Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 175.622-0/1-00

Requerente: Prefeito Municipal de Jundiaí

Objeto: Lei nº 6.783, de 12 de março de 2007, do Município de Jundiaí

 

Ementa: Lei municipal de iniciativa parlamentar que dispõe sobre criação de vaga gratuita em estacionamento junto à biblioteca. Imposição de condutas à Prefeitura Municipal. Matéria afeta à administração pública. Exclusividade de iniciativa do Prefeito Municipal. Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Jundiaí, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 6.783, de 12 de março de 2007, do Município de Jundiaí, que “Altera a Lei 5.654/01, que criou áreas de estacionamento rotativo, para prever, junto à bibliotecas, vaga para estacionamento gratuito de curta duração”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 21 vº).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 28/29.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 61/63).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Entendemos que a ação deva ser julgada procedente.

Há que se aduzir desde logo que a Lei em questão é de iniciativa de Vereador, tendo sido vetada pelo Executivo, veto este derrubado pela Câmara. Vislumbramos afronta aos artigos 5.º, 47, incs. I, II e XIX, alínea “a”, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo a saber:

"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

I - representar o Estado nas suas relações jurídicas, políticas e administrativas;

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

XIX – dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos.

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição."(g.n.)

 

            A administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento,[1] participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos[2]. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos. Os serviços públicos, o gerenciamento das vias públicas e eventuais benefícios a determinadas classes de pessoas, ainda que se entenda louvável o intuito, não podem provir de lei de iniciativa do Legislativo, pois essa função é cometida ao Executivo, por dispor dos meios necessários ao planejamento global da urbe.

A referida lei originou-se de projeto de autoria parlamentar, e que acabou sendo promulgado na íntegra pelo Presidente da Câmara Municipal (fl. 20), mesmo diante do veto total apresentado pelo Prefeito Municipal. Enfatizamos que também o gerenciamento das atividades administrativas no município é competência do Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios para avaliar a conveniência e oportunidade da administração pública.  Assim sendo, por inserir vício de iniciativa, a lei é inconstitucional por ofender dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo.

Com efeito, a lei impugnada compele o órgão de gerenciamento de trânsito no município a reservar vagas gratuitas “junto a toda biblioteca”.

Trata-se evidentemente de matéria referente à administração pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito, que atuará nesse campo com absoluta independência.

Sobre o tema ensina Hely Lopes Meirelles:

 

“Em princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos. (...)

Advirta-se, ainda, que, para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do prefeito.”[3]

 

            Demais disso, a Constituição Estadual comete ao Executivo, por decreto, a tarefa de organizar a Administração na hipótese de não haver aumento da despesa, como é o caso. Esse modelo constitucional é de observância obrigatória pelos municípios, por força do disposto no art. 144, da Constituição Estadual.

Assim sendo, e por entender que ao Legislativo não é dada a iniciativa de lei na matéria de organização de serviços públicos, cometida ao Executivo, o parecer é pela procedência da ação, para que seja declarada inconstitucional Lei Municipal n.º 6.783, de 12 de março de 2007, do Município de Jundiaí.

São Paulo, 4 de junho de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Assuntos Jurídicos -

fjyd



[1] Christian Starck.  'El Concepto de ley en la constitucion alemana', Madrid: CEC, 1979, pág.73.

[2] "...O poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de uma estabilidade garantida, necessária para a tradução em atos de um 'indirizzo'. É, em geral, delegatária, também, de importantes porções da função legislativa. Ao legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar solenemente o 'indiriz­zo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo as medidas sob a forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo' do Po­der governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o admite - deve ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente excepcionais. O Legislativo controla o Poder governante também com outros meios (investigações, comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração normativa das escolhas feitas no 'indirizzo governativo'." Giovanni Bognetti, 'In' 'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET.

[3] MEIRELLES. Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 519.