Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 175.749-0/0

Requerente: Prefeito do Município de Guarulhos

Objeto: Lei nº 6.399, de 30 de junho de 2008, do Município de Guarulhos

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, da Lei n.º 6.399, de 30 de junho de 2008, do Município de Guarulhos, que “altera a Lei 6.303/07, disciplinando o uso de sanitários em estabelecimentos que especifica”. Projeto de vereador. Regulamentação que, mesmo incidindo em bens particulares, diz respeito a serviço de utilidade pública e, como tal, demanda a iniciativa normativa do chefe do Poder Executivo. Violação ao princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE). Parecer pela procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Guarulhos, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 6.399, de 30 de junho de 2008, que “altera a Lei 6.303/07, disciplinando o uso de sanitários em estabelecimentos que especifica”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

Divisa a violação dos princípios da separação dos poderes e da isonomia, eis que a lei impõe à Administração o dever de fiscalizar as regras instituídas, além de tratar de modo diferenciado certos estabelecimentos comerciais.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 49/50).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 64/71, em defesa da lei impugnada.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 74/76).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei nº 6.303, de 8 de novembro de 2007, tornou obrigatória a disponibilização gratuita aos consumidores dos sanitários existentes nos estabelecimentos comerciais do Município.

O art. 1º da mencionada lei tinha, originariamente, a seguinte redação:

Art. 1º - Os estabelecimentos comerciais, inclusive escritórios e instituições bancárias, situados em imóveis que, por determinação da Lei Municipal nº 6.046 de 2004 (art. 125) devem possuir instalações sanitárias, ficam obrigados a disponibilizá-las gratuitamente para o uso de todos os consumidores e consumidoras, independentemente de qualquer exigência.

Ocorreu ao Vereador (...) a idéia de restringir a regra acima transcrita.

O Edil observou (fls. 22) que “a cidade conta com um shopping center instalado na área central, circundado por grande fluxo de pessoas, transporte coletivo e ambulantes” e que o uso indiscriminado dos sanitários desse estabelecimento lhe impingia elevados custos, inviabilizando a gratuidade. Considerou que “compete ao Poder Público oferecer ao cidadão o uso gratuito de sanitários em regiões de grande fluxo de pessoas e serviços” e, por tais motivos, apresentou o projeto de lei que, uma vez aprovado, alterou a Lei nº 6.303/07, acrescentando a seu art. 1º o parágrafo único com a seguinte redação:

Parágrafo único – Excetuam-se do disposto no caput deste artigo os estabelecimentos condominiais comerciais, como galerias, outlets e shopping centers.

Esse E. Tribunal de Justiça já se manifestou sobre iniciativa análoga e a considerou inconstitucional, firme no entendimento de que “a normatização, disciplina e execução dos serviços públicos de higienização dos sanitários localizados nos locais públicos ou privados abertos à população inserem-se nas atribuições privativas do Prefeito” (ADIN nº 126.506-0/9, j. 26.04.06, rel. Des. LAERTE SAMPAIO).

Extrai-se do v. Acórdão a seguinte lição:

A previsão da existência de sanitários destinados ao uso público, nos bens de uso comum do povo (ruas, praças, estádios, etc.) ou de uso especial (repartições públicas, escolas, mercados etc.) bem como nos bens particulares com acesso público (teatros, mercados, bancos, etc.) tem o claro objetivo de atender, primordialmente, a política de higiene pública em seu aspecto sanitário. Em um segundo aspecto, surge com o escopo de atender ao bem estar dos usuários, influenciado, também, pela proteção aos interesses do consumidor. É inegável que, sob o aspecto da polícia das construções, é perfeitamente legítima a obrigatoriedade que os bens públicos de uso especial bem como os bens particulares com acesso ao público sejam dotados de instalações sanitárias, o que se insere na polícia das construções. Entretanto, é insuficiente a previsão da existência física dos sanitários. É imprescindível, tendo em vista os objetivos de higiene, sejam mantidos em condições de prevenir o contágio de moléstias, evitando sua propagação. Nem é menos evidente que tais locais devam estar submetidos a permanente vigilância para coartar sejam usados para prática de comportamentos inadequados (práticas hétero ou homossexuais, etc.) ou ilegais (tráfico e uso de entorpecentes, furtos, assaltos, etc.). Isto significa que a existência de tais sanitários torna cogente a concomitante prestação de serviços de higiene e segurança.

Caracterizam-se, assim, como serviços de utilidade pública impróprios com característica de terem usuários determinados e utilização particular e mensurável para cada destinatário, podendo ser prestados diretamente pela administração ou por imposição ao particular nos bens de sua propriedade com acesso público.

A lei impugnada, concebida por vereador, viola ao princípio constitucional da separação dos Poderes (art. 5º da Constituição do Estado), vez que cabe exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo projetar a normatização destinada a organizar, superintender e dirigir os serviços públicos, inclusive os impróprios.

Na dicção desse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN nº. 53.583-0, rel. Des. Fonseca Tavares).

Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, com a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 6.399, de 30 de junho de 2008, que “altera a Lei 6.303/07, disciplinando o uso de sanitários em estabelecimentos que especifica”.

 

São Paulo, 15 de julho de 2009.

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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