Parecer
Autos nº. 175. 024-0/2-00
Requerente: Prefeito Municipal de Guarulhos
Objeto: Lei nº 6.455, de 04 de dezembro de 2008, do Município de Guarulhos
Ementa: Lei n. 6.455, de 04 de dezembro de 2008, do Município de Guarulhos de iniciativa parlamentar que dispõe sobre a reserva de área para estacionamento de veículos defronte às bancas de jornais. Imposição de condutas à Prefeitura Municipal. Matéria afeta à administração pública. Exclusividade de iniciativa do Prefeito Municipal. Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Guarulhos, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 6.455, de 04 de dezembro de 2008, do Município de Guarulhos, que dispõe sobre “Reserva de área para estacionamento de veículos defronte às bancas de jornais”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 52 e vº).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 59/64.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 71/73).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Entendemos que a
ação deva ser julgada procedente.
Há que se aduzir
desde logo que a Lei em questão é de iniciativa
de Vereador, tendo sido vetada pelo
Executivo, veto este derrubado pela Câmara. Vislumbramos afronta aos artigos 5.º,
47, incs. I, II e XIX, alínea “a”, e 144, da Constituição do Estado de São
Paulo a saber:
"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes
e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 47 - Compete privativamente ao Governador,
além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
I - representar o Estado nas suas relações
jurídicas, políticas e administrativas;
II - exercer, com o auxílio dos Secretários de
Estado, a direção superior da
administração estadual;
XIX – dispor,
mediante decreto, sobre:
a) organização
e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de
despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos.
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição."(g.n.)
A administração da cidade incumbe ao
que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento,[1]
participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos[2].
Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento
de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos. Os
serviços públicos, o gerenciamento das vias públicas e eventuais benefícios a
determinadas classes de pessoas, ainda que se entenda louvável o intuito, não
podem provir de lei de iniciativa do Legislativo, pois essa função é cometida
ao Executivo, por dispor dos meios necessários ao planejamento global da urbe.
A referida lei originou-se de projeto de autoria parlamentar, e que
acabou sendo promulgado na íntegra pelo Presidente da Câmara Municipal, mesmo
diante do veto total apresentado pelo Prefeito Municipal. Enfatizamos que
também o gerenciamento das atividades administrativas no município é
competência do Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e
recursos próprios para avaliar a conveniência e oportunidade da administração pública. Assim sendo, por inserir vício de iniciativa,
a lei é inconstitucional por ofender dispositivos da Constituição do Estado de
São Paulo.
Com efeito, a lei impugnada compele o órgão de gerenciamento de trânsito
no município a “reservar área para
estacionamento de veículos defronte às
bancas de jornais”.
Trata-se evidentemente de matéria referente à administração pública,
cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito, que atuará nesse campo com
absoluta independência.
Sobre o tema ensina Hely Lopes Meirelles:
“Em princípio, o prefeito pode
praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização
especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos
aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas
ou serviços públicos. (...)
Advirta-se, ainda, que, para
atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e
serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da
Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a
Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras
dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade,
por ofensa a prerrogativas do prefeito.”[3]
Demais disso, a Constituição Estadual compete ao Executivo, por decreto, a tarefa de organizar a Administração na hipótese de não haver aumento da despesa, como é o caso. Esse modelo constitucional é de observância obrigatória pelos municípios, por força do disposto no art. 144, da Constituição Estadual.
Assim sendo, e por entender que ao Legislativo não é dada a iniciativa de lei na matéria de organização de serviços públicos, cometida ao Executivo, o parecer é pela procedência da ação, para que seja declarada inconstitucional Lei Municipal n.º 6.455, de 04 de dezembro de 2008, do Município de Guarulhos.
São Paulo, 13 de outubro de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos -
vlcb
[1] Christian Starck.
'El Concepto de ley en la constitucion alemana', Madrid: CEC, 1979,
pág.73.
[2] "...O poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de
uma estabilidade garantida, necessária para a tradução em atos de um
'indirizzo'. É, em geral, delegatária, também, de importantes porções da função
legislativa. Ao legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar
solenemente o 'indirizzo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo
as medidas sob a forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo'
do Poder governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o
admite - deve ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente
excepcionais. O Legislativo controla o Poder governante também com outros meios
(investigações, comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração
normativa das escolhas feitas no 'indirizzo governativo'." Giovanni Bognetti, 'In' 'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET.
[3] MEIRELLES. Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 519.