Parecer
Processo n. 176.954-0/3-00
Requerente: Prefeitura Municipal de Euclides da Cunha Paulista
Objeto: art. 134 da Lei Complementar n. 04/93 de Euclides da Cunha Paulista
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 04/93 do Município de Euclides da Cunha Paulista. Vinculação do vencimento de servidor público a múltiplos de salário mínimo.
1. É admissível a lei estabelecer piso remuneratório para servidores públicos, vedada a vinculação do vencimento a múltiplos de salário mínimo.
2. O art. 134 da lei local agride o inciso XV do art. 115 da Constituição Estadual porque, para além de estabelecer piso remuneratório, vincula remuneração de servidor público ao salário mínimo em desobediência ao disposto na Constituição Federal (art. 7º, IV), expressamente referida na parte final do preceito enfocado.
4. Declaração parcial de inconstitucionalidade do art. 134 da Lei Complementar n. 04/93 com redução de texto para erradicar a expressão “nunca inferior a 1,5 (um e meio) salário mínimo fixados pelo Governo Federal”.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito do Município de Euclides da Cunha Paulista impugnando o art. 134 da Lei Complementar n. 04/93 que vincula o vencimento de servidor público a múltiplos de salário mínimo, alegando afronta aos art. 7º, IV, da Constituição Federal, art. 3º da Lei n. 7.789/89, e art. 115, XV, da Constituição Estadual (fls. 02/08).
2. A
liminar foi deferida para erradicar do art.
3. A Câmara Municipal assevera que a expressão suspensa pela liminar “cria um piso salarial para os servidores municipais vinculado a múltiplos do salário mínimo e ainda subtrai do Poder Executivo Municipal o poder discricionário para fixar os vencimentos de seus servidores, na medida em que atribui ao Governo Federal poder para fazê-lo”, razão pela postula a declaração parcial de inconstitucionalidade (fls. 77/78).
4. A douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da intervenção no processo (fls. 80/82).
5. É o relatório.
6. O
processo objetivo de fiscalização abstrata, concentrada e direta de
constitucionalidade de leis e atos normativos municipais é de competência exclusiva do Tribunal de
Justiça do Estado e tem como único parâmetro a Constituição Estadual, nos termos
do art. 125, § 2º, da Constituição Federal, ainda que reproduzindo ou imitando
preceito da Constituição Federal, sendo insuscetível, ademais, o contraste
frontal com preceitos da Constituição ou de leis infraconstitucionais.
7. Se é certo que o piso salarial lato sensu dos servidores públicos não
pode ser inferior ao salário mínimo, nem por isso se legítima a vinculação de
seu vencimento ao salário mínimo. Neste sentido manifesta a doutrina:
“A Constituição garante aos trabalhadores em
geral, e, por decorrência de seu regime jurídico, aos empregados públicos,
salário-mínimo e piso salarial (art. 7°, IV e V). Quando tratou dos servidores
públicos, estendeu-lhes o salário-mínimo no art. 39, § 3°, e, no mais, o
estabelecimento da relação entre a maior e a menor remuneração (art. 39, § 5°),
entendendo-se que esse piso (salário-mínimo) é direito fundamental social de
todo o trabalhador público ou privado, e nada impede que constituições ou leis
estaduais (como a Constituição de Estado de Santa Catarina no art. 27, I) ou
leis municipais cunhem regra de inadmissibilidade da percepção de subsídios ou
vencimentos em valor inferior ao salário-mínimo, porque isso é inerência do
sistema, tanto que o Supremo Tribunal Federal explicitou que o salário-mínimo é
constitucionalmente previsto como piso remuneratório do servidor público, e,
destarte, a lei não poderá fixar valor inferior a esse piso. O que não é
tolerado é o emprego do
salário-mínimo como indexador dos vencimentos dos servidores públicos (Supremo
Tribunal Federal, Súmula Vinculante 04).
Na Lei n. 8.112/90, o direito de percepção de
vencimentos iguais ou superiores ao salário-mínimo refere-se ao vencimento,
isto é, ao padrão, a remuneração básica, conforme se infere de seus arts. 40 e
41. Com efeito, o art. 40 enuncia que o vencimento é a retribuição pecuniária
pelo exercício de cargo público e seu parágrafo único que nenhum servidor
receberá, a título de vencimento, importância inferior ao salário-mínimo,
enquanto o art. 41 conceitua remuneração no sentido de vencimentos, isto é, o
vencimento do cargo efetivo acrescido das vantagens pecuniárias permanentes.
Entretanto, a orientação pretoriana comunga de sentimento mais amplo,
proclamando que o piso se relaciona à remuneração total do servidor público, e
não apenas ao seu vencimento-base ou padrão, o que é mais vantajoso para o
servidor público.
A vinculação de um piso salarial conferido a
uma carreira do funcionalismo público a múltiplo de salários mínimos é defesa
porque ofende o art. 7°, IV, in fine,
da Constituição Federal, assim como o reajuste automático vinculado a
indexadores futuros por implicar proibida vinculação de receita de impostos com
despesa pública (art. 167, IV, Constituição), porque, para além, isso
importaria em suprimir a reserva legal e a iniciativa legislativa reservada
para promoção da revisão de vencimentos. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula
Vinculante 04, estabelecendo que “salvo os casos previstos na Constituição Federal, o salário mínimo não
pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor
público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”. Por
igual, padece de inconstitucionalidade “a estipulação de piso remuneratório que provoque a automática majoração dos
vencimentos do cargo público vinculado, sempre que ocorra aumento do estipêndio
devido a categoria funcional erigida pelo legislador comum a condição de
paradigma (cargo público vinculante), incide na vedação constitucional que
desautoriza a vinculação de vencimentos para efeito de remuneração de pessoal
do serviço público’(...)” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp.
167-169, n. 26).
8. Como dito, o piso se relaciona à
remuneração total do servidor público, e não apenas ao seu vencimento-base ou
padrão (STF, AI-AgR 418.572-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, 22-04-2003,
v.u., DJ 09-05-2003, p. 55; STF, RE-AgR 304.842-PE, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos
Velloso, 12-11-2002, v.u., DJ 19-12-2002, p. 118), mas, não pode servir como
técnica de reajuste automático (STF, ADI-MC 1.070-MS, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Celso de Mello, 23-11-1994, v.u., DJ 15-09-1995, p. 29.507), pois, a vinculação
de salário profissional a múltiplos do salário mínimo viola o art. 7º, IV, da
Constituição Federal (STF, AI-AgR 357.477-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, 27-09-2005, v.u., DJ 14-10-2005, p. 09; STF, RE-AgR 292.659-PR, 2ª
Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, 26-06-2001, v.u., DJ 31-08-2001, p. 62; STF,
RE 273.205-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, 26-02-2002, v.u., DJ
19-04-2002, p. 62). E, com maior ênfase, proclama:
“POLICIAL MILITAR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. SOLDO. COMPLEMENTAÇÃO.
ACÓRDÃO QUE LHE RECONHECEU O DIREITO DE TER AS VANTAGENS CALCULADAS COM BASE NO
SALÁRIO MÍNIMO. Conquanto o salário mínimo seja constitucionalmente previsto
como piso remuneratório do servidor público, a teor da norma do art. 39, § 2º,
c/c o art. 7º, IV, da Constituição, disso não resulta que a remuneração do
pessoal da Administração Pública possa ser fixada em múltiplos do referido
índice, sem ofensa aos princípios constitucionais acima apontados (ADI 45, Rel.
Min. Celso de Mello). Recurso extraordinário conhecido e provido” (STF, RE
204.645-ES, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, 24-11-1998, v.u., DJ 23-04-1999).
“AGRAVO REGIMENTAL
9. Invocável, ainda, o teor da
Súmula Vinculante n. 04 do Supremo Tribunal Federal:
“Salvo nos casos previstos na Constituição, o
salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem
de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”.
10. Averbe-se, por oportuno, que a
solução da lide não transita pelo contraste da lei local com a súmula
vinculante. A teor do art. 103-A da Constituição Federal implantado pela Emenda
n. 45/04 e da Lei n. 11.417/06, a eficácia vinculante da súmula se dirige
exclusivamente a atos administrativos ou decisões judiciais, não a atos
normativos, motivo que indica a persistência do interesse de agir.
11. A redação do art. 134 da lei local
agride frontalmente o inciso XV do art. 115 da Constituição do Estado de São
Paulo – aplicável por obra de seu art. 144 – em sua redação vigente ou
pretérita (que é substancialmente idêntica) porque, para além de estabelecer
piso remuneratório, vincula remuneração de servidor público ao salário mínimo
em desobediência ao disposto na Constituição Federal (art. 7º, IV),
expressamente referida na parte final do preceito enfocado.
12. Ademais, a sujeição à variação do
valor do salário mínimo implica vilipêndio à autonomia municipal e à iniciativa
reservada do Chefe do Poder Executivo local e ofensa ao princípio da reserva
legal para fixação e reajuste da remuneração do servidor público, patenteando
agressão aos arts. 5º, § 1º, 24, § 2º, 1, e115, XI, da Constituição Estadual,
aplicável na órbita municipal ex vi de
seus arts. 144 e 297.
13. Entretanto, razão assiste ao que
foi preconizado nas informações da Câmara Municipal. A inconstitucionalidade consiste
apenas na expressão “nunca inferior a 1,5 (um e meio) salário mínimo fixados
pelo Governo Federal”, pois, o remanescente do preceito legal não está tisnado.
14. Destarte, opino pela declaração
parcial de inconstitucionalidade do art. 134 da Lei Complementar n. 04/93 com
redução de texto para erradicar a expressão “nunca inferior a 1,5 (um e meio)
salário mínimo fixados pelo Governo Federal”.
São Paulo, 05 de julho de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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