Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Ementa: Lei Municipal nº 9.855, de 05 de março de 2007 - Pagamento de meio ingresso para membros de associação cultural - Incompatibilidade com os arts. 4º, 111, 144, da Carta Paulista - Inconstitucionalidade constatada - Parecer pela declaração de inconstitucionalidade. |
Trata-se de ação formulada pelo
Prefeito Municipal de São José do Rio Preto visando a declaração de
inconstitucionalidade da Lei nº 9.855, de 05 março de 2007, que “Dispõe sobre o
pagamento de meia-entrada em espetáculos para associados da Associarte” (fl. 30).
O pedido para concessão de liminar
foi deferido, consoante decisão de fls. 12/14.
O Procurador Geral do Estado
manifestou-se às fls. 51/53 e afirmou não ter interesse na defesa do ato
impugnado, por versar matéria de conteúdo local.
A Câmara de Vereadores, por seu
turno, prestou informações de cunho meramente objetivo, sem apresentar defesa
da constitucionalidade da lei atacada (fls.22/24).
Em
síntese, é o relatório.
O pedido comporta acatamento.
A Lei 9.855, de 05 março de 2007
assegura aos associados da Associarte o pagamento de meia-entrada para o
ingresso em espetáculos apresentados nos teatros municipais “Humberto Sinibaldi
Neto” e “Nelson Castro”.
Como se vê, o tema
está intrinsecamente ligado à difusão da cultura. Consoante prevê o art. 215, da
Constituição Federal, “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.
Nesse sentido, a norma em exame
permite a determinado segmento da sociedade – associados da “Associarte” – o
acesso aos respectivos estabelecimentos, mediante o pagamento de metade do
preço cobrado.
Todavia, não se vislumbra uma razão
plausível que permita ao legislador local distinguir os membros de tal
associação de São José do Rio Preto, de outras que lá desempenham suas
atividades intelectuais voltadas às artes cênicas.
Sabe-se que a isonomia é um dos
primados garantidos pelo legislador constitucional. A respeito do assunto,
lembra Alexandre de Moraes que “o princípio da igualdade consagrado pela
constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador
ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e
medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente
diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. Em outro
plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de
aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de
diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas,
raça, classe social.”[1]
Esse princípio, embora não esteja
expresso no art. 111, da Constituição Estadual, pode ser extraído
tranquilamente do seu contexto, sobretudo da impessoalidade que nada mais é do
que um desdobramento do primeiro. André Ramos Tavares afirma que “o princípio
em epígrafe apresenta duas vertentes na análise de seu conteúdo. Em primeiro
lugar impede-se o tratamento desigual baseado em critério pessoal. Não se
toleram benefícios ou encargos atribuídos desigualmente para certas pessoas.
Verifica-se, pois, que o princípio está intimamente relacionado com o princípio
da isonomia. Simpatias ou animosidades pessoais, entre a Administração e
administrados, são juridicamente irrelevantes. Consoante o princípio da
impessoalidade, a atividade da Administração deve ser neutra, objetivando
exclusivamente a realização do interesse de todos, jamais de uma pessoa ou um
grupo em particular.”[2]
Como se sabe, a competência
legislativa do município é suplementar à da União e dos Estados, consoante
dispõe o art. 30, I e II, da Carta Federal.
Sobre o tema, Alexandre de Moraes
afirma que “a Constituição Federal prevê a chamada competência suplementar dos municípios consistente na autorização
de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua
execução a peculiaridades locais, sempre em concordância com aquelas e desde
que presente o requisito primordial de fixação de competência desse ente
federativo: interesse local”.[3]
Em parecer da lavra do Dr. Geraldo
Brindeiro, à época Procurador-Geral da República, ao enfrentar tema semelhante
na Ação Direta de Inconstitucionalidade em curso perante o Excelso Supremo
Tribunal Federal, com o objetivo de eliminar a Lei 7.844/92, do Estado de São
Paulo, assim se posicionou:[4]
“Com efeito,
vislumbra-se que a finalidade maior da norma em exame enquadra-se na
competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal em legislar
sobre “educação, cultura, ensino e desporto”, disposta no inciso IX do
art. 24 da Carta Magna, e não sobre direito econômico (art. 24, inciso I, CF),
como pretende a impetrante, na medida em que o Estado de São Paulo não visa
estabelecer qualquer mecanismo de tabelamento de preços uma vez que a sua
fixação é absolutamente livre.
Além
do mais, o que a norma impugnada faz, na verdade, atendendo plenamente à sua
função social, é viabilizar o acesso de estudantes a eventos culturais, por
meio de um desconto obrigatório, impondo-se, assim, um tratamento diferenciado
ao estudante. Nesse contexto, o desconto a que se refere a lei paulista está
voltado para a inclusão social do educando, o acesso às fontes de cultura, às
manifestações desportivas e ao lazer, essenciais para o processo de formação do
cidadão e desenvolvimento da cidadania.
Tem-se,
assim, que inerente a esse direito à cultura reconhecido pela Constituição da
República encontra-se o acesso às suas fontes, como observa o Ilustre Professor
JOSÉ AFONSO DA SILVA (in “Curso de Direito Constitucional Positivo”,
Malheiros Editores, 19ª edição, pág. 316).”[5]
Em razão disso, ao esclarecer de que
maneira a lei estadual deve ser aplicada, o legislador local agiu na esfera da
sua competência, não havendo motivos para ter-se por inconstitucional aquele
ato normativo.
Concluo, assim, que a Lei 9.855, de
05 março de 2007 está em desconformidade com os arts. 4º, 111 e 144, da
Constituição do Estado de São Paulo.
Nestes termos, o parecer é pela procedência
da demanda, para que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei 9.855, de 05
março de 2007, do município de São José do Rio Preto.
São
Paulo, 7 de abril de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos -
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[1] Direito Constitucional, São Paulo:
Atlas, 9ª ed., 2001, p. 63.
[2] Curso de Direito Constitucional, São
Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2006, p. 1.145.
[4] Adin 1.950, rel. Min. Eros Grau, julgada
improcedente em 14.11.2005, conforme informação obtida no site do STF em 12/4/06.
[5] Parecer do Procurador-Geral da República
oferecido na Adin nº 1.950-3/600-SP, promovida pela Confederação Nacional do
Comércio – CNC.