Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 174.203-0/2-00

Requerente: Prefeito do Município de Jandira

Objeto: Art. 5º e 6º , da Lei Complementar Municipal n. 12, de 04 de junho de 2008, do Município de Jandira

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito em face dos arts. 5º e 6º,  da Lei Complementar nº 12, de 04 de junho de 2008, do Município de Jandira, que, alterando outro ato normativo através de emenda,  acrescentou modificação de referência de cargos de provimento efetivo e concedeu gratificação aos profissionais de nível superior. Violação da reserva de iniciativa quanto ao regime jurídico dos servidores (art. 24, §2º, n. 4, da Constituição Estadual) e da regra da separação de poderes (art. 5º da Constituição Estadual). Parecer pela procedência.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Jandira, tendo por objeto os arts. 5º e 6º , da Lei Complementar Municipal n. 12, de 04 de junho de 2008, do mesmo município,    que “altera disposições da Lei n. 1.373 e 1.374, de 27 de

                                                                                                     dezembro de 2002 e da Lei n. 1.464 de 21 de dezembro de 2004 e dá outras providências”.

Diz o autor que o chefe do Executivo encaminhou à Câmara Municipal o projeto de lei nº 04/2008 (fls. 37 e ss.).

Referido projeto recebeu emenda modificativa a qual originou os arts. 5º e 6º, ora impugnados.

O Prefeito sancionou referido projeto, dando ensejo à Lei Complementar nº 12, de 04 de junho de 2008 .

Argumenta que, os dispositivos legais referidos padecem de inconstitucionalidade tanto formal, devido a violação do art. 165 da Constituição Federal e 144 e 174 da Constituição Estadual, como material, por desrespeito ao art. 169,§1º da Constituição Federal e 144 da Constituição Estadual.

Os arts. 5º e 6º, da Lei Complementar n. 12/2008  tiveram a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 149).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações afastando qualquer inconstitucionalidade dos citados artigos, argumentando que no momento em que seria discutido e votado o veto do Chefe do Executivo, seu líder, que o representa, retirou o veto, o que importa em sanção por parte do Prefeito Municipal, (fls. 161 e ss.).

 

 

 

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 253/255).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Os arts. 5º e 6º da Lei Complementar n. 12/2008 nasceram no Poder Legislativo, quando é certo que não compete aos Vereadores projetar direito novo no que diz respeito à modificação de referência de cargos de provimento efetivo , bem como à concessão de benefícios para servidores públicos.

É norma inconstitucional, portanto, à luz dos artigos 5º; 24, § 2º, 4; 37 e 47, incisos II e XIV, todos da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da referida Carta.

Dizem a doutrina e a jurisprudência que cabe ao Poder Executivo primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Decorre da sistemática da separação de Poderes que há certas matérias cuja iniciativa legislativa é reservada ao Poder Executivo.

A propósito, a Constituição do Estado prescreve iniciativa privativa do Chefe do Executivo para leis que versem, em síntese, sobre: cargos, funções  e   empregos públicos na administração direta e indireta e sua

                                                                                      remuneração; criação e extinção de órgãos na administração pública; regime jurídico dos servidores públicos (cf. art. 24, § 2º, n. 1 a 6, da Constituição Estadual). Reitera a Carta Paulista, em linhas gerais, as limitações contidas no art. 61, §1º, inciso II, da Constituição Federal.

De outro lado, a Constituição do Estado de São Paulo também determina caber ao Executivo exercer a direção superior da Administração Estadual, bem como a prática de atos de administração (art. 47, incisos II e XIV).

Deste modo, no caso em exame, há tanto violação da reserva de iniciativa, como do princípio da separação de poderes.

O legislador municipal, na hipótese analisada, dispôs sobre modificação de referência de cargos de provimento efetivo e benefícios de servidores públicos municipais, isto é, a respeito de um dos aspectos que envolvem seu regime jurídico. Cuida-se, no entanto, de matéria de iniciativa reservada ao Chefe do Executivo, nos moldes do art. 24, § 2º, 4 da Constituição Paulista (que reproduz o art. 61, §1º, II c da Constituição Federal).

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é

                                                                                                   que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes.

Essa é a orientação desse E. Tribunal de Justiça nos casos análogos:

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Municipal que autoriza o Executivo a fornecer aos servidores públicos municipais, ativos, inativos, pensionistas, complementados e complementadas pensionistas, uma cesta básica de alimentação - Matéria de iniciativa parlamentar que se refere a administração pública, cuja gestão e de competência do Prefeito - As regras da Constituição Federal sobre iniciativa reservada são

 

de observância compulsória pelo Estado e pelos Municípios - Na espécie, prerrogativas exclusivas do Prefeito Municipal foram atingidas pela lei atacada, que interferiu na competência legislativa reservada ao Chefe do Executivo local, ao invadir a seara de organização, direção e contratação dos serviços e fornecimentos - Violação dos arts. 5º, "caput" e 24, §2°, 1 e 4 da CE/89. Ação julgada procedente (ADIN 157.098-0/7, j. 27/6/2008, rel. Henrique Nelson Calandra).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Expressão constante do Art. Iº   da Lei Municipal n. 3.526/2005, de Lençóis Paulista - Acréscimo, por emenda parlamentar, que restringe a concessão de cestas básicas aos servidores públicos municipais a determinado teto salarial - Inadmissibilidade - Matéria cuja iniciativa legislativa e privativa do chefe do Poder Executivo - Art. 24, § 2o, 1 e 4, da Constituição Estadual - Auto-organização dos municípios está subordinada aos ditames das Constituições federal e estadual - Configurada a afronta ao princípio da separação de poderes - Emenda a projeto de lei possui caráter acessório, descabendo seu uso indiscriminado - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade da expressão acrescentada por emenda parlamentar (ADIN 130.674-0/9, j. 21/9/2007, rel. Maurício Ferreira Leite).

  

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade dos arts. 5º e 6º , da Lei Complementar n.12, de 04 de junho de 2008, do Município de Jandira.

São Paulo, 13 de agosto de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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