Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº 174.336-0/9-00

Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Objeto: Lei Municipal nº 10.294, de 29 de dezembro de 2008, de São José do Rio Preto

 

Ementa:

1)Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 10.294, de 29 de dezembro de 2008, de São José do Rio Preto. Disposição sobre a prorrogação de prazos para substituição de veículos cadastrados para o transporte de escolares no Município. Iniciativa parlamentar.

2)Quebra da separação de poderes. Aumento de despesas sem indicação da fonte de receitas. Violação dos arts. 5º, 25, 47, II, e 144 da Constituição do Estado.

3)Inconstitucionalidade reconhecida.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo como alvo a Lei Municipal nº 10.294, de 29 de dezembro de 2008, fruto de iniciativa parlamentar, e que, conforme respectiva rubrica, “Dispõe sobre a prorrogação dos prazos constantes no parágrafo 1º do artigo 2º da Lei nº 9563, de 02 de dezembro de 2005, referente à substituição de veículos cadastrados para o transporte de escolares no Município”.

Sustenta o requerente que o diploma contraria o art. 5º, o art. 25, e o art. 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

Foi concedida a liminar, determinando-se a suspensão da eficácia do ato normativo impugnado (fls. 26).

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls. 33/35).

Citado (fls. 95), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo (fls. 97/99).

É o relato do essencial.

A ação direta deve ser julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade da lei impugnada.

A Lei Municipal nº 10.294, de 29 de dezembro de 2008, fruto de iniciativa parlamentar, e que, conforme respectiva rubrica, “Dispõe sobre a prorrogação dos prazos constantes no parágrafo 1º do artigo 2º da Lei nº 9563, de 02 de dezembro de 2005, referente à substituição de veículos cadastrados para o transporte de escolares no Município”, tem a seguinte redação:

“Art. 1º - O parágrafo 1º do artigo 2º da Lei Municipal nº 9.563, de 02 de dezembro de 2005, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 2º .......

§ 1º - Os veículos já cadastrados na atividade de transporte de escolares neste Município, com mais de 15 (quinze) anos de fabricação, deverão ser substituídos no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, a contar da data da publicação desta Lei. Os veículos já cadastrados que tenham completado 14 (quatorze) e 13 (treze) anos de fabricação em janeiro de 2009, poderão ser substituídos em até 2 (dois) anos e em até 3 (três) anos, respectivamente, após completarem o tempo previsto na alínea “c”, inciso II, do artigo 2º desta Lei.” (NR)

Art.2º - A alínea “c” do inciso II do artigo 2º da Lei Municipal nº 9.563, de 02 de dezembro de 2005, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art.2º.....

II....

c) – não exceder a 15 (quinze) anos de sua fabricação, exceto as condições previstas no parágrafo 1º do artigo 2º desta Lei.” (NR)

A Lei Municipal nº 9.563, de 02 de dezembro de 2005, que foi alterada pela lei impugnada nesta ação direta, conforme respectiva rubrica instituiu “o Transporte Coletivo de Escolares no Município de São José do Rio Preto”.

Assim o ato normativo impugnado, fruto de iniciativa de parlamentar, tratou de modificar prazos relativos à substituição da frota de veículos utilizados no transporte de escolares no Município de São José do Rio Preto.

É necessário ponderar que os transportes coletivos configuram serviço público, ainda que prestado por meio de concessão ou permissão, anotando com propriedade Hely Lopes Meirelles que se configura, nessa hipótese, “serviço público de interesse local, com caráter essencial” (Direito Municipal Brasileiro, 6ª Ed., São Paulo, Malheiros, 1993, p. 320) como, aliás, prevê expressamente o art. 30, V da CR/88.

A natureza pública e essencial dos serviços de transporte coletivo, cuja prestação tem sido reconhecida como inserida na competência do Município, ademais, tem sido reiteradamente afirmada pelo C. STF (ADI 845, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 22-11-07, DJE de 7-3-08; AC 669, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 6-10-05, DJ de 26-5-06; ADI 2.349, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 31-8-05, DJ de 14-10-05; RE 549.549-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 25-11-08, DJE de 19-12-08).

Tratando-se, portanto, de serviço público, sua gestão cabe ao Chefe do Executivo Municipal.

Partindo dessa premissa, não há como negar que Lei Municipal nº 10.294, de 29 de dezembro de 2008, tendo partido de iniciativa parlamentar, interfere diretamente no exercício do poder de administração, que envolve as atividades de planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo, atinentes aos serviços públicos envolvidos.

Em função disso é inegável que houve desrespeito ao princípio da separação de poderes, nos termos do art. 5º, e art. 47, II, ambos da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Em outras palavras, o que a lei em exame concretamente fez foi, a pretexto de legislar, exercer parcela do poder inerente à Administração Pública.

Nesse contexto, também fica patenteada a criação de novas despesas sem a indicação da respectiva fonte de receita (art.25 da Constituição do Estado).

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos em que o Poder Legislativo edita um ano normativo que configura, na prática, ato de gestão executiva. Quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ª ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Exatamente esta é a hipótese dos autos.

Em situações análogas esse C. Órgão Especial tem reconhecido a inconstitucionalidade do ato normativo por quebra do princípio de separação de poderes.

É o que se infere dos julgados a seguir transcritos, mutatis mutandis aplicáveis ao caso em exame:

Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADI n. 53.583-0, rel. Des. Fonseca Tavares). g.n.

“Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 2º da Lei Municipal 10975/2006, de Ribeirão Preto. Legislação, de iniciativa parlamentar, que determina a obrigatoriedade da inscrição ‘Patriota brasileira assassinada pela ditadura militar’ em placa indicativa de logradouro ou próprio municipal. Impossibilidade. Matéria de cunho eminentemente administrativo atinente a planejamento e ordenamento urbano. Função legislativa da Câmara de Vereadores possui caráter genérico e abstrato. Lei dispôs de maneira concreta, com caráter de obrigatoriedade, afrontando o princípio da separação dos poderes. Procedência” (ADI 147.772.0/5-00, rel. des. Maurício Ferreira Leite, j. 03.10.2007). g.n.

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Municipal n° 6.641, de 31 de julho de 2006, que dispõe sobre a obrigatoriedade de fixação de quadro informativo com nome, registro e especialidade de profissional médico de plantão nos pronto-socorros e unidades básicas de saúde - Ato típico de administração, cujo exercício e controle cabe ao Chefe do Poder Executivo - Ofensa ao princípio da separação dos poderes - Criação de despesas não previstas no orçamento - Afronta aos artigos 5º, 25 e 144, ambos da Constituição Estadual - Ação procedente.”(ADI 149.363-0/3-00, rel. des. Debatin Cardoso, j. 03.10.2007). g.n.

“Ação direta de inconstitucionalidade de lei. Lei 6955, de 21 de novembro de 2007, de iniciativa parlamentar, que dispôs sobre pintura identificadora nos suportes de radares de fiscalização. Veto do prefeito rejeitado e promulgação pelo presidente da Câmara Municipal. Ato típico de organização do Município. Competência exclusiva do prefeito. Ofensa ao princípio da separação dos poderes. Violação dos arts. 5º, 47, II e 144 da Constituição Estadual. Procedência da ação.”( ADI 162.356-0/7-00, rel. dês. Canguçu de Almeida, j. 16.07.2008). g.n.

Acrescente-se que em casos como o presente esse Colendo Órgão Especial tem reconhecido a inconstitucionalidade da norma com fundamento no art. 25 da Constituição do Estado. Confiram-se, a título de exemplificação, os julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u..

Por todas essas razões, a solução mais adequada à hipótese, em nosso sentir, é o acolhimento da ação direta.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.294, de 29 de dezembro de 2008, de São José do Rio Preto.

São Paulo, 11 de agosto de 2009.

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

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