Parecer
Autos nº. 178.172-0/9-00
Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Preto
Objeto: Lei nº 10.260, de 19 de dezembro de 2008, do Município de São José do Rio Preto
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Cuida-se de ação direta objetivando a
declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 10.260, de 19 de dezembro de 2008, do Município de São José do
Rio Preto, que permite “a
cobertura provisória sobre o recuo frontal para utilização de garagem nos
prédios residenciais unifamiliares”.
Argumenta o autor que
essa lei, de iniciativa parlamentar (e promulgada pelo Presidente da Câmara,
após derrubada de veto total), importa usurpação de atribuições próprias do
Poder Executivo, nomeadamente a ordenação e ocupação do solo urbano, violando
os arts. 5º., 37, 47, incisos II, III e XIV, 111, 144, 180, caput e
incisos I, II e V, e 181, todos da Constituição Estadual.
Foi concedida liminar pela Egrégia
Presidência (fls. 36/38).
A Câmara Municipal prestou informações
(fls. 48/52).
O
Procurador-Geral do Estado deixou de se manifestar sobre o mérito, por entender
a matéria é de interesse exclusivamente local (fls. 66/68).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Assim dispõe a lei impugnada:
“Art.1º - Fica permitida a cobertura provisória sobre o recuo frontal para utilização de garagem nos prédios residenciais unifamiliares.
Art.2º - As despesas com a execução da presente Lei correrão por conta de verba orçamentária própria, suplementada se necessário.”
Resulta claro, da simples leitura do
texto legal, que o Poder Legislativo adentrou competência material e exclusiva
do Poder Executivo, pois claramente emitiu comando que interfere com a
administração municipal.
São confiadas ao Poder Executivo e ao
Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a
estrutura da organização política da República, inclusive quanto ao município,
é que sua parte integrante. Bem por isso a Constituição Federal procurou
estabelecer as atribuições do Poder Executivo e Poder Legislativo, fixando
funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela
Constituição do Estado de São Paulo.
O Prefeito, enquanto chefe do Poder
Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à
atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas
públicas.
Em sua função normal e predominante sobre
as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e
obrigatórias de conduta. Esta é a sua função específica, bem diferenciada da do
Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Por meio da edição de leis, a Câmara ditará
ao prefeito as normas gerais da administração, sem chegar, no entanto, à
prática administrativa. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da
Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com
caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os
mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de
administração (Cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro,
Malheiros, 14ª. ed., 2006, pág. 605).
Aplicado esse raciocínio ao caso em
exame, temos que a tarefa de adaptar a legislação sobre o uso e ocupação do
solo urbano ao plano físico é privativa do Prefeito, que, no exercício dessa
atividade, de natureza tipicamente administrativa, não pode sofrer nenhum tipo
de interferência indevida do Legislativo local.
Bem a propósito, ao examinar essa questão,
o Plenário desse Egrégio Tribunal de Justiça, em antigo aresto relatado pelo
eminente jurista Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, concluiu que
“... constituem matéria
legislativa as regras imperativas, gerais e abstratas que diferenciam as
construções de habitações das de comércio e indústria, e, ainda, distinguem as
habitações, as casas comerciais e industriais, em diversos tipos, e, a final,
prescrevem restrições ao direito de construir, conforme a zona residencial,
comercial ou industrial e de forma mais ou
menos rígida, segundo critérios exclusivos ou de predominância. E mais,
constituem matéria legislativa as regras imperativas gerais e abstratas que
determinam recuos, estabelecem alturas de prédios, normas sobre fachadas e gradis.
Enfim, as que estabelecem as regras imperativas gerais e abstratas de
zoneamento. Já a especificação de uma via pública, no seu todo ou em parte,
se estrita ou prevalentemente residencial é obra administrativa, atividade
concreta e específica de caráter casuístico, em função do desenvolvimento
local, das exigências dos bairros, das manifestações dos próprios logradouros
públicos, em consonância com a fisionomia que assume no seu evolver, suscetível
de se modificar por exigências urbanísticas do Município, interesse dos
munícipes, só possível de ser bem sentidos pelo Executivo, no seu quotidiano
contacto com a vida da cidade, atuando em matéria da sua alçada administrativa,
particularizando a lei” (TJSP, Pleno, RT 289/456).
No mesmo sentido é a lição de Hely:
“a
lei estabelecerá as diretrizes, os critérios, os usos admissíveis, tolerados e
vedados nas zonas previstas; o decreto individualizará as zonas e especificará
os usos concretamente para cada local. O zoneamento, no seu aspecto
programático e normativo, é objeto de lei, mas na sua fase executiva - em
cumprimento da lei - é objeto de decreto” (Cf. ob. cit., pág. 553/554).
Resumindo o ponto até aqui analisado: o
conteúdo da lei impugnada é próprio de ato administrativo, de responsabilidade
do Prefeito, invadindo seara a este reservada e incidindo, pois, em inconstitucionalidade,
por ofensa ao artigo 5º, caput, da Constituição do Estado de São Paulo.
Por fim, além da usurpação da iniciativa
exclusiva do chefe do executivo, aviva-se também a desnecessidade e inocuidade
do diploma atacado, frente ao que dispõe a Lei n. 8.480/01 do mesmo município
que prevê idêntica permissão.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.260, de 19 de dezembro de 2008, do Município de São José do Rio Preto.
São Paulo, 14 de julho de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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