Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 174.584.0/0-00

Requerente: Prefeito de Palmital

Objeto: Lei nº 2.301, de 24 de outubro de 2008, do Município de Palmital

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal, em face da Lei nº 2.301, de 24 de outubro de 2008, do Município de Palmital. Lei de iniciativa de Vereador, pela qual “fica o Poder Executivo autorizado a criar o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas Unidades de Saúde” no Município. Imposição de obrigações ao Poder Executivo e normatização do serviço público. Temas que demandam estudos técnicos e a avaliação de conveniência e oportunidade a cargo do Prefeito. Natureza “autorizativa” da lei que é irrelevante para o deslinde da questão. Violação do princípio da separação dos poderes reconhecida. Parecer pela declaração da inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Palmital, tendo por objeto a Lei nº 2.301, de 24 de outubro de 2008, que autoriza o Poder Executivo a criar o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas Unidades de Saúde do município.

O projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal. Aponta ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 5º da Constituição Paulista.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 51/52).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações a fls. 27  sobre o processo legislativo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 97/99).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

O texto da lei impugnada encontra-se copiado às fls.29.

Em que pese os elevados propósitos que inspiraram o Edil, são procedentes os argumentos contidos na inicial e, de fato, a norma promulgada é inconstitucional, como se demonstrará a seguir.

O gerenciamento da prestação de serviços públicos no município é competência do Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios para avaliar a conveniência e oportunidade da administração pública. 

Através da legislação em exame, o Legislativo “autoriza” o Poder Executivo a criar o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas Unidades de Saúde do Município.

A norma impugnada, em que pese se tratar de “autorizativa”, impõe obrigações ao Poder Executivo e acaba por dispor sobre o serviço público.

No regime constitucional vigente, entretanto, leis que disciplinam a gestão da administração pública devem ser concebidas pelo chefe do Poder Executivo.

Logo, se houve atribuição de funções a órgão municipal, dita legislação é incompatível com os arts. 24, § 2º, 2 e 47, XIX, da Carta Estadual: cabe ao Prefeito a distribuição de tarefas a seus subalternos, e, quando isso implicar em aumento de despesa (que se presume em razão dos encargos acrescidos à Administração), a ele incumbe o encaminhamento de proposta legislativa.

Além disso, nessa matéria, é o Executivo quem tem melhores condições de avaliar as necessidades de implantação dos serviços criados pela Lei em questão e, como consta na inicial, tal não se faz necessário no município, que já “disponibiliza atendimento fisioterápico para os munícipes carentes e necessitados, não havendo demanda que justifique ampliação do serviço e nem recursos disponíveis para tanto.” (fl.04)

Por isso, no caso vertente, o legislador municipal imiscuiu-se em assunto da competência do Executivo, com o que também afrontou o princípio da separação dos poderes, de que trata o art. 5º da Carta Bandeirante.

Nem se alegue que, tratando-se de lei autorizativa, o vício estaria superado. Deve-se atentar para o fato de que o Executivo não necessita de autorização para administrar e, no caso em análise, não a solicitou. 

Sérgio Resende de Barros, analisando a natureza das intrigantes leis autorizativas, especialmente quando votadas contra a vontade de quem poderia solicitar a autorização, ensina:

"...insistente na pratica legislativa brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui  um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu ‘lei’ autorizativa,  praticada cada vez mais exageradamente autorizativa  é a ‘lei’ que - por não poder determinar - limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos  que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder Executivo autorizado a...’ O objeto da autorização -  por já ser de competência constitucional do Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente" (Leis Autorizativas. Revista da Instituição Toledo de Ensino, agosto a novembro de 2000, Bauru, p. 262).

Bem por isso, não passou despercebido ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que "a lei que autoriza o Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma determinação, sendo portanto inconstitucional" (ADIN n°593099377 – rel. Des. Maria Berenice Dias – j. 7/8/00).

Esse E. Sodalício também vem afirmando a inconstitucionalidade das leis autorizativas, forte no entendimento de que as tais “autorizações” são eufemismo de “determinações”, e, por isso, usurpam a competência material do Poder Executivo:

LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.

VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.

LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (ADIN 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).

Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, o parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.301, de 24 de outubro de 2008, do Município de Palmital.

São Paulo, 7 de abril de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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