Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 175.942.0/1

Requerente: Prefeito do Município de Marília

Objeto: art. 5º da Lei Municipal nº 6.875, de 15 de dezembro de 2008, do Município de Marília

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, do art. 5º da Lei Municipal nº 6.875, de 15 de dezembro de 2008, do Município de Marília, que concede a Prefeito, Vice-prefeito e Secretários Municipais o direito ao recebimento do valor correspondente a um subsídio mensal a título de 13º salário. Benefício que se reputa indevido aos agentes políticos cujos cargos não estão estruturados em carreira. Precedentes do TJGO e TJRS. Afronta ao art. 24, § 1º, inc. 3, da Constituição do Estado de São Paulo. Parecer pela procedência.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito de Marília, tendo por objeto o art. 5º da Lei Municipal nº 6.875, de 15 de dezembro de 2008, do mesmo município.

Sustenta o autor que o dispositivo instituiu subsídio mensal a título de 13º salário para o prefeito e o vice-prefeito, bem como para os secretários municipais, o que, em relação àqueles, conflita com o art. 24, § 1º, nº 3, da Constituição do Estado e a sua remissão ao art. 39, § 4º, da Constituição Federal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 58).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 73/80, em defesa da lei impugnada.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 69/71).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei n. 6.875, de 15 de dezembro de 2008, “fixa o subsídio do prefeito, vice-prefeito e secretários municipais, a vigorar durante o mandato que se iniciará [leia-se: iniciou] em 1º de janeiro de 2009 e dá outras providências”.

Embora se trate de lei temporária, está em vigor e pode se sujeitar ao controle concentrado de constitucionalidade.

Questiona-se o seguinte dispositivo:

Art. 5º. – A todos os ocupantes dos cargos previstos na presente Lei será assegurado anualmente o direito ao recebimento do valor correspondente a um subsídio mensal a título de 13º salário.

Os cargos a que se refere o artigo de lei são os seguintes: Prefeito Municipal de Marília (referido no art. 1º), Vice-Prefeito Municipal de Marília (art. 2º) e Secretários do Município de Marília (art. 3º).

A questão deve ser analisada à luz dos seguintes comandos constitucionais:

a)    art. 29, inc. V, CF:

“O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...)

V – subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, §4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;

(...)”

b)    art. 39, da CF:

“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.

(...)

§ 3º - Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV,VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII E XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo a exigir.

§ 4º - O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.”

c)      art. 24, § 1º, inciso 3, da CE:

“§ 1º - Compete, exclusivamente, à Assembléia Legislativa a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

3 – subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado, observado o que dispõem os artigos 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I, da Constituição Federal.”

d)    Art. 144, da CE:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

E, ao considerá-los, entendemos ser inconstitucional o dispositivo impugnado.

O texto constitucional foi expresso ao determinar que os detentores de mandatos eletivos devam ser remunerados mediante parcela única, sem qualquer espécie de acréscimo.

A idéia de parcela única rechaça a decomposição dos subsídios em duas partes, uma fixa e outra variável, tal como ocorria com os agentes políticos na vigência da Constituição de 1967. Essa concepção também afasta, para os detentores de cargos eletivos, o sistema remuneratório e de benefícios que tradicionalmente se concede para os cargos da Administração estruturados em carreira.

Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça de Goiás julgou inconstitucional o art. 42, § 10, da Lei Orgânica do município de Goiatuba, que assegurava ao prefeito e aos vereadores municipais o direito ao 13º salário.

A decisão, unânime, foi tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 390-4/200, proposta pelo Ministério Público Estadual.

O relator, Des. Rogério Arédio, considerou que os agentes políticos que não estão estruturados em cargos de carreira não podem ser equiparados aos trabalhadores ou servidores públicos e que, "se inexiste vínculo permanente com o Poder Público, os benefícios previstos nos artigos 7º e 39, § 3º, da CF, inclusive o 13º salário, não podem ser estendidos aos agentes políticos municipais".

O relator ressaltou também que o TJGO já decidiu pela inconstitucionalidade de outras leis que tentaram instituir o mesmo benefício aos representantes legislativos de seus municípios, e que essa orientação tem apoio na doutrina de Uadi Lâmego Bulhos.

O julgado contém a seguinte ementa:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Orgânica do Município de Goiatuba. Dispositivo que Instituiu 13º Salário a Vereadores. Ofensa aos Arts. 62 da CE e 39, § 4º da CF, este último de reprodução obrigatória pela Constituição Estadual . Os agentes políticos, que não estão estruturados com cargos de carreira, como ocorre no caso com os vereadores, por força do dispositivo constitucional citado, são remunerados através de subsídios fixados em parcela única, não podendo ser equiparados aos trabalhadores ou aos servidores públicos, eis que inexiste vínculo permanente com o Poder Público e, de conseqüência, não podem a eles ser estendido os benefícios dos artigos 7º e 39 , § 3º da Constituição Federal , dentre os quais se relaciona o 13º salário. Ação direta de inconstitucionalidade procedente (TJGO, ADIN nº 390-4/200 (200800729522), j. 11/12/2008, g.n.).

O tema vem sendo trato, igualmente, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Essa Corte também reconhece a inconstitucionalidade de leis que prevêem gratificações natalinas aos prefeitos e vice-prefeitos, como demonstram os seguintes julgados:

ADIN. LEI Nº 1456/07 DO MUNICÍPIO DE BRAGA, QUE DISPÕE SOBRE O PAGAMENTO DE GRATIFICAÇÃO NATALINA AO PREFEITO, VICE E VEREADORES, E 1/3 SOBRE AS FÉRIAS, INCLUSIVE COM PAGAMENTOS RETROATIVOS. INCONSTITUCIONALIDADE. DETENTORES DO MANDATO ELETIVO, PREFEITOS, VICES E EDIS SÓ PODEM SER REMUNERADOS POR SUBSÍDIOS FIXADOS EM PARCELA ÚNICA, VEDADO O ACRÉSCIMO DE QUALQUER GRATIFICAÇÃO (ART. 39, §§ 3º E 4º DA CARTA FEDERAL). VANTAGENS PECUNIÁRIAS CONCEDIDAS APENAS A "SERVIDORES OCUPANTES DE CARGO PÚBLICO", NÃO AOS "DETENTORES DE MANDATO ELETIVO". SE A CONSTITUIÇÃO LHES QUISESSE ADICIONAR VANTAGENS O TERIA FEITO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DECRETADA, COM FUNDAMENTO NOS ARTS. 29, V, 37, XIII, 39, §§ 3º E 4º DA CARTA FEDERAL E ARTS. 8º E 11 DA CARTA ESTADUAL. ADIN PROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70024830978, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vasco Della Giustina, Julgado em 20/10/2008)

ADIN. GRATIFICAÇÃO NATALINA. PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADORES. CARGOS ELETIVOS. Afronta aos arts. 8º, da CE, e 39, §§ 3º e 4º, da CF. Em se tratando de cargos eletivos, inviável a gratificação natalina. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. VOTOS VENCIDOS. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70017993908, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Augusto Monte Lopes, Julgado em 07/05/2007)

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do o art. 5º da Lei Municipal nº 6.875, de 15 de dezembro de 2008, do Município de Marília.

São Paulo, 17 de julho de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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