Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 179.222-0/5

Requerente: Prefeito do Município de Jacareí

Objeto: Lei nº 5.072, de 23 de outubro de 2007, do Município de Jacareí 

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, da Lei nº 5.072, de 23 de outubro de 2007, do Município de Jacareí, que “dispõe sobre o uso de embalagens biodegradáveis para o acondicionamento de produtos e mercadorias pelos estabelecimentos comerciais localizados no Município de Jacareí”. Considerações sobre a competência legislativa do Município em matéria ambiental. Iniciativa parlamentar do ato normativo, que cria ônus para a Administração, decorrente do dever de fiscalizar. Violação ao princípio da separação dos poderes. Criação de despesas, ademais, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 5º, 25, 47 II, e 144 da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Jacareí, tendo por objeto a Lei n.º 5.072/2007, do mesmo município, que “dispõe sobre o uso de embalagens biodegradáveis para o acondicionamento de produtos e mercadorias pelos estabelecimentos comerciais localizados no Município de Jacareí ”.

O promovente esclarece que a lei impõe ao comércio local que utilize, para o acondicionamento de produtos e mercadorias, as embalagens plásticas oxibiodegradáveis (OBD). Alegando que os cientistas controvertem sobre a eficácia dessa medida, sustenta que o tema não se contém no conceito de “interesse local”, porque a proteção ao meio ambiente demanda a edição de lei complementar estadual, nos termos do art. 23, pár. único, 14, da Carta Paulista. Anota, em acréscimo, que o ato normativo foi concebido na Câmara Municipal, com vício de iniciativa (arts. 37; 47, II, II e XIV; e 144, CE), eis que, por meio dele, o Poder Legislativo está ingerindo em assunto de governo, impondo ônus à Administração (dever de regulamentar a lei e fiscalizar o seu cumprimento).

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 118).

O Presidente da Câmara Municipal, embora regularmente notificado, não se manifestou (fls. 131).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 127/130).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Dá-se razão ao Prefeito quando ele diz haver controvérsia acerca da eficácia das denominadas sacolas oxibiodegradáveis, cumprindo registrar que, em São Paulo, a Secretaria do Meio Ambiente recomendou que fosse vetada lei estadual que impunha a obrigatoriedade do uso dessas embalagens, sob o argumento de que são produzidas com aditivos químicos contaminantes do solo e das águas.

Cuidemos, então, do primeiro fundamento jurídico invocado pelo Prefeito, consistente na alegação de que falece ao Município competência legislativa sobre a matéria.

De início, deve-se lembrar que a proteção do meio ambiente foi incluída no rol do art. 24 da Constituição Federal, sendo um dos temas cuja competência é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal.

Para esse assunto, a Carta Política adotou a técnica da competência concorrente não-cumulativa, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais. Cabe aos Estados-membros e o Distrito Federal a edição das normas específicas e minuciosas para adaptar princípios, bases e diretrizes estabelecidas nas regras gerais às peculiaridades regionais. Fica reservado aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual, no que couber (CF, art. 30, II), o que significa dizer que sua competência legislativa relaciona-se aos assuntos de predominante interesse local (cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 303-306; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 579-580).

Ocorre que a Constituição do Estado de São Paulo estabelece, em seu art. 191, o seguinte:

Artigo 191 - O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.

Com base nesse dispositivo, o C. Órgão Especial tem dito que “no atendimento de peculiaridades locais voltadas à preservação, conservação e defesa do meio ambiente natural, artificial ou do trabalho, [a Constituição Estadual] igualmente autoriza a edição legislativa de normas que viabilizem esse desideratum, desde que não incompatíveis com normas estaduais ou federais ex vi de seu artigo 191” (trecho do voto do Des. OSCARLINO MOELLER na ADIN nº 164.487-0/9, j. 4.02.2009, v.u.).

Com essa premissa, a Corte julgou válida lei municipal que instituía a compensação às emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas instaladas na cidade de Valinhos, forte no entendimento de que a regra do art. 144 da Constituição Estadual, de caráter genérico, cede em face da clareza e especificidade do art. 191 citado.

Desse modo, em que pese o vigor da argumentação do Alcaide, ela não convence de que é defeso ao Município legislar sobre a matéria versada no ato impugnado.

De toda sorte, vê-se que a Lei em análise decorre de projeto de autoria da Vereadora ROSE GASPAR (fls. 17) e obriga, sob pena de sanção a ser definida em ato regulamentar (art. 4º), que os estabelecimentos comerciais do Município utilizem de embalagens oxi-biodegradáveis (OBP’s) em seus produtos.

A norma define em que consistem tais embalagens (art. 2º) e estipula em dois anos o prazo para a substituição das embalagens comuns (art. 3º).

Também prevê ações do Poder Executivo, como o dever de regulamentar a lei no prazo de 180 dias e estabelecer penalidades para o caso de descumprimento (art. 4º).

Por tudo isso, é de ser acolhida a tese do vício de iniciativa.

De fato, somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Note-se que, instituindo uma obrigação para o munícipe, como a de usar embalagens biodegradáveis para o acondicionamento de produtos e mercadorias, a lei impõe à Administração o correspondente dever de fiscalizá-la. Desse modo, incide no serviço público.

Como a lei foi concebida no Poder Legislativo, a iniciativa acabou invadindo a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar.

Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse Tribunal:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Por fim, existe outro fundamento, igualmente relevante (embora não mencionado na inicial), que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a atividade de fiscalização criada gera despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, sendo também sob esse aspecto incompatível com o texto constitucional.

Nesse panorama, opina-se pela declaração de inconstitucionalidade da lei impugnada, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei n.º 5.072/2007, do mesmo município, que “dispõe sobre o uso de embalagens biodegradáveis para o acondicionamento de produtos e mercadorias pelos estabelecimentos comerciais localizados no Município de Jacareí .

 

São Paulo, 1 de dezembro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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