Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 178.611-0/3-00

Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Objeto: Lei nº 10.240, de 14 de Novembro de 2008, do Município de São José do Rio Preto

 

 

Ementa: “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 10.240, de 14 de Novembro de 2008, do Município de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar. Alteração de prazo de garantia de serviço de pavimentação asfáltica, de galeria de águas pluviais e rede de esgoto, realizados em loteamentos. Matéria competência da União. Violação ao princípio federativo (Constituição Estadual: arts. 1º e 144).

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei n. 10.240, de 14 de Novembro de 2008, daquele município, que “Dispõe sobre a garantia das obras em loteamento no Município de São José do Rio Preto e revoga as Leis nºs 4249/88 e 8479-01)”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 55/58).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 72/75, atendo-se tão somente ao trâmite do projeto de lei naquela casa.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 85/87).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A presente ação direta deve ser julgada procedente, muito embora a inconstitucionalidade não se refira à forma apontada (reserva de iniciativa), mas, de fato, ao campo da incompetência material do município.

Ocorre que nem mesmo obliquamente se entreve a reserva de iniciativa do chefe do executivo municipal, que residiria na “Competência Privativa do Prefeito Municipal para iniciativa de Leis que Disponham sobre Matéria que Gere Despesas à Administração Pública” (art.41, inc.IV a Lei Orgânica Municipal e art.61, §1º, letra “b” da Constituição Federal).

Este é o texto da lei impugnada, no que interessa:

         “Art.1º - Ficam os empreendedores de loteamentos obrigados a garantir os serviços de pavimentação asfáltica, de galerias de água pluviais e rede de esgoto executados no Município de São José do Rio Preto, pelo prazo de 10 (dez) anos, a contar da data do recebimento do loteamento pelo Município.”

Pelas letras da lei, smj, nenhum ônus, nenhum encargo, se criou para o município, que acarretasse geração de despesa e que afetasse o orçamento, sob quaisquer prismas que se analise o seu texto.

Pelo contrário, a medida somente viria em defesa do patrimônio público, porquanto a garantia pelas obras e seus ônus restariam depositados sobre os ombros dos empreendedores de loteamento, pelo ampliado prazo, desonerando, por sua vez o município da manutenção e conseqüentes gastos com tal providência.

Assim posta a questão, sob a ótica do vício de iniciativa, não se enxerga a apontada inconstitucionalidade.

No entanto, a vergastada norma não suporta a argumentação de incompetência material do município, para dispor sobre matéria de competência exclusiva da União (art.22, inc.I da CF).

Trata-se de matéria afeta ao direito civil, cuidada no art.618 do Código Civil, nos seguintes termos: “Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.”

Portanto, não poderia o município arvorar-se em legislador nesta seara, sem invadir a competência exclusiva da união.

Deste modo, a legislação municipal que trata de tais temas é inconstitucional, devendo seu vício ser reconhecido por esse E. Órgão Especial, em sede de controle concentrado de normas.

Necessário recordar que, de conformidade com o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, “Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição” (g.n.).

Desse dispositivo se extrai que os princípios estabelecidos pela Constituição Federal são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios.

A mesma idéia pode ser extraída do art. 29, caput, da Constituição Federal, que determina que “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado, e os seguintes preceitos” (g.n.).

Ora, a repartição constitucional de competências entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, é um dos elementos que, de modo concreto, delimita e caracteriza o princípio federativo, sendo certo que este é um dos princípios fundamentais ou estabelecidos pela Constituição Federal, ditando, pois, o exato perfil do Estado Brasileiro.

Traçando esse parâmetro, é viável afirmar que o princípio federativo, por força do art. 1º e 18º da CR/88, por remissão do art. 144 da Constituição do Estado, bem ainda por expressa previsão no art. 1º da própria Carta Bandeirante, é de observância obrigatória, permitindo o controle abstrato de normas no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado.

Atos normativos que violam a repartição constitucional de competências desrespeitam não apenas regras relativas à divisão do poder de editar normas infraconstitucionais, mas desautorizam diretamente uma das opções fundamentais da República Federativa do Brasil, ou seja, o próprio princípio federativo.

Nesse ponto, é relevante anotar que esse Tribunal de Justiça acolhe, com tranquilidade, a tese de que é possível declarar a inconstitucionalidade de lei municipal por violação do princípio da repartição de competências estabelecido na Constituição Federal, como comprova recente julgado (ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. Des. Renato Nalini). Do voto do Des. Walter de Almeida Guilherme se extrai definitiva lição sobre o tema:

“(...) Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I, denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...’.

Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na Constituição Federal.

Assim, quando o referido art. 144 ordena que os Municípios, ao se organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da união, não estão obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art.144 da Constituição do Estado (...)”

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade Lei n. 10.240, de 14 de Novembro de 2008, do Município de São José do Rio Preto, em vista da incompetência material.

São Paulo, 21 de julho de 2009.

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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