Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 177.003-0/1

Requerente: Partido Trabalhista Brasileiro - PTB

Objeto: Lei Complementar nº 3.986, de 2 de março de 2009, do Município de Lucélia

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, tendo por objeto a Lei Complementar nº 3.986, de 2 de março de 2009, do Município de Lucélia, que “dispõe sobre a criação de Secretarias que especifica e dá outras providências”. Alegação de que a lei, que nasceu no Poder Executivo, não foi precedida de estudo do impacto orçamentário-financeiro, violando, portanto, o art. 169, § 1º, da CF ou o art. 25 da CE. Precedentes do STF no sentido de que a comprovação do alegado demandaria análise casuística incompatível com o processo objetivo de controle de constitucionalidade. Impossibilidade, ademais, da análise conjugada de espécies normativas diversas no âmbito da ADIN. Parecer pela improcedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, tendo por objeto a Lei Complementar nº 3.986, de 2 de março de 2009, do Município de Lucélia, que “dispõe sobre a criação de Secretarias que especifica e dá outras providências.

Sustenta o autor que a lei impugnada criou Secretarias na estrutura administrativa do Poder Executivo Municipal, sem que houvesse previsão orçamentária, em descompasso, portanto, com o art. 25 da Constituição do Estado. Além disso, o ato normativo prevê a remuneração de Diretores em desacordo com o que preconiza a Lei nº 3.912, de 7 de abril de 2008, cuja constitucionalidade já fora afirmada pelo E. Tribunal de Justiça.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 66/67).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 73 e ss., prestando informações sobre o processo legislativo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 253/259).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Nota-se que a Lei Complementar nº 3.986, de 2 de março de 2009, criou sete secretarias na estrutura administrativa de Lucélia. É lícito supor que, anteriormente a ela, o Prefeito era assessorado por Diretores, ocupantes de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração.

Estabelece-se essa suposição lembrando-se que, recentemente, esse C. Órgão Especial foi instado a se pronunciar (ADIN nº 164.491-0/7) sobre a constitucionalidade (que foi afirmada) do art. 3º da Lei nº 3.912/08, do mesmo Município, vazado nos seguintes termos:

Ficam fixadas em R$ 2.900,00 (dois mil e novecentos reais) as remunerações de Secretário Municipal ou Diretor equivalente, nos termos do artigo 35, inciso XX, da Lei Orgânica do Município de Lucélia/SP.

Esse dispositivo previa em Lucélia a existência de Diretor com o status de Secretário, opção admissível diante das peculiaridades do Município.

Estabelecida essa premissa, nada impede que lei nova reestruture a Administração, criando secretarias e reposicionando os cargos de Diretores no atual organograma, especialmente quando se constata que os tais Diretores ocupam cargos de provimento em comissão. Eles não têm estabilidade no cargo, nem podem se opôr legitimamente à nova feição da Prefeitura, que, eventualmente, os relaciona à nova escala de vencimentos.

De fato, “a organização dos serviços públicos locais constitui outra prerrogativa assegurada da autonomia administrativa do Município. Nem se compreenderia que uma entidade autônoma, política e financeiramente, não dispusesse de liberdade na instituição e regulamentação de seus serviços” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro. 16ª. ed.,  São Paulo: Malheiros, 2008, p. 113).

No caso vertente, a lei em análise, ao que consta, deriva de processo legislativo regular.

Seu projeto nasceu no Poder Executivo, como deve ocorrer em relação às leis que tratam da organização administrativa. E, sendo concebida no Poder Executivo, a inexistência da dotação orçamentária não se presume, nem pode ser sindicada no curso da ação direta.

O Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento de que não é possível analisar, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a transgressão do art. 169 da Constituição Federal.

É que a verificação da existência de recursos financeiros para fazer frente às despesas instituídas pelo ato inquinado depende de análise casuística, incompatível com o processo objetivo.

Se não bastasse – e sempre de acordo com pacífica jurisprudência da Corte Constitucional – a eventual inexistência dos recursos, ou melhor, da autorização de despesa na Lei de Diretrizes Orçamentárias acarretaria, apenas, a impossibilidade da realização da despesa no exercício de vigência da LDO, sem a invalidação da lei objurgada (RTJ 137/1067, rel. Min. CÉLIO BORJA).

Nesse sentido, confiram-se:

“Impossibilidade do confronto da norma em apreço com caput do art. 169 da Constituição, sem apreciação de matéria de fato, circunstância bastante para inviabilizar, neste ponto, a ação direta de inconstitucionalidade.

De outra parte, a ausência de autorização específica, na lei de diretrizes orçamentárias, de despesa alusiva a nova vantagem funcional, não acarreta a inconstitucionalidade da lei que a instituiu, face à norma do art. 169, parágrafo único, inc. II, da CF, impedindo tão-somente a sua aplicação” (ADIN 1.292-MT, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, g.n.).

Ou ainda:

“Despesas de pessoal: limite de fixação delegada pela Constituição à lei complementar (CF, art. 169), o que reduz sua eventual superação à questão de ilegalidade e só mediata ou reflexamente de inconstitucionalidade, a cuja verificação não se presta a ação direta; existência, ademais, no ponto, de controvérsia de fato para cujo deslinde igualmente é inadequada a via do controle abstrato de constitucionalidade. II. Despesas de pessoal: aumento subordinado à existência de dotação orçamentária suficiente e de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias (CF, art. 169, parág. único, I e II): além de a sua verificação em concreto depender da solução de controvérsia de fato sobre a suficiência da dotação orçamentária e da interpretação da LDO, inclina-se a jurisprudência do STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo: precedentes.” (ADI 1.585, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 03/04/98)

Idêntica solução se divisa na verificação de compatibilidade da lei municipal impugnada com o art. 25 da Constituição do Estado, que mutatis mutandis, reproduz o comando do art. 169, inc. I, da Carta Republicana.

Sendo assim, é inviável a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 3.986/2009 pela suposição de que a reorganização administrativa não se conteria no orçamento.

Também não é possível o reconhecimento da invalidade do ato normativo pela consequência possivelmente advinda da reestruturação, que é a alteração da referência salarial dos Diretores. Não se pode trazer ao debate a questão da aplicação da Lei nº 3.912/2008 para a definição da remuneração desses cargos, pois, na ação direta de inconstitucionalidade só se admite o cotejo da lei impugnada, no caso a Lei Complementar nº 3.986/2009, com o parâmetro constitucional de controle.

Não se permite, em outras palavras, a verificação de circunstância fática ou a análise conjugada de espécies normativas infraconstitucionais.  No restrito âmbito do controle abstrato de normas que se desenvolve perante o Tribunal com fundamento no art. 125, § 2.º, da Constituição Federal não existe espaço para o que a jurisprudência denomina de inconstitucionalidade reflexa ou indireta. 

A propósito dela, “o Supremo Tribunal Federal tem orientação assentada no sentido da impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais ou de matéria de fato” (RTJ 164/897).

De resto, a irredutibilidade de vencimentos prevista no art. 37, inc. XV, da Constituição Federal, de modo algum se constitui em óbice à reestruturação administrativa. O comando normativo representa uma garantia do servidor, enquanto ocupante do cargo. Não impede a redução do salário para o futuro:

"É firme a jurisprudência do STF no sentido de que a garantia do direito adquirido não impede a modificação para o futuro do regime de vencimentos do servidor público. Assim, e desde que não implique diminuição no quantum percebido pelo servidor, é perfeitamente possível a modificação no critério de cálculo de sua remuneração." (AI 450.268-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 3-5-05, DJ de 27-5-05)

Diante do exposto, opino pela improcedência desta ação direta.

 

São Paulo, 19 de outubro de 2009.

 

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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