Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 175.625-0/5-00

Requerente: Prefeito do Município de Jundiaí

Objeto: Lei nº 6.735, de 22 de agosto de 2006, do Município de Jundiaí

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 6.735, de 22 de agosto de 2006, do Município de Jundiaí, que “prevê, em via pública, faixa indicativa de proximidade de equipamento eletrônico de fiscalização de velocidade”. Projeto de vereador. Ato de gestão administrativa incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 5º da Constituição Estadual. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Jundiaí, tendo por objeto a Lei nº 6.735, de 22 de agosto de 2006, do Município de Jundiaí, que “prevê, em via pública, faixa indicativa de proximidade de equipamento eletrônico de fiscalização de velocidade”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal. Divisa ofensa aos artigos 1º e 111, da Constituição do Estado e aos artigos 1º, 22, inc. XI e 37 da Constituição Federal

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 22/23).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 35/58, prestando informações sobre o processo legislativo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 63/65).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei impugnada tem a seguinte redação:

LEI Nº. 6.735, DE 22 DE AGOSTO DE 2006

Prevê, em via pública, faixa indicativa de proximidade de equipamento eletrônico de fiscalização de velocidade.

A PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE JUNDIAÍ, Estado de São Paulo, conforme a rejeição de veto total pelo Plenário em 16 de agosto de 2006, promulga a seguinte Lei:

Art. 1º. Haverá, na via pública, faixa indicativa de proximidade, pintada na cor amarela, à distância de 50,00m (cinqüenta metros) antes de todo equipamento eletrônico de fiscalização de velocidade.

Art. 2º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

CÂMARA MUNICIPAL DE JUNDIAÍ, em vinte e dois de agosto de dois mil e seis (22/08/2006).

ANA TONELLI

Presidente

E, de fato, configura a quebra do postulado da separação dos poderes.

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos, por exemplo, em que o Poder Legislativo edita um ano normativo que configura, na prática, ato de gestão executiva. Quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art.5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art.2º da Constituição Federal. Há também não observância do disposto no art.47 II e XIV da Constituição Paulista.

Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, envolvendo o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes.

Não é necessário que a lei diga o que o Poder Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

Exatamente esta é a hipótese dos autos.

Na Lei Municipal nº 6.735/06, a pretexto de legislar, a Câmara Municipal editou verdadeiro ato de gestão administrativa, ao tornar obrigatória a existência de uma faixa indicativa da proximidade de equipamento eletrônico de fiscalização de velocidade.

Não só dispensável, como inviável se mostra a deliberação legislativa nessa matéria, mormente quando verificado que a iniciativa para a edição da lei partiu de parlamentar. Aquilo que a regra determina para a Administração Pública é algo que se encontra, precisamente, no âmbito da atividade executiva.

Cabe à Administração estabelecer, mediante estudos técnicos ou critérios de conveniência e oportunidade se a existência dos radares de velocidade deve ou não determinar a pintura da faixa amarela nos logradouros públicos, como, aliás, ficou assentado em recente julgado desse E. Tribunal de Justiça:

 “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal 9857/2007, de São José do Rio Preto. Legislação, de iniciativa parlamentar, que determina a pintura, na cor amarela, dos postes em que afixados radares controladores de velocidade. Impossibilidade. Planejamento urbano. Uso e ocupação do solo. Afronta ao princípio da separação de poderes. Matéria de cunho eminentemente administrativo. Lei dispôs sobre situação concreta, concernente à organização administrativa. Inexistência, ademais, de indicação dos recursos orçamentários para implantação da medida. Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade da norma.” (ADI 153.649-0/3-00, rel. des. Maurício Ferreira Leite, j. 12.03.2008, v.u.).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 6.735, de 22 de agosto de 2006, do Município de Jundiaí.

 

São Paulo, 21 de julho de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Assuntos Jurídicos -

jesp