Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 178.557.0/6

Requerente: Prefeito de São José do Rio Preto

Objeto: Lei nº 10.243, de 14 de novembro de 2008, do Município de São José do Rio Preto

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade promovida por Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 10.243, de 14 de novembro de 2008, do Município de São José do Rio Preto, que “permite a utilização de até dois auxiliares, pelos permissionários dos serviços públicos de transporte de passageiros em veículo de aluguel-táxi, e retifica termos da Lei n. 8.626/06”. Matéria que demanda a iniciativa do Chefe do Poder Executivo, porque trata de prestação do serviço público. Afronta aos artigos 5º, 37 e 47, II, da CE, aplicáveis aos Municípios por força do artigo 144 da CE. Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 10.243, de 14 de novembro de 2008, que “permite a utilização de até dois auxiliares, pelos permissionários dos serviços públicos de transporte de passageiros em veículo de aluguel – táxi e retifica termos da Lei n. 8.626/06”.

 Diz o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

Sustenta que a lei impugnada é inconstitucional, por ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 2º. CF; art. 5º. CE), eis que, por meio dela, o Poder Legislativo está ditando a forma como o Administrador deve agir na prestação de determinado serviço público. Afirma, ainda, que referida legislação cria despesa sem a indicação do recurso para suportar sua execução e viola a Lei de Responsabilidade Fiscal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 28).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 41 e ss.).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 54/56).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada tem a seguinte redação:

 

 

LEI Nº 10.243, de 14 de novembro de 2008

Permite a utilização de até dois auxiliares, pelo permissionários dos serviços públicos de transporte de passageiros em veículos de aluguel-táxi, e retifica termos da Lei n. 8.626/06.

Ver. ADNEY SECCHES, Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, usando das atribuições que me são conferidas por lei.

FAÇO SABER que a Câmara Municipal manteve e eu promulgo, nos termos do § 6º do artigo 44 da Lei Orgânica do Município, a seguinte Lei:

Art. 1º - Fica facultado aos permissionários do serviço público de transportes de passageiros em veículos de aluguel –taxi, no Município de São José do Rio Preto, ter até 2(dois) auxiliares.

Parágrafo único- Retificam-se os termos da Lei Municipal n. 8.626, de 14 de maio de 2002, para que onde se lê: “auxiliar”, leia-se “auxiliares”.

 Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Câmara Municipal de São José do Rio Preto, 14 de novembro de 2008.

Ver. ADNEY SECCHES

Presidente da Câmara

 

Como se constata, a referida legislação faculta aos permissionários dos serviços públicos de transporte de passageiros em veículos de aluguel – táxi, no Município de São José do Rio Preto, a utilização de até dois auxiliares.

 

 

De fato, a lei é inconstitucional, ofendendo o artigo 5º, caput, da Constituição do Estado de São Paulo, diante da invasão, pela conduta do Poder Legislativo, de competência exclusiva do Poder Executivo.

São confiadas ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a estrutura da organização política da República, inclusive quanto ao município, é que sua parte integrante. Bem por isso a Constituição Federal procurou estabelecer as atribuições do Poder Executivo e Poder Legislativo, fixando funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela Constituição do Estado de São Paulo.

O Prefeito, enquanto chefe do Poder Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas públicas. Entre os atos de administração ordinária, pode o prefeito ter qualquer atuação voltada para a “conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos” (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 1997, p. 520).

Se deve o prefeito administrar os bens públicos — conservando-os, administrando-os e utilizando-os —, e se tais atos se inserem na condução ordinária da Administração, não é possível que a Câmara Municipal interfira em sua competência, editando lei determina a forma de ocupação de bens públicos, como é o caso presente.

Sobre isso, ensina Hely Lopes Meirelles:

 

 

“Em princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos. (...)

Advirta-se, ainda, que, para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do prefeito.  (em “Direito Municipal Brasileiro”, 9ª ed., pp. 519/520).

Ademais, além de invadir a esfera privativa do Poder Executivo no tocante à realização dos serviços públicos, a lei em tela também interfere na direção superior da administração municipal. O tema da organização da estrutura administrativa deve ser, necessariamente, de iniciativa do Poder Executivo, que tem interesse preponderante em sua organização. E este exercício independe de qualquer autorização legislativa, pois é inerente à atividade do administrador, voltado para a execução ordinária dos serviços públicos.

 

 

 

A não ser assim adentraria o Poder Legislativo na esfera de atribuições do Poder Executivo, o que não se coaduna com o princípio da harmonia e independência entre os poderes.

Conclui-se, portanto, que houve supressão de atribuição reservada do Chefe do Poder Executivo com a conseqüente imposição de normas que ofende diretamente sua iniciativa legislativa, com infringência aos artigos 5º, caput e 44, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

Nestes termos, opino pela procedência do pedido para o fim de se declarar inconstitucional a Lei n. 10.243, de 14 de novembro de 2008, do Município de São José do Rio Preto.

São Paulo, 28 de julho de 2009.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

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