Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 174.069-0/0-00

Requerente: Prefeito Municipal de Guarulhos

Objeto: Lei nº 6.440, de 13 de novembro de 2008, do Município de Guarulhos

 

 

Ementa: “1. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal, de iniciativa parlamentar, que institui a passagem social nas linhas municipais, com desconto de 50% da tarifa nos dias e horários especificados.

2. É inadmissível o controle abstrato de constitucionalidade de lei municipal por contraste a dispositivos da Constituição Federal, da Lei Orgânica Municipal e de leis infraconstitucionais, pois, como é sabido, o único parâmetro cabível é a Constituição Estadual.

3. Inconstitucionalidade reconhecida em face da Constituição Estadual por violação ao princípio da separação de poderes que reserva a iniciativa legislativa da matéria ao Chefe do Poder Executivo e proíbe a edição de atos normativos desprovidos da indicação da fonte de custeio”.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Guarulhos, tendo por objeto a Lei Municipal n.º  6.440, de 13 de novembro de 2008, que institui a passagem social nas linhas municipais, com desconto de 50% da tarifa nos dias e horários especificados.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 51).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 65/69, em defesa da lei impugnada. Afirmou que “a iniciativa de lei cabe a qualquer Vereador, às Comissões da Câmara, ao Prefeito e aos Cidadãos”.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 105/107).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

É inadmissível o controle abstrato de constitucionalidade de lei municipal por contraste a dispositivos da Constituição Federal, da Lei Orgânica Municipal e de leis infraconstitucionais, pois, como é sabido, o único parâmetro cabível é a Constituição Estadual. Neste sentido:

“as ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum, independente de sua hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias, leis complementares e mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do município, não pode ser invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).

 

Portanto, o pedido merece ser examinado somente por contraste da lei local impugnada com os arts. 5º, 25, 47, XI, XVIII, 111, 117, 144, 176, I, da Constituição Estadual.

O ato normativo impugnado nesta ação direta cria obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal, ao assegurar desconto de 50% no transporte coletivo urbano nos dias e horários especificados.

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

         Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts.5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

         Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).

 

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

         Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

         Por último, oportuno observar que a implantação da tarifa reduzida no transporte coletivo, nos termos previstos no dispositivo impugnado, certamente traria despesas para o erário.

         Em casos similares esse egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6.440/08, do Município de Guarulhos.

São Paulo, 5 de maio de 2009.

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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