Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 175.624-0/0-00

Requerente: Prefeito Municipal de Jundiaí

Objeto: Lei nº 7.017, de 10 de março de 2008, do Município de Jundiaí

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Jundiaí, da Lei nº 7.017, de 10 de março de 2008, daquele Município, que “prevê a exigência nos canteiros de obras do material básico de primeiros socorros”. Projeto nascido no Poder Legislativo, com usurpação das atribuições do Prefeito. Violação do princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE). Criação de despesa, que decorre da necessidade de fiscalização imposta pela lei à Administração (art. 25, CE). Parecer pela declaração da inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito Municipal de Jundiaí da Lei nº 7.017, de 10 de março de 2008, daquele Município, que “prevê a exigência nos canteiros de obras do material básico de primeiros socorros”.

Sustenta o autor que a lei padece de inconstitucionalidade sob os aspectos formal e material. Foi projetada no âmbito do Poder Legislativo, com vício de iniciativa e ofensa ao princípio da separação dos poderes.

Aponta como violados os artigos 5º e 144 da Constituição Estadual, além da própria Lei Orgânica (art.46, inc.s IV e V e 50) e 22, inc. da CF.

O pedido de liminar foi deferido (fls. 20 vº).

Requisitaram-se informações à Câmara Municipal, que se manifestou a fls. 26/27 sobre o processo legislativo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa das normas questionadas, consignando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 53/55).

É a síntese do necessário.

O pedido deve ser examinado pelo cotejo da lei em análise com os arts. 5º, 25, 37, 47, XI e 144 da Constituição Estadual.

A Lei Municipal nº 7.017, de 10 de março de 2008, objeto desta ação direta, cria obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal, ao instituir obrigação para construtores de manter material básico de prestação de primeiros socorros nos canteiros de obras e impor ao Poder Público o ônus de fiscalizar e aplicar penalidade aos responsáveis que desatenderem ao comando da lei.

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe (fls. 17), é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

 

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).

 

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

 

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

 

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

De outro giro, impõe-se observar que a imposição de fiscalização à Administração Municipal traz ônus ao Erário, em decorrência da necessidade de implantação de estrutura e meios para o cumprimento da obrigação legal.

 Em casos similares esse egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Diante do exposto, o parecer é pela procedência da ação, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 7.017, de 10 de março de 2008, do Município de Jundiaí, que “prevê a exigência nos canteiros de obras do material básico de primeiros socorros”, por ofensa aos arts. 5º, 25, 37, 47, XI e 144 da Constituição Estadual.

São Paulo, 2 de julho de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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