Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº 174.354-0/0-00

Requerente: SINSERPUCA – Sindicato dos Servidores Públicos Municipais e Autárquicos de Caieiras

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.258/09, que revogou a Lei 4.025/07, ambas de Caieiras

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 4.258/09, que revogou a Lei 4.025/07, ambas de Caieiras. Controle de constitucionalidade e ato de efeito concreto. Inadmissibilidade.

2)    Não conhecimento da ação. Extinção do feito. Precedentes: STF, ADI-MC 1.372-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, 10-11-1995, DJU 17-11-1995; STF, ADI 1.716, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 27-03-1998; STF, ADI-MC-QO 1.937-PI, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 20-06-2007, v.u., DJ 31-08-2007, p. 29; STF, ADI-MC 2.484-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 19-12-2001, m.v., DJ 14-11-2003, p. 11.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

1)Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta por SINSERPUCA – Sindicato dos Servidores Públicos Municipais e Autárquicos de Caieiras, tendo como alvo a Lei Municipal n. 4.258/09, que revogou a Lei 4.025/07, ambas de Caieiras.

Não foi concedida a liminar, afirmando o Ilustre Desembargador Pedro Gagliardi estar “indemonstrado o periculum in mora e o fumus boni iuris” (fls. 67/68); foi citado o Senhor Procurador-Geral do Estado, que declinou de realizar a defesa dos atos normativos impugnados (fls. 75/77).

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls.79/80).

É o relato do essencial.

2)Do ato normativo

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Nesses termos, a Lei Municipal n. 4.258, de 15 de janeiro de 2009, dispôs no seu artigo 1º: “Fica revogada a Lei Municipal n. 4.025, de 10 de agosto de 2007 e, em resolução, os eventuais atos jurídicos dela decorrentes”.

A Lei Municipal n. 4.025, de 10 de agosto de 2007, por sua vez, dispõe sobre a concessão de direito real de uso de imóvel de propriedade do município ao Sindicato dos Servidores Públicos Municipais e autárquicos de Caieiras.

Justamente por esse motivo, ou seja, pelo fato de a Lei Municipal n. 4.258, de 15 de janeiro de 2009, haver revogado a Lei Municipal n. 4.025, de 10 de agosto de 2007, é que se ajuizou a presente ação direta de inconstitucionalidade.

Assevera o autor que a revogação se deu por motivos políticos. A Mensagem n. 3824, de 9 de janeiro de 2009, por sua vez, de autoria do Prefeito Municipal de Caieiras, Dr. (...), justifica a revogação da Lei 4.025/07, pois “a entidade beneficiada com a concessão de uso da área pública não deu a destinação ao imóvel em que se comprometeu com a Administração, estando o imóvel atualmente sob uso de empresa privada com fins lucrativos, destoando, portanto, do interesse público que levou o legislativo municipal a aprovar, naquela ocasião, a referida concessão da área” (fls. 90).

Segue a Mensagem n. 3824/09 por afirmar: “Diante de tal situação é que entendi por bem em propor a presente medida, com a área em questão sendo reintegrada ao patrimônio público municipal, onde receberá destinação social que atenda a toda coletividade”(fls. 90).

3. Controle de constitucionalidade e ato de efeito concreto

Ao se analisar a Lei Municipal n. 4.258, de 15 de janeiro de 2009, que revogou Lei Municipal n. 4.025, de 10 de agosto de 2007, nota-se tratar de ato de efeito concreto. Destarte, o processo merece ser extinto sem solução do mérito porquanto é impróprio o controle judiciário abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade para o exame de lei de efeito concreto.

O saudoso Hely Lopes Meirelles explica que por leis e decretos de efeitos concretos, “entende-se aqueles que trazem em si mesmos o resultado específico pretendido, tais como as leis que aprovam planos de urbanização, as que fixam limites territoriais, as que criam municípios ou desmembram distritos, as que concedem isenções fiscais; as que proíbem atividades ou condutas individuais; os decretos que desapropriam bens, os que fixam tarifas, os que fazem nomeações e outros dessa espécie. Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou decreto, por exigências administrativas. Não contêm mandamentos genéricos, nem apresentam qualquer regra abstrata de conduta; atuam concreta e imediatamente como qualquer ato administrativo de efeitos individuais e específicos, razão pela qual se expõem ao ataque pelo mandado de segurança” (Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, 12a ed., 1.989, p. 17).

 A opinião acima é reforçada pela pena de Alexandre de Moraes, ao salientar que “atos estatais de efeitos concretos não se submetem, em sede de controle concentrado, à jurisdição constitucional abstrata, por ausência de densidade normativa no conteúdo de seu preceito” (Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 9ª ed., 2001, p. 584).

Neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“Todos sabemos que o controle concentrado de constitucionalidade somente pode incidir sobre atos do Poder Público revestidos de suficiente densidade normativa, cabendo assinalar, neste ponto, que a noção de ato normativo, para efeito de sua fiscalização em tese, requer, além de autonomia jurídica da deliberação estatal, também a constatação de seu necessário coeficiente de generalidade abstrata sem prejuízo da indispensável configuração de sua essencial impessoalidade (RTJ 143/510, Rel. Min. Celso de Mello). É por essa razão que atos de efeitos concretos não expõem, em nosso sistema de direito positivo – e na linha de diretriz jurisprudencial firmada por esta Corte -, à possibilidade jurídico-processual de fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (RTJ 108/505, RTJ 119/65, RTJ 139/73), eis que tais espécies jurídicas, que tem objeto determinado e destinatários certos, não veiculam, em seu conteúdo, normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato (RTJ 140/36). A ausência do necessário coeficiente de generalidade abstrata impede, desse modo, a instauração do processo objetivo de controle normativo abstrato (RTJ 146/483)” (STF, ADI-MC 1.372-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, 10-11-1995, DJU 17-11-1995).

(...)

“Ação direta de inconstitucionalidade, entretanto, inadmissível, não obstante a plausibilidade da argüição dirigida contra a Mprov 1.600/97, dado que, na jurisprudência do STF, só se consideram objeto idôneo do controle abstrato de constitucionalidade os atos normativos dotados de generalidade, o que exclui os que, malgrado sua forma de lei, veiculam atos de efeito concreto, como sucede com as normas individuais de autorização que conformam originalmente o orçamento da despesa ou viabilizam sua alteração no curso do exercício” (STF, ADI 1.716, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 27-03-1998).

(...)

“Ação direta de inconstitucionalidade: inviabilidade: ato normativo de efeitos concretos. 1. O Decreto Legislativo 121/98, da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, impugnado, impõe a reintegração de servidores, que teriam aderido ao Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário do Servidor Público Estadual (L. est. 4.865/96). 2. O edito questionado, que, a pretexto de sustá-los, anula atos administrativos concretos - quais os que atingiram os servidores nominalmente relacionados - não é um ato normativo, mas ato que, não obstante de alcance plural, é tão concreto quanto aqueles que susta ou torna sem efeito. 3. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que só constitui ato normativo idôneo a submeter-se ao controle abstrato da ação direta aquele dotado de um coeficiente mínimo de abstração ou, pelo menos, de generalidade. 4. Precedentes (vg. ADIn 767, Rezek, de 26.8.92, RTJ 146/483; ADIn 842, Celso, DJ 14.05.93)” (STF, ADI-MC-QO 1.937-PI, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 20-06-2007, v.u., DJ 31-08-2007, p. 29).

(...)

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COM EFEITO CONCRETO. LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS: Lei 10.266, de 2001. I. - Leis com efeitos concretos, assim atos administrativos em sentido material: não se admite o seu controle em abstrato, ou no controle concentrado de constitucionalidade. II. - Lei de diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e destinatários certos, assim sem generalidade abstrata, é lei de efeitos concretos, que não está sujeita à fiscalização jurisdicional no controle concentrado. III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida” (STF, ADI-MC 2.484-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 19-12-2001, m.v., DJ 14-11-2003, p. 11).

O controle abstrato de normas só se presta a examinar a constitucionalidade de espécies normativas próprias, ou seja, aquelas que são dotadas de generalidade, indeterminação e abstração, requisito ausente na legislação em exame. No caso em estudo, trata-se de lei que, em essência, traveste ato administrativo com objeto determinado e destinatário certo e que não veicula, em seu conteúdo, normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato.

A lei municipal teve em mira situação e destinatários certos e determinados, perdendo os seus atributos de generalidade, indeterminação e abstração. A abstração da lei consiste em ela supor uma situação reproduzível, ou seja, hipotetizar renovação. Ora, um dos traços que distingue a lei do ato administrativo é a abstratividade, assim conceituada como o “modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos” (STF, ADC-MC 12-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 16-12-2006, m.v., DJ 01-09-2006, p. 15), muito embora já se tenha assentado que "a determinabilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individualização, que, esta sim, poderia convertê-lo em ato de efeitos concretos, embora plúrimos’ [ADI n. 2.135, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 12.5.00]” (STF, ADI 820-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 15-03-2007, m.v.).

Assim, nosso parecer é no sentido não conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade proposta, extinguindo-se o feito.

São Paulo, 23 de julho de 2009.

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos -

ef