Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 178.706-0/7

Requerente: Sindicato dos Funcionários Públicos Municipais de Taboão da Serra

Objeto: Lei nº 1.838/2009 e seu Decreto Regulamentador n. 43, de 26 de março de 2009, do Município  de Taboão da Serra.

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Sindicato dos Funcionários Públicos Municipais de Taboão da Serra, da Lei nº 1.838/2009, que “dispõe sobre a instituição do Vale-Alimentação para os servidores do Município de Taboão da Serra e dá outras providências” e seu Decreto Regulamentador n. 43, de 26 de março de 2009, do Município de Taboão da Serra. Não constatação de inconstitucionalidade da mencionada lei, que implica em ato discricionário do Poder Executivo. Impossibilidade da análise da constitucionalidade do Decreto n. 43/2009, por se tratar de decreto regulamentador de lei e não de decreto autônomo. Parecer pela improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Sindicato dos Funcionários Públicos Municipais de Taboão da Serra, tendo por objeto a Lei nº 1.838/2009, que “dispõe sobre a instituição do Vale-Alimentação para os servidores do Município de Taboão da Serra e dá outras providências” e seu Decreto Regulamentador n. 43, de 26 de março de 2009, do Município de Taboão da Serra.

Sustenta o autor que o Decreto Regulamentador em análise, restringiu o direito à percepção de valores pertinentes ao vale-alimentação aos servidores municipais que percebam mensalmente valor superior de cinco salários mínimos, ou seja, somente concede o benefício alimentar para quem percebe remuneração mensal bruta até R$ 2.325,00 (dois mil trezentos e vinte e cinco reais), restrição essa não prevista pela Lei n. 1.838/2009, que instituiu o vale-alimentação genericamente a todos os servidores do Município de Taboão da Serra.

Por tal razão, houve violação do princípio da isonomia que deve prevalecer no tratamento dos servidores municipais.

Argumenta, ainda, que a instituição do referido benefício, não encontra previsão na Lei orçamentária e no Plano Plurianual, contrariando o inciso I do art. 176 da Constituição Estadual.

Assevera, também, que a cesta básica que anteriormente era concedida a todos os servidores municipais e agora está sendo substituída pelo vale-alimentação, somente para parte dos servidores, é componente do salário - ou vencimento- dos trabalhadores do setor público e, como tal, não pode ser suprimido.

Tal supressão viola o princípio constitucional que veda a irredutibilidade de salário.

O pedido de medida liminar foi indeferido às fls. 183 e vº.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 194/196).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo a fls. fls. 198/199.

O Prefeito do Município de Taboão da serra, igualmente prestou informações, defendendo a constitucionalidade dos dispositivos legais impugnados, fls. 213/234.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A presente ação  deve ser julgada improcedente.

Em primeiro lugar insta observar que o programa de auxílio-alimentação iniciou-se  em 1996, quando foi promulgada a Lei n. 1.119/96, que assegurou o fornecimento de cesta básica de alimentos aos servidores municipais do Município de Taboão da Serra, fls. 236.

Referida lei, foi revogada pela Lei n. 1.838/2009 (fls. 238/239),  que instituiu o Vale-Alimentação aos servidores do Município de Taboão da Serra, o que demonstra ter havido continuação do programa anteriormente mencionado.

Daí porque, o inciso I do art. 176, da Constituição do Estado de São Paulo não foi desrespeitado.

Observe-se, também, que a Lei n. 1.838/2009, de autoria do Executivo, não padece de qualquer inconstitucionalidade na medida em que instituiu o Vale-Alimentação aos servidores do Município de Taboão da Serra, de maneira geral, o que é totalmente permitido, eis que se trata de ato discricionário do Chefe do Poder Executivo, com previsão orçamentária.

No que diz respeito ao Decreto n. 43/2009 (fls. 240/241), o mesmo regulamentou igual matéria da Lei n. 1.838/2009.

Não se trata, pois, de decreto regulamentador autônomo, fato que é relevante para o deslinde da presente demanda.

Por isso, pode-se indagar se teria malferido citado ato normativo os princípios da isonomia e da irredutibilidade de salários, a ofender os arts. 111 e 144,   da  Constituição do Estado de São Paulo.

Há que se remarcar, de inicio, que  somente a lei (não outro ato normativo, como um decreto)  estatui-se como ato a ser sindicado na jurisdição constitucional, e essa é  orientação assente no Supremo Tribunal Federal há  décadas.  Conforme Oswaldo Luiz Palu:

“Decidiu o Supremo Tribunal que, por ex., instruções normativas não se prestam ao controle abstrato de constitucionalidade, por firme no Tribunal a orientação de ser incabível o controle de atos infralegais quando se concretizarem, na realidade, em violação da lei sob a qual foram editados, ainda que, em um juízo de extensão, se possa levar o confronto ao texto da Constituição. Se a autoridade administrativa desobedece a lei à qual deveria observar, tal ato é insuscetível de apreciação pelo controle concentrado; revela-se uma ilegalidade e não uma inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade que autoriza o exercício do controle concentrado é apenas a inconstitucionalidade frontal e direta com a Constituição. Sobremais, o confronto entre o decreto e a lei não se alça no nível da violação das normas da Constituição, configurando ilegalidade a ser apreciada nos casos concretos e não por via de ação direta. Assim  Se o ato normativo, em decorrência de interpretação das leis ou outras espécies normativas equivalentes, vêm a positivar uma  exegese para romper a hierarquia normativa que deve observar em face desses atos estatais primários, aos quais se acha vinculada por nexo de acessoriedade, viciar-se-á de ilegalidade e não de inconstitucionalidade. O eventual extravasamento pelo poder regulamentar, dos limites a que se acha materialmente vinculado, poderá configurar insubordinação administrativa aos comandos da lei. Mesmo que esse vício jurídico resulte, num desdobramento posterior, em uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede concentrada.

Já decidiu a Corte: “Se a interpretação administrativa da lei, que vier a consubstanciar-se em decreto executivo, divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, quer porque tenha este se projetado ultra legem, quer porque tenha permanecido citra legem, quer, ainda, porque tenha investido contra legem, a questão caracterizará, sempre, típica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar, em conseqüência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata. Eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei. Mesmo que a partir desse vício jurídico se possa vislumbrar, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada” (ADin 996-DF, medida cautelar, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 158/54).

Os decretos regulamentares também não se prestam ao controle direto de constitucionalidade, segundo iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal, salvo, alerta o Min. Carlos Velloso, “na hipótese de não existir lei que preceda o ato regulamentar”, quando então poderá ser acoimado de inconstitucional e, assim, sujeito ao controle concentrado”.

Sobre o tema, claramente nesta orientação, decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal, a propósito, ao apreciar a ADIN n. 2.387-0 – DF, em acórdão do qual foi relator o Ministro Marco Aurélio, que “é firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que a questão relativa ao decreto que, a pretexto de regulamentar determinada lei, extrapola o seu âmbito de incidência, é tema que se situa no plano da legalidade, e não no da constitucionalidade”.

Portanto, no caso concreto, pode ter havido extravasão do poder regulamentar, ou seja, extravasão à lei, tratando-se de uma questão de legalidade não de constitucionalidade. Afinal, como já se disse acima, não se trata se decreto autônomo.

O Decreto Regulamentar em questão, de fato violou o princípio da isonomia, na medida em que restringiu o direito ao vale-alimentação a alguns servidores municipais, sem que a lei instituidora de tal benefício o fizesse.

Não desrespeitou, por outro lado, o princípio constitucional que veda a irredutibilidade de salário, na medida  que tanto a cesta básica, como o vale-alimentação são verbas de natureza indenizatória, razão pela qual não podem incorporar a remuneração dos servidores municipais.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da presente ação.

São Paulo, 22 de setembro de 2009.

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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