Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 176.012-0/5-00

Requerente: Prefeito Municipal de Jundiaí

Objeto: Lei n. 7.192, de 17 de novembro de 2008, do Município de Jundiaí

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 7.192/08 do Município de Jundiaí. Responsabilidade civil objetiva por furto, roubo e dano em veículos usuários do estacionamento rotativo e remunerado em vias e logradouros públicos mediante indenização tarifada por percentuais diferenciados conforme o menor valor do bem. Iniciativa parlamentar. Violação do princípio da separação de poderes. Matéria da reserva de administração, ainda que não constitua serviço público, mas, utilização privativa, remunerada e transitória de bem público de uso comum do povo. Ofensa aos princípios da igualdade e da razoabilidade. Procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial,

Douto Relator:

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 7.192, de 17 de novembro de 2008, do Município de Jundiaí, que, alterando a Lei n. 5.654, de 2001, estabelece medidas de reparação dos danos de proprietários de veículos automotores usuários do sistema de estacionamento rotativo. Alega-se ofensa aos arts. 5º, 47, XVIII, e 144 da Constituição Estadual (fls. 02/09). Deferida liminar suspendendo a eficácia da lei (fl. 24), vieram informações (fls. 31/32).

2.                Merece ser julgada procedente a ação.

3.                A Lei n. 7.192, de 17 de novembro de 2008, alterou o art. 2º da Lei n. 5.654, de 13 de agosto de 2001, acrescentando-lhe o § 3º que prevê a responsabilidade da empresa operadora pela reparação nos casos de dano, furto e roubo, e em seus incisos valores diferenciados de indenização tomando por base o valor de mercado do veículo, bem como o § 4º que exonera a obrigação se houver seguro voluntário.

4.                A lei é fruto de iniciativa parlamentar.

5.                A Lei n. 5.654, de 13 de agosto de 2001, criou nas vias e logradouros públicos áreas de estacionamento rotativo, destinadas a veículos automotores, mediante remuneração.

6.                Não há indicação nos textos legais locais da possibilidade da delegação dessa atividade a particular. Isso descarta a análise de matéria de fato no âmbito estreito do controle objetivo e abstrato de constitucionalidade, não obstante a potencial perspectiva dessa questão à luz dos arts. 117 e 119 a 121 da Constituição Estadual.

7.                Não se afigura violação do princípio da separação dos poderes, mediante desrespeito ao mecanismo de iniciativa legislativa reservada, porque não versa a lei sobre serviço público.

8.                Com efeito, o estacionamento remunerado rotativo em vias e logradouros públicos reflete o exercício da gestão administrativo-patrimonial sobre a utilização privativa de bens públicos de uso comum do povo. E sob este ângulo, denota-se a violação ao princípio da separação dos poderes pela usurpação da reserva da administração, perceptível dos incisos II e XIV do art. 47 c.c. o art. 5º, da Constituição Estadual, aplicável aos Municípios por força de seu art. 144.

9.                Recente julgado deste colendo Órgão Especial ressalta a importância do princípio da reserva de administração no contexto da separação de poderes (TJSP, ADI 172.331-0/1-00, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009), bem explicado pelo Ministro Celso de Mello:

“O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais.  Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

10.               Considerando a abertura da jurisdição constitucional, entendo, ademais, caracterizada violação aos princípios da razoabilidade, da isonomia e da responsabilidade civil estatal, dispostos nos arts. 111 e 115, § 4º, da Constituição Estadual.

11.              De fato, o tarifamento da reparação civil imposta ao poder público (ou, eventualmente, ao executor privado da atividade administrativa) é resultante de percentuais aplicados ao valor de mercado do veículo furtado, roubado ou danificado, numa ordem que valoriza os veículos de menor expressão econômica. Isso demonstra incompatibilidade com o princípio da isonomia compreendido no seio da impessoalidade constante do art. 111 da Constituição Paulista.

12.              Por sua vez, o tarifamento de reparação civil não atende ao princípio geral de direito da restitutio in integrum, fator indicativo da falta de razoabilidade, inscrita no citado art. 111. E, embalado pelo mesmo princípio, carece razoabilidade a lei agravar o erário, direta ou indiretamente, por danos ocorridos em propriedade de terceiro que utilizava privativamente parcela de bem público de uso comum do povo, ainda que mediante consentimento estatal e remuneração. Isso implica extensão da responsabilidade objetiva à eventual omissão a despeito de uma concreta e determinada situação reveladora da faute du service, tornando o Estado (ou quem faça suas vezes) segurador geral.

13.              A essa premissa converge interpretação que se extrai do art. 115, § 4º, da Constituição Estadual, na medida em que a responsabilidade civil objetiva estatal se assenta sobre ação ou omissão decorrente da prestação de serviço público, e não da utilização privativa de bem público.

14.               Em harmonia com o exposto, opino pela procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 7.192, de 17 de novembro de 2008, do Município de Jundiaí.            

São Paulo, 04 de junho de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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