Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 178.123.0/6-00

Requerente: Prefeito do Município de Santa Isabel

Objeto: Inciso XXII do art. 69 da Lei Orgânica do Município de Santa Isabel

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, tendo por objeto o inciso XXIII do art. 69 da Lei Orgânica do Município de Santa Isabel, que obriga o chefe do Poder Executivo a enviar mensalmente à Câmara Municipal cópias certificadas dos processos licitatórios realizados. Dispositivo que exorbita a função fiscalizatória e representa a interferência do Poder Legislativo em atos de gestão (arts. 5º e 144 da Constituição do Estado). Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Santa Isabel, tendo por objeto o inciso XXIII do art. 69 da Lei Orgânica do Município de Santa Isabel.

Referido dispositivo obriga o Prefeito Municipal a “enviar à Câmara Municipal, até o dia dez de cada mês, cópia certificada dos processos licitatórios realizados no mês anterior”.

Segundo o promovente, a exigência desborda os parâmetros constitucionais do controle parlamentar, violando, em conseqüência, o princípio da separação dos poderes, contido no art. 5º da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 82/91).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 109/132, em defesa do ato normativo. Afirmou que o dispositivo impugnado resultou de Emenda à Lei Orgânica proposta por Vereador e que visa à concretização do controle externo que a Câmara Municipal deve exercer sobre o Chefe do Poder Executivo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 105/107).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

O dispositivo objurgado tem a seguinte redação:

Art. 69 – Compete, privativamente, ao Prefeito Municipal:

XXIII – enviar à Câmara Municipal, até o dia dez de cada mês, cópia certificada dos processos licitatórios realizados no mês anterior

A exigência legal é, de fato, inconstitucional.

A Constituição do Estado prevê o seguinte:

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

O poder de fiscalização da Câmara se faz de diversos modos, com acentua José Afonso da Silva, efetivando-se mediante pedidos de informação ao Prefeito, convocação de auxiliares diretos deste, investigação por comissão especial de inquérito e a tomada e julgamento de contas da Administração (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, 5ª ed., p. 543). 

José Nilo de Castro reitera essa lição e adverte: não é porque a Câmara detém o poder de fiscalização orçamentária, financeira, operacional e patrimonial do Município que poderá instituir, aqui e alhures, mecanismos de controle outros que não os previstos na Constituição Federal, reproduzidos na Estadual e inseridos na Lei Orgânica.

Segundo o autor, “não se admite, e se repele, enfaticamente, porque o regime constitucional não elenca a hipótese, gestos e iniciativas da Câmara Municipal, com feição e perfil de permanente devassa no Executivo, operada pelo Legislativo (...). Não é despiciendo repetir: a Constituição Federal é a sede própria em que se definem ‘as atribuições fundamentais de cada poder e onde são delineados os instrumentos que se integram no sistema de freios e contrapesos, mediante o qual um poder limita a ação do outro’ (RDA 161/171). Porque não há regra paradigmática alguma a respeito, na Constituição da República, é que se revela à Câmara Municipal impossível juridicamente estabelecer outros mecanismos de fiscalização senão os já previstos na vigente ordem constitucional” (José Nilo de Castro, 'Direito Municipal Positivo', Del Rey, 1991, p. 97/98, g.n.).

A Constituição do Estado de São Paulo prevê a investigação por parte do Legislativo sobre atos do Executivo, nos seguintes termos:

Art. 13 - A Assembléia Legislativa terá Comissões permanentes e temporárias, na forma e com as atribuições previstas no Regimento Interno.

§ 2º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no Regimento Interno, serão criadas mediante requerimento de um terço dos membros da Assembléia Legislativa, para apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, quando for o caso, encaminhadas aos órgãos competentes do Estado para que promovam a responsabilidade civil e criminal de quem de direito.

Art. 20 - Compete, exclusivamente, à Assembléia Legislativa:

X - Fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, inclusive da administração descentralizada;

XVI - requisitar informações dos Secretários de Estado, dirigentes, diretores e superintendentes de órgãos da administração pública indireta ou fundacional, e do Procurador-Geral de Justiça, dos reitores das universidades públicas estaduais sobre assunto relacionado com sua pasta ou instituição, importando crime de responsabilidade não só a recusa ou o não atendimento, no prazo de trinta dias, senão também o fornecimento de informações falsas;

Art. 32 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado, das entidades da administração direta e indireta e das fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e referência de receitas, será exercida pela Assembléia Legislativa, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único - Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou de direito privado, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais o Estado responda, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza pecuniária.

Art. 33 - O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete (...)

Artigo 150 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Município e de todas as entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, finalidade, motivação, moralidade, publicidade e interesse público, aplicação de subvenções e renúncia de receitas, será exercida pela Câmara Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno de cada Poder, na forma da respectiva lei orgânica, em conformidade com o disposto no artigo 31 da Constituição Federal.

Disso decorre que a Câmara Municipal – a quem as disposições transcritas são aplicáveis por força do art. 144 da Constituição do Estado – tem poderes para efetuar a fiscalização da Administração Pública através da requisição de informações, a qualquer tempo. Havendo fato determinado a ser investigado, poderá instaurar comissão parlamentar para investigação completa. Finalmente, e sempre nos termos da Constituição, a Câmara Municipal votará as contas finais do Executivo, aprovando-as ou não, após parecer do Tribunal de Contas do Estado.

Essas prerrogativas, entretanto, não equivalem, por absoluta dissonância com o modelo Estadual, à faculdade conferida pela lei local ao Poder Legislativo de receber cópia integral de todos os processos licitatórios mensalmente.

Por fim, a matéria já foi apreciada pelo C. Órgão Especial (cf. ADIN nº 43.754.0/5-00, rel. Des. Gentil Leite, j. 1 jul 98; ADIN 95.055-0/0, rel. Des. Gildo dos Santos, j. 2 fev. 2003), com o reconhecimento da inconstitucionalidade de dispositivos de lei análogos.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do inciso XXIII do art. 69 da Lei Orgânica do Município de Santa Isabel.

 

São Paulo, 12 de agosto de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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