrigações eleitorais e militares.
Art. 3º - O serviço de
vigilância de quarteirão manterá permanente contato com os órgãos da Segurança
Pública Estadual e com a Guarda Municipal, para comunicação de ocorrências que,
respectivamente, exigirem a pronta atuação das Polícias Militar ou Civil ou que
envolvam danos a bens, serviços ou instalações municipais.
Parágrafo Único – O Município
não terceirizará a fiscalização para empresas de segurança.
Art. 4º - O vigilante em
exercício terá 24 (vinte e quatro) meses para adequação a esta lei.
Art. 5º - Esta lei será
regulamentada pelo Executivo.
Art. 6º - Esta lei entre em
vigor na data de sua publicação.
O pedido deve
ser julgado procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade reclamada.
A lei ofende
o art. 144 da Constituição Estadual.
Com efeito, de acordo com esse
preceito, os municípios gozam de autonomia legislativa, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e na própria Constituição Estadual.
Ora, entre esses princípios está o
federalismo, consubstanciado em outros, dentre os quais a repartição
constitucional de competências entre União, Estados-membros, Distrito Federal e
Municípios.
Nesse particular cumpre relembrar que
compete privativamente à União legislar sobre condições para o exercício de
profissões (art. 22, inc. XVI, CF).
Portanto, ao estabelecer regramento a
respeito do exercício da atividade de vigilante de quarteirão, o legislador
municipal de Jundiaí normatizou sobre condições para o exercício de profissão
e, assim, usurpou a competência constitucional privativa da União, arranhando
princípio federativo e, por conseqüência, desrespeitando aos arts. 1º e 18 da
Constituição Federal e ao art. 144 da Constituição Estadual.
Relevante notar que quando do julgamento da
ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. des. Renato Nalini, esse E. Tribunal de
Justiça acolheu a tese acima aventada (possibilidade de declaração de
inconstitucionalidade de lei municipal por violação do princípio da repartição
de competências estabelecido pela Constituição Federal), sendo relevante trazer
excerto de voto do i. Desembargador Walter de Almeida Guilherme, imprescindível
para a elucidação da questão:
“(...) Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de
capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I,
denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se
Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio
fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa
forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados,
inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio
estabelecido na Constituição Federal.
Assim, quando o referido art. 144 ordena que os Municípios, ao se
organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro
que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência
legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da união, não estão
obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art.144 da
Constituição do Estado (...)” (trecho do voto do i. des. Walter de Almeida
Guilherme, no julgamento da ADI 130.227.0/0-00).
Esse mesmo fundamento, para fins de
reconhecimento de inconstitucionalidade de lei municipal, foi identificado
quando do julgamento da ADI 150.574-0/9-00, rel. des. Debatin Cardoso, j. em
07.05.08, sendo oportuno transcrever trecho, ao propósito, do voto vencedor:
“(...) Como bem salientado no
parecer do douto Procurador-Geral de Justiça: ‘a repartição constitucional de
competências é princípio estabelecido pela CF/88 (art.1º e 18), pois reflete um
dos aspectos mais relevantes do pacto federativo, ao definir os limites da
autonomia dos entes que integram a Federação brasileira. Isso decorre
claramente da interpretação sistemática da Constituição Federal.
Daí que, violando-se um
princípio constitucional (pacto federativo – repartição constitucional de
competências), o que se tem é a ofensa ao art.144 da Constituição Paulista’
(...)”.
A violação do
princípio federativo não é o único vício de inconstitucionalidade da lei
municipal de Jundiaí.
Constata-se,
também, clara ofensa ao princípio da separação e independência dos poderes,
mediante violação aos arts. 5º, “caput” e § 2º, 37, 47, II e XIV da
constituição paulista.
Isso porque a
lei hostilizada interfere na atividade administrativa, normatizando sobre a
atuação de seus órgãos e cominando obrigação ao Poder Executivo.
O art. 3º
impõe relação dos vigilantes com a Guarda Municipal e seu parágrafo único
proíbe o município de terceirizar fiscalização para empresas de segurança.
É visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.
Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.
Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:
“A Prefeitura não pode
legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão
própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a
Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em
atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o
Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que
residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional
(art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou
Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato
do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação
da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é
nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo
local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário”
(Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708,
712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.
Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:
“Ao executivo haverá de
caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades
municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe
propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara
Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual
se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do
Prefeito” (ADI n. 53.583-0, Rel. Des.
Fonseca Tavares).
E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).
Diante do
exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta,
declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 6.782, de 12.03.07, do
Município de Jundiaí, por afronta aos artigos 5º,
“caput” e § 2º, 37, 47, II e XIV e 144 da Constituição Estadual.
São Paulo, 10 de março de
2.009 .
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos -
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