Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 174.340-0/9

Requerente: Prefeito Municipal de Lorena

Objeto: art.17 das disposições gerais e transitórias da Lei Orgânica do Município de Lorena; art.1º, da Lei n. 41, de 10 de abril de 1990; e art.270, da Lei n. 59, de 14 de julho de 2008 (Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Lorena)

 

Ementa: 1)Ação direta de inconstitucionalidade. art.17 das disposições gerais e transitórias da Lei Orgânica do Município de Lorena; art.1º, da Lei n. 41, de 10 de abril de 1990; e art.270, da Lei n. 59, de 14 de julho de 2008 (Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Lorena).  Previsão de pagamento de indenização, no ato de exoneração de servidores comissionados.

2)Violação da matriz constitucional dos cargos em comissão (art. 115, I, II e V, c.c. o art. 144, todos da CE). Norma que restringe, indevidamente, a possibilidade de exoneração ad nutum, inerente aos cargos ou funções cujo provimento se dá em razão de estrita confiança.

3)Violação do princípio da isonomia (art. 5º caput, e art. 39 § 3º da CR/88, c.c. o art. 144 da CE). Desrespeito à disparidade constitucionalmente estabelecida entre o regime dos servidores estatutários (titulares de cargos públicos) e o regime de servidores celetistas (titulares de empregos públicos). Criação de benefício assimilado à indenização compensatória contra a despedida indevida (art. 7º, I da CR/88), ou ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (art. 7º, III da CR/88).

4)Violação do princípio do interesse público e das exigências do serviço (art. 128 da CE).

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Lorena, tendo por objeto os seguintes dispositivos legais: art.17 das disposições gerais e transitórias da Lei Orgânica do Município de Lorena; art.1º, da Lei n. 41, de 10 de abril de 1990; e art.270, da Lei n. 59, de 14 de julho de 2008 (Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Lorena).

Sustenta o autor que as normas legais acima especificadas “contrariam frontalmente o disposto no art.5º: artigo 111; inciso II, do art.115 da Constituição do Estado de São Paulo, padecendo, conseqüentemente, de vício insanável de inconstitucionalidade, porque não é possível solucioná-lo sem seu expurgo do universo jurídico.   Trata-se de inconstitucionalidade formal e material, de fundo, porque as normas das leis municipais, limitando a exoneração dos ocupantes de cargos em comissão, ofendem a normativa constitucional”.

Os dispositivos legais tiveram a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 334).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 355 e segs., em defesa das leis impugnadas. Afirmou que “os dispositivos apontados pelo autor, no qual se estriba como fonte basilar para seu pleito não lhe serve como escudo, posto que o artigo 17 das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Município atribui à possibilidade da criação de lei instituindo o benefício ali apontado e que próprio Chefe do Executivo externando sua vontade o fez através do artigo 270 da Lei 59/2008”.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Preliminarmente, requer-se a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado, a fim de defender o ato normativo impugnado, nos termos do art.90 §2º da Constituição Estadual.

No mérito, procede a ação.

Ao prever o pagamento de espécie de indenização, a título de vantagem pessoal, em razão da exoneração do servidor ocupante de cargo em comissão, o legislador municipal acabou criando instituto que apresenta incompatibilidade vertical com o disposto no art. 115, I, II e V da Constituição Paulista, que traçam a moldura constitucional dos cargos de provimento em comissão, dispositivos esses aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta Estadual, e que reproduzem, em essência, o disposto no art. 37, II e V da CR/88.

Eis a redação dos dispositivos da Constituição Paulista desrespeitados no caso em exame:

“Art. 115 – Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

 (...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organização por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

Como se sabe, a regra estabelecida em nossa sistemática constitucional é de que o ingresso no serviço público deve se dar através de concurso, o que não se verifica apenas excepcionalmente, nas hipóteses taxativamente indicadas pela própria Constituição, entre elas o caso da nomeação para cargos ou funções comissionadas, que são de livre nomeação e exoneração.

A criação, por lei, de cargos ou funções de provimento em comissão, apenas se mostra legítima se preenchidos os pressupostos constitucionais, sob pena de inversão da lógica, e nulificação prática da exigência do concurso público.

Essa é a razão pela qual cargos em comissão ou funções comissionadas só devem existir para atividades de direção, chefia ou assessoramento desenvolvidas no escalão superior da Administração Pública.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do C. STF, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, muito além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessário a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3ªed., São Paulo, Saraiva, 1993, p.208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2ª ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p.41, g.n.).

É a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelece o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5ªed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. STF, como se infere no precedente cuja ementa é a seguir transcrita:

“E M E N T A: Concurso público: plausibilidade da alegação de ofensa da exigência constitucional por lei que define cargos de Oficial de Justiça como de provimento em comissão e permite a substituição do titular mediante livre designação de servidor ou credenciamento de particulares: suspensão cautelar deferida. 1. A exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza; precedentes. 2. Também não é de admitir-se que, a título de preenchimento provisório de vaga ou substituição do titular do cargo - que deve ser de provimento efetivo, mediante concurso público -, se proceda, por tempo indeterminado, a livre designação de servidores ou ao credenciamento de estranhos ao serviço público. (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT  VOL-01765-01 PP-00169, g.n.)”.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de cargos em comissão pelo legislador.

A Constituição objetiva, com a permissão para criação de tais cargos, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p.95/96).

Ora a partir dessa lógica, é legítimo afirmar que, nos casos em que é lícita a instituição de cargos em comissão, assim como a nomeação pode ocorrer livremente – pois o fundamento essencial para a indicação do nomeado é justamente a relação de especial confiança existente e indispensável para o serviço prestado pelo comissionado -, no momento em que se esvazia ou deixa de existir a relação de confiança, não mais se justifica a permanência do servidor na atividade pública.

Daí a afirmação de que os servidores que ocupam cargos ou função de provimento em comissão são demissíveis ad nutum, dispensada qualquer justificativa ou motivação no ato de exoneração.

A instabilidade, aí, é inerente à própria relação existente entre o servidor e a Administração Pública, e apresenta absoluta incompatibilidade com a natureza dessa relação, a instituição de vantagem pecuniária ao comissionado, para o caso de sua exoneração.

Em outras palavras o Poder Público, nos casos de cargos ou funções de provimento em comissão, tem absoluta liberdade tanto para nomear o comissionado, como para exonerá-lo. Estabelecer direito à percepção de vantagem pecuniária que, na prática, é espécie de indenização em função da exoneração, significa restringir o poder de exoneração.

E isso é incompatível com o perfil constitucional dos cargos em comissão.

Essa questão foi examinada, e a conclusão precisamente afirmada pelo C. STF, quando do julgamento da ADI nº 182/RS (Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 5-11-97, DJ de 5-12-97). Pela clareza dos argumentos, pedimos vênia para transcrever a ementa do v. acórdão:

“EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS. CARGOS EM COMISSÃO. VANTAGEM. REGIME JURÍDICO. CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. PODER DE INICIATIVA DE LEI. LIVRE EXONERAÇÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS PARÁGRAFOS 3º, 4º E 5º DO ART. 32 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ARTIGOS 25, 37, II, 61, § 1º, "C", DA C.F. DE 1988 E ART. 11 DO ADCT. 1. Estabelece o art. 32 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, de 1989: "Art. 32 - Os cargos em comissão, criados por lei em número e com remuneração certos e com atribuições definidas de chefia, assistência ou assessoramento, são de livre nomeação e exoneração, observados os requisitos gerais de provimento em cargos estaduais. ... § 3º - Aos ocupantes de cargos de que trata este artigo será assegurado, quando exonerados, o direito a um vencimento integral por ano continuado na função, desde que não titulem outro cargo ou função pública. § 4º - Não terão direito às vantagens do parágrafo anterior os Secretários de Estado, Presidentes, Diretores e Superintendentes da administração direta, autárquica e de fundações públicas. § 5º - O servidor público que se beneficiar das vantagens do § 3º deste artigo e, num prazo inferior a dois anos, for reconduzido a cargo de provimento em comissão não terá direito ao benefício". 2. Ao tempo da Constituição anterior (1967/1969), já era pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de não poder a Constituição Estadual estabelecer normas sobre matéria reservada à iniciativa do Poder Executivo, por implicarem burla ao respectivo exercício. E tal entendimento não se alterou sob a vigência da atual Constituição, de 05.10.1988 (ADIMC nº 568 - RTJ 138/64). 3. Fica, assim, evidenciada a inconstitucionalidade das normas impugnadas (§§ 3º, 4º e 5º do art. 32 da C.E. do Rio Grande do Sul), por caracterizarem obstáculo à privativa competência do Poder Executivo para iniciativa de lei sobre regime jurídico de servidores públicos (artigos 25 e 61, § 1º, "c", da parte permanente da C.F. de 1988, e art. 11 do ADCT). 4. Além dessa inconstitucionalidade formal, ocorre, também, no caso, a material, pois, impondo uma indenização em favor do exonerado, a norma estadual condiciona, ou ao menos restringe, a liberdade de exoneração, a que se refere o inc. II do art. 37 da C.F. (Precedente: ADI 326 - DJ 19.09.97, Ementário nº 1883-1). 5. Adotados os fundamentos deduzidos nos precedentes, o Plenário do S.T.F. julga procedente a ação, declarando, com eficácia "ex tunc", a inconstitucionalidade dos parágrafos 3º, 4º e 5º do art. 32 da C.E. do Rio Grande do Sul. 6. Decisão unânime.”

Não bastasse isso, a disposição legal que assegura aos ocupantes de cargos ou funções de provimento em comissão a percepção da vantagem financeira já especificada (indenização proporcional ao tempo de serviço no caso de exoneração) significa violação ao princípio da isonomia, consistente em tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais.

Tal preceito é estabelecido em inúmeros dispositivos da Constituição da República, entre eles o art. 5º caput, e se aplica aos Estados e Municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista, já transcrito anteriormente.

Como anota Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. E, por fim, consoante averbado insistentemente, cumpre ademais que a diferença do regime legal esteja correlacionada com a diferença que se tomou em conta” (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ªed., 12ª tir., São Paulo, Malheiros, 2004, p.35). No mesmo sentido, confira-se: José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 13ªed., São Paulo, Malheiros, 1997, p.215.

A diferenciação feita pelo legislador é possível, quando, objetivamente, constatar-se um fator de discrímen que dê razoabilidade à diferenciação de tratamento contida na lei, pois, a igualdade pressupõe um juízo de valor, e um critério justo de valoração, proibindo o arbítrio, que apenas ocorrerá “quando a disciplina legal não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável” (J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 3ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 1998, p. 400/401).

Pois bem.

Não se pode equiparar integralmente a situação de servidores públicos cuja relação com a Administração Pública é estatutária, com aqueles cuja relação com o Poder Público é empregatícia, com aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho.

Ou seja, nem todos os direitos assegurados aos titulares de emprego público (vínculo celetista) poderão ser aplicados aos titulares de cargos públicos (vínculo estatutário), mormente tratando-se de comissionados.

Isso decorre de uma simples razão: alguns dos direitos fundamentais assegurados aos trabalhadores regidos pela CLT (privados ou públicos) já são confortados por outras características ou direitos decorrentes da relação funcional existente dos titulares de cargo e a Administração Pública, dado seu caráter estatutário.

Exemplo mais significativo disso, é a inexistência do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço para os titulares de cargos públicos.

Dada a situação que tal benefício (FGTS) busca preservar, observada a possibilidade sempre iminente de perda do emprego, não encontra espaço tal garantia no regime estatutário do servidor público titular de cargo. Para assegurar a posição pessoal deste último (além da qualidade do próprio serviço público prestado), existe a garantia da estabilidade (art. 41 da CR/88).

Não é por outra razão, contrario sensu, que a própria sistemática constitucional assegura a estabilidade, preenchidas certas condições, apenas aos titulares de cargos públicos, excluindo dela os titulares de empregos públicos.

Como observa em sede doutrinária, a propósito, a Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, “a estabilidade como propriedade jurídica somente pode ser conferida, pois, a uma parcela de servidores públicos, dela se excluindo o empregado público, sujeito a regime jurídico que estranha a regra do art. 41 da Constituição da República (...)” (Princípios constitucionais dos servidores públicos, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 254).

Note-se, ainda a tal propósito, que justamente em razão da diversidade de situações existentes entre o regime jurídico estatutário e a relação fundada na CLT, é que a própria Constituição da República determina a aplicação, aos titulares de cargos públicos (estatutários) não de todos, mas apenas alguns dos direitos sociais aplicáveis aos empregados (públicos ou privados), nos termos da redação do art. 39 §3º da CR/88, com remissão a apenas alguns incisos do art. 7º da própria Carta.

Trata-se de extensão aos servidores ocupantes de cargos públicos, de apenas alguns direitos sociais (cf. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.576; Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, cit., p.481)

Como acentua Edmir Netto de Araújo, ao cotejar a condição do servidor estatutário com a do servidor celetista, “é evidente que os regimes jurídicos não são iguais (...) a doutrina entende que a todos os servidores (inclusive, no que couber, aos celetistas) se aplicam as disposições gerais constantes do art. 37 e 38, seus incisos e parágrafos, da CF (...), mas que os art.s 39 e 41 e seus dispositivos se aplicam somente (...) aos assim chamados servidores públicos, titulares de cargos públicos” (Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 390/391).

Essa disparidade de tratamento – na hipótese destacada como exemplo para o raciocínio, a não aplicação da estabilidade ao servidor celetista – vem sendo reafirmada pelo E. STF. Confira-se: (AI 465.780-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-11-04, DJ de 18-2-05; AI 660.311-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 9-10-07, DJ de 23-11-07; AI 387.498-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 23-3-04, DJ de 16-4-04; RE 242.069-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 22-10-02, DJ de 22-11-02; entre outros.

Note-se que para o empregado (público ou privado), a Constituição da República assegura, entre outros direitos sociais, a proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, inclusive com a previsão da indenização compensatória (art. 7º, I da CR/88), bem como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, nos termos do (art. 7º, III da CR/88).

Tais direitos não são assegurados aos ocupantes de cargos públicos (estatutários) - como já afirmado -, por força da discriminação contida no art. 39, § 3º da CR/88.

Trata-se, portanto, de discriminação constitucional expressa, fundada em relevante fator de diversificação de tratamento, consistente na diversidade de regime jurídico existente entre o titular de cargo público e o titular de emprego público.

Isso significa afirmação do princípio da igualdade, consistente, nessa percepção, em tratar desigualmente os desiguais.

Em conclusão, é legítimo afirmar que o legislador municipal violou o princípio da isonomia, na medida em que criou vantagem pecuniária para titular de cargo em comissão que, na prática, ainda que sob denominação diversa, confere-lhe direitos sociais similares àqueles contidos no art. 7º, I e III da CR/88 (indenização compensatória e Fundo de Garantia), proscritos da relação jurídica estatutária por força do art. 39 § 3º da CR/88.

Esse é um consistente fundamento para o reconhecimento da inconstitucionalidade das normas legais do município de Lorena que concedem aos comissionados, por ocasião da sua exoneração, indenização compensatória proporcional ao tempo de serviço público.

Ao fazê-lo, em síntese, o legislador municipal violou o princípio da isonomia, que no caso decorre do art. 5º caput e do art. 39 § 3º da CR/88, e aplica-se aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.

Não bastasse isso, a vantagem financeira criada pelos dispositivos impugnados não atende ao disposto no art. 128 da Constituição Paulista, assim redigido:

“Art. 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.”

Vale ponderar que tal princípio pode também ser extraído da exigência de eficiência e moralidade na Administração Pública, nos termos do art. 37 caput da CR/88.

Note-se que os atos normativos impugnados concederam benefício que não encontra amparo, de forma alguma, no interesse público e nas exigências do serviço.

O único aspecto que o legislador municipal levou em consideração, na hipótese em exame, foi a melhoria da situação financeira de determinada gama de servidores públicos inativos, por ocasião de sua exoneração. A perspectiva em que, de forma clara, se deu a instituição da “indenização compensatória decorrente de exoneração”, foi exclusivamente a do maior conforto e comodidade dos respectivos beneficiários.

Não há, sequer superficialmente, nenhum dado nos atos normativos em exame que indique a possibilidade de existência de qualquer interesse público, ou exigência decorrente do serviço, que tenha sido atendida em função da instituição do benefício.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do art.17 das disposições gerais e transitórias da Lei Orgânica; art.1º, da Lei n. 41, de 10 de abril de 1990; e art.270, da Lei n. 59, de 14 de julho de 2008 (Estatuto dos Funcionários Públicos), todos do município de Lorena.

São Paulo, 30 de junho de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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