Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 173.372-0/5

Requerente: Sindicato das Empresas e Proprietários de Serviços de Reboque, Resgate, Guincho e Remoção de Veículos no Estado de São Paulo - SEGRESP

Objeto: Lei nº 2.138, de 29 de agosto de 2005, do Município de Francisco Morato

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida por Sindicato, da Lei nº 2.138, de 29 de agosto de 2005, do Município de Francisco Morato, que “dispõe sobre ‘exploração’ na forma que especifica, dos serviços de remoção e do recolhimento de veículos ao depósito, para dar cumprimento às determinações, penalidades ou medidas administrativas emanadas das autoridades competentes”. Alegação de que a lei dispõe sobre matéria de competência da União e do Estado-membro, violando, em consequência, o princípio federativo. Ofensa ao art. 144 da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Sindicato das Empresas e Proprietários de Serviços de Reboque, Guincho e Remoção de Veículos no Estado de São Paulo - SEGRESP, tendo por objeto a Lei nº 2.138, de 29 de agosto de 2005, do Município de Francisco Morato, que “dispõe sobre ‘exploração’ na forma que especifica, dos serviços de remoção e do recolhimento de veículos ao depósito, para dar cumprimento às determinações, penalidades ou medidas administrativas emanadas das autoridades competentes”.

Sustenta o autor que a lei dispõe sobre matéria de competência da União e do Estado-membro, violando, destarte, o princípio federativo e, em consequência, o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 103).

O Prefeito e o Presidente da Câmara Municipal, embora regularmente notificados, não prestaram informações sobre a lei impugnada (fls. 116).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 125/127).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei questionada trata do serviço de remoção e de recolhimento de veículos ao depósito, bem como sua guarda e conservação, para dar efetividade às penalidades e medidas administrativas previstas no Código de Trânsito Brasileiro.

Estabelece que esse serviço poderá ser prestado diretamente pelo Poder Público ou por pessoa jurídica, nesse caso prevendo requisitos para a contratação, que deve ser precedida de licitação pública (art. 1º, inc. I e II).

Estipula em 20 anos o prazo de concessão para a exploração do serviço (art. 2º) e destina 5% do valor auferido ao Fundo Social de Solidariedade do Município (art. 2º, parágrafo único).

Reserva ao Decreto a regulamentação das normas do serviço e a fixação dos preços do guinchamento e estadia dos veículos no pátio de recolhimento (art. 3º).

Dispõe, por fim, sobre os documentos necessários para a restituição dos veículos apreendidos e forma de pagamento das taxas devidas (art. 4º).

Como se vê, o conteúdo do ato normativo viola o artigo 144 da Constituição de São Paulo, que remete ao artigo 30 da Constituição Federal. Segundo este, os Municípios só poderão legislar sobre assuntos de interesse local (inciso I).

Não é o que se vê na lei em análise, que avançou em matéria estranha à sua competência. As novas disposições criadas são de interesse geral, dos cidadãos de qualquer região do País, porquanto a todos interessa a regulamentação de trânsito. Tanto é assim que a Constituição Federal, no artigo 22, XI, restringe à União a competência para legislar sobre “trânsito e transporte”.

Por outro lado, as regras relativas à retenção de veículos já estavam previstas no Código de Trânsito Brasileiro (artigos 270 e 271). Este dispositivo – o artigo 271 do CTB – determina que o veículo será removido, nos casos previstos no Código, para o depósito fixado pelo órgão ou entidade competente, com circunscrição sobre a via. Em outras palavras: a circunscrição sobre a via não pode ser confundida com a extensão do Município.

Vê-se, assim, que a Lei Municipal questionada não suplementa a legislação federal, mas a altera.

Ocorre o mesmo em relação à legislação estadual.

É que a Lei Estadual nº 7.645/91 já dispõe sobre a taxa de fiscalização e serviços diversos, nestes incluído o rebocamento de veículo (tabela “c”, anexa à Lei mencionada).

Para Pinto Ferreira, a expressão “interesse local” se refere a “matérias específicas dos Municípios” (Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo, Saraiva, 1990,. p. 2/277).

Comenta Manoel Gonçalves Ferreira Filho que “o texto [constitucional] refere-se a 'interesse local' e não mais a 'peculiar interesse'. Forçoso é concluir, pois, que a Constituição restringiu a autonomia municipal e retirou de sua competência as questões que, embora de seu interesse também, são do interesse de outros entes” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, São Paulo, Saraiva, 1990, p. 1/218).

Especificamente sobre legislação em matéria de trânsito, observa Hely Lopes Meirelles:

“De um modo geral, pode-se dizer que cabe à União legislar sobre os assuntos nacionais de trânsito e transporte, ao Estado-membro compete regular e prover os aspectos regionais e a circulação intermunicipal em seu território, e ao Município cabe a ordenação do trânsito urbano, que é de seu interesse local (CF, art. 30, I e V). (...) Na competência do Município insere-se, portanto, a fixação de mão e contramão nas vias urbanas, limites de velocidade e veículos admitidos em determinadas áreas e horários, locais de estacionamento, estações rodoviárias, e tudo o mais que afetar a vida da cidade” (Direito municipal brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2000, pp. 417 e 419).

Diógenes Gasparini, a seu turno, acrescenta:

“No que respeita à competência legislativa do Município, em matéria de trânsito, podemos afirmar, seguramente, não se tratar de matéria de interesse local, haja vista ter sido reservada expressamente e de forma privativa, à União, consoante dispõe o art. 22, inc. XI, da Constituição da República. (...) Com efeito, nas responsabilidades legislativas privativas da União, só se admite, excepcionalmente, a atuação dos Estados e Municípios, mediante lei complementar e, mesmo assim, sobre questões específicas, conforme faculta o parágrafo único, do art. 22, do Estatuto Supremo” (Revista de Direito Administrativo, nº 212, abril/junho, 1998, pp. 175-194).

Em suma: como a lei municipal não é de interesse específico ou exclusivo dos moradores de Francisco Morato, não detém o Município – por meio de qualquer de seus Poderes – competência para cuidar da matéria.

Ao expendido se acrescenta que o tema em debate já foi objeto de, pelo menos, três ADINs (177.725-0/6; 160.164-0/6 e 130.227-0/0). Numa delas, tendo sido julgado o mérito pelo C. Órgão Especial, decidiu-se em favor da tese do Sindicato-autor, nos seguintes termos:

ADIN – Instituição de serviço de depósito de veículos apreendidos – Matéria competencial exclusiva da União, prevista no Código de Trânsito Brasileiro (art. 271), afrontada a Carta Bandeirante (art. 144) – Procedência (ADIN nº 160.164-0/6, j. 6/8/2008, rel. Des. MUNHOZ SOARES)

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.138, de 29 de agosto de 2005, do Município de Francisco Morato, que “dispõe sobre ‘exploração’ na forma que especifica, dos serviços de remoção e do recolhimento de veículos ao depósito, para dar cumprimento às determinações, penalidades ou medidas administrativas emanadas das autoridades competentes.

São Paulo, 13 de outubro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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