Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 176.533.0/2

Requerente: Prefeito do Município de Santa Isabel

Objeto: art. 9º, inc. XII, alínea “c” (parte final), da Lei Orgânica do Município de Santa Isabel 

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, tendo por objeto o art. 9º, inc. XII, alínea “c” (parte final), da Lei Orgânica do Município de Santa Isabel, que obriga o Chefe do Executivo a submeter à aprovação da Câmara a tarifa estipulada para a remuneração do transporte público. Dispositivo que representa indevida ingerência do Poder Legislativo na gestão do Município. Ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 5º da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Santa Isabel, tendo por objeto a parte final do art. 9º, inc. XII, alínea “c”, da Lei Orgânica do Município de Santa Isabel.

Sustenta o autor que o dispositivo em questão se traduz em ofensa ao princípio da separação dos poderes, pois obriga o Chefe do Executivo a submeter à aprovação da Câmara a tarifa do transporte coletivo, em descompasso com o art. 120 da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 122/123).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 137 e ss., prestando informações sobre o processo legislativo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 151/153).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

O transporte público é remunerado por meio de tarifa, como, aliás, está previsto expressamente no art. 120 da Constituição do Estado de São Paulo.

A tarifa é, segundo a doutrina, o preço público fixado pela Administração prévia e unilateralmente, por ato do Poder Executivo. Esse aspecto a distingue da taxa, que se constitui em espécie tributária.

Enquanto a taxa deve ser instituída por lei, a tarifa “pode ser estabelecida e modificada por decreto ou por outro ato administrativo, desde que a lei autorize a remuneração da utilidade ou do serviço por preço” (Hely Lopes Meirelles. Direito municipal brasileiro. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 165).

O Poder Executivo deve fixar a tarifa de modo a custear o serviço prestado e a possibilitar o seu aprimoramento. Deve buscar, sempre, o equilíbrio econômico financeiro do contrato de concessão ou permissão. É legítima, ademais, a retribuição que considera o capital investido e estimula a iniciativa popular na prestação do serviço de utilidade pública.

Nesse panorama, a parte final do dispositivo impugnado se traduz, efetivamente, em indevida ingerência do Poder Legislativo na Administração do Município:

Art. 9º - Ao Município compete, privativamente, legislar sobre assuntos de interesse local, cabendo-lhe, dentre outras, as seguintes atribuições:

...

XII – regulamentar a utilização dos logradouros públicos, e, especialmente, no perímetro urbano:

...

c) conceder, permitir ou autorizar serviços de transportes coletivos e de táxis, e fixar as respectivas tarifas, mediante aprovação da Câmara Municipal;

De fato, não cabe à Câmara Municipal aprovar tarifas. É o Prefeito quem a quantifica, atento às peculiaridades do contrato de concessão ou permissão e ao custo operacional do serviço oferecido à comunidade.

A tarifa remunera serviços pró-cidadãos, ou seja, aqueles que atendem a necessidades pessoais dos usuários. Como tais serviços interessam a pessoas determinadas, a umas mais, a outras menos, são custeados onerando-se unicamente os seus beneficiários.

A taxa, ao contrário, serve para a remuneração dos serviços pró-comunidade, ou seja, que se fundam no interesse coletivo e, desse modo, são prestados em caráter compulsório.

Se fosse permitido à Câmara Municipal desaprovar a tarifa fixada pelo Prefeito para o custeio do transporte público, quiçá estabelecendo um preço menor, o Legislativo estaria interferindo no contrato de concessão, em prejuízo das partes, ou repassando para a coletividade o ônus gerado pelo desequilíbrio da relação custeio-remuneração da utilidade prestada.

A redação do dispositivo impugnado decorre, certamente, do equívoco do legislador local acerca da natureza jurídica do preço público que remunera o transporte coletivo, algo que acontece com alguma freqüência e recebeu a seguinte censura de Hely:

Lamentável é que o legislador e o administrador tão freqüentemente confundam essas duas modalidades de remuneração, instituindo uma pela outra, ou sinonimizando os termos – taxa e tarifa -, quando expressam conceitos fundamentalmente diversos e produzem conseqüências jurídicas bem diferenciadas (ob. cit, p. 166).

Em suma, a expressão “mediante aprovação da Câmara Municipal” contida na parte final do dispositivo em análise se constitui em ofensa ao princípio da separação dos poderes, demandando a declaração de sua inconstitucionalidade:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN nº 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Diante do exposto, opino pela procedência da presente ação direta, para se declarar a inconstitucionalidade da expressão “mediante aprovação da Câmara Municipal” contida na parte final do art. 9º, inc. XII, alínea “c”, da Lei Orgânica do Município de Santa Isabel.

 

São Paulo, 15 de julho de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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