Parecer
Autos nº. 174.334.0/0 -00
Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto
Objeto: Lei nº 10.295, de 29 de dezembro de 2008, do Município de São José do Rio Preto
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, da Lei nº 10.295/08, que “altera o art. 1º e retifica termos da Lei n. 8.404/01, que dispõe sobre o parcelamento de créditos municipais”. Projeto de Vereador. Vício de iniciativa, que macula o processo legislativo, vez que cabe exclusivamente ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que regulam a gestão administrativa ou criam despesas para a Administração, ainda que de forma indireta. Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade, por infração aos artigos 5º; 25; 47, II; e 144 da Constituição do Estado.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei nº 10.295, de 29 de dezembro de 2008, do Município de São José do
Rio Preto, que “altera o art. 1º e retifica termos da Lei n. 8.404/01, que dispõe sobre o parcelamento de créditos municipais”.
Sustenta o autor que a lei regulamenta matéria que interfere no orçamento municipal e que, por isso, não poderia, como foi, ter nascido no Poder Legislativo. Aduz que a norma cria despesa para o Município sem a indicação dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos. Aponta como violados os arts. 5º e 25 da Constituição do Estado.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 34/37).
O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 45/47).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 60/62).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A lei impugnada tem o seguinte teor:
LEI Nº 10.295, de 29 de dezembro de 2008
Altera o art. 1º e retifica termos da Lei n. 8404/01, que dispõe sobre o parcelamento de créditos municipais.
Art. 1º - O artigo 1º da Lei n. 8.404, de 20 de julho de 2001, passa a vigorar com nova redação e acrescido dos parágrafos 1º, 2º , 3º e 4º , como segue:
“Art. 1º - Fica o Poder executivo autorizado a parcelar e a reparcelar os créditos municipais, de acordo com os termos desta lei.
§1º - Considera-se parcelamento, para efeitos desta lei, a autorização conferida nos termos do artigo 3º para o primeiro pedido de parcelamento de débitos ajuizados ou não.
§2º - Consider-ase reparcelamento todo aquele pedido feito após eventual descumprimento de parcelamento anterior.
§3º - A concessão de parcelamento será deferida em até 60 (sessenta meses).
§4º - O reparcelamento, limitado a dois reparcelamentos por débito, será deferido em até 24 (vinte e quatro) meses.
Art. 2º - Em todos os artigos e parágrafos da Lei n. 8.404, de 20 de julho de 2001, onde se lê “parcelamento”, leia-se “parcelamento e reparcelamento’.
Art.3º - No art. 18, da Lei n. 8.404, de 20 de julho de 2001, onde se lê : “de parcelamento”, leia-se “de parcelamento ou de reparcelamento anterior”.
Art. 4º - Esta Lei entra em vigor na data e sua publicação”.
Em que pesem os elevados propósitos que inspiraram o nobre Vereador Adney Secches, autor do projeto da lei em análise (fls. 48), reputamos procedentes os argumentos da inicial.
Com efeito, a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento (STARCK, Christian, El Concepto de ley en la constitucion alemana. Madrid: CEC, 1979, p. 73), participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais e diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.
Dentre as funções de governo do Prefeito estão as funções executivas que, no sentido estrito da expressão, compreendem o planejamento, a organização, a direção, o comando, a coordenação e o controle dos serviços públicos (SILVA, José Afonso. O Prefeito e o Município, 1977, p. 134/143).
Vê-se que a Lei em questão, de iniciativa de vereador, regulamenta matéria que interfere no orçamento municipal, oferecendo parcelamento e reparcelamento de créditos municipais.
Esses comandos configuram nítida invasão do Poder Legislativo na forma de gestão da administração pública.
Essa anomalia representa ofensa ao princípio da separação de poderes a ensejar o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma impugnada, pois, na dicção desse Sodalício:
Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito (ADIN nº. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).
De outro giro, a lei traz, inequivocamente, aumento de despesa.
O parcelamento e reparcelamento instituídos protraem a entrada de recursos aos cofres da Administração, com potencial perda de receita decorrente da inadimplência e inflação.
Disso decorre que as regras instituídas acarretam despesa pública – ainda que de forma indireta – sem a correspondente previsão dos recursos destinados aos novos encargos, daí porque somente poderiam ter nascido no Poder Executivo, que é o responsável pela execução do orçamento.
Sob esse aspecto, a norma também se mostra incompatível com a Constituição do Estado:
LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.
VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.
LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS
IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS
DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25).
COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176,
INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E
ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (ADIN 142.519-0/5-00, rel.
Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).
Nesse panorama, tem-se por violados os artigos 5º; 25; 47, II; e 144 da Carta Bandeirante.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 10.295, de 29 de dezembro de 2008, do Município de São José do Rio Preto.
São Paulo, 02 de julho de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos –
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