Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 178.849.0/9

Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Preto

Objeto: Lei nº 9.928, de 27 de julho de 2007, do Município de São José do Rio Preto

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 9.928, de 27 de julho de 2007, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a expedição de alvará especial de funcionamento para bares, lanchonetes e outros, próximos a unidades escolares”. Projeto de vereador. Ato de gestão administrativa incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 5º da Constituição Estadual. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei nº 9.928, de 27 de julho de 2007, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a expedição de alvará especial de funcionamento para bares, lanchonetes e outros, próximos a unidades escolares”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal. Divisa ofensa ao art. 5º da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 19).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 31/39, prestando informações sobre o processo legislativo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 42/44).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A pretexto de “flexibilizar a legislação em vigor, para possibilitar o funcionamento de lanchonetes e outros estabelecimentos próximos a unidades escolares, quando as atividades de ambos os seguimentos não coincidirem em horários” (fls. 34), o Poder Legislativo do Município de São José do Rio Preto concebeu o projeto e aprovou, derrubando o veto do Prefeito, a Lei nº 9.928, de 27 de julho de 2007, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a expedição de alvará especial de funcionamento para bares, lanchonetes e outros, próximos a unidades escolares”.

Essa iniciativa, de fato, configura a quebra do postulado da separação dos poderes.

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos, por exemplo, em que o Poder Legislativo edita um ano normativo que configura, na prática, ato de gestão executiva. Quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art.5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art.2º da Constituição Federal. Há também não observância do disposto no art.47 II e XIV da Constituição Paulista.

Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, envolvendo o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes.

Não é necessário que a lei diga o que o Poder Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

Exatamente esta é a hipótese dos autos.

Na Lei Municipal nº 9.928/07, a pretexto de legislar, a Câmara Municipal editou verdadeiro ato de gestão administrativa, ao determinar que a Administração expeça um “alvará especial de funcionamento” na hipótese que especifica.

Não só dispensável, como inviável se mostra a deliberação legislativa nessa matéria, mormente quando verificado que a iniciativa para a edição da lei partiu de parlamentar. Aquilo que a regra determina para a Administração Pública é algo que se encontra, precisamente, no âmbito da atividade executiva.

Cabe à Administração estabelecer, mediante estudos técnicos ou critérios de conveniência e oportunidade se deve haver um alvará especial de funcionamento de bares, lanchonetes e congêneres situados nas imediações de estabelecimentos de ensino.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Complementar Municipal n ° 1.516, de 13 de agosto de 2003, de iniciativa parlamentar, que estabelece condições para a concessão, renovação e manutenção de alvará de funcionamento dos estabelecimentos de comércio de água mineral no Município de Ribeirão Preto - vício de iniciativa - competência que é privativa do Poder Executivo Municipal - lei que, ao intervir na forma em que se dá o gerenciamento, está usurpando funções que são da incumbência do Poder Executivo - ação procedente (ADIN nº 110.263-0/7, j. 23 de fevereiro de 2005, rel. Ruy Camilo)

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 9.928, de 27 de julho de 2007, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a expedição de alvará especial de funcionamento para bares, lanchonetes e outros, próximos a unidades escolares”.

 

São Paulo, 27 de julho de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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