Parecer
Autos nº. 179.358-0/5-00
Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Preto
Objeto: Lei nº 10.364, de 08 de maio de 2009, do Município de São José do Rio Preto
Ementa: Unificação de lotes. Lei de iniciativa do Legislativo, que determina a prevalência da zona. Atividade própria do Executivo. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade verificada.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Cuida-se de ação direta objetivando a
declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 10.364, de 08 de maio de 2009, do Município de São José do
Rio Preto, que prescreve
que “No caso de unificação de lotes com frente para os logradouros que
constituem divisas diferentes, prevalecerá a zona de menor restrição”.
Argumenta o autor que
essa lei, de iniciativa parlamentar (e promulgada pelo Presidente da Câmara,
após derrubada de veto total), importa usurpação de atribuições próprias do
Poder Executivo, nomeadamente a ordenação e ocupação do solo urbano, violando
os arts. 5º., 37, 47, incisos II, III e XIV, 111, 144, 180, caput e
incisos I, II e V, e 181, todos da Constituição Estadual.
Foi concedida liminar pela Egrégia
Presidência (fls. 29).
A Câmara Municipal prestou informações
(fls. 33/35).
O
Procurador-Geral do Estado não foi citado, medida que, preliminarmente, se
requer a fim de sanar a irregularidade.
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Assim dispõe a lei impugnada:
“Art.1º - O parágrafo único do artigo 23 da Lei nº 5.135, de 24 de dezembro de 1992 (Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo), a seguir mencionado, passa a vigorar com a seguinte alteração:
Art.23 .....................................................................
Parágrafo Único – No caso de unificação de lotes com frente para os logradouros que constituem divisas diferentes, prevalecerá a zona de menor restrição.”
Resulta claro, da simples leitura do
texto legal, que o Poder Legislativo adentrou competência material e exclusiva
do Poder Executivo, pois claramente emitiu comando que interfere com a
administração municipal.
São confiadas ao Poder Executivo e ao
Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a
estrutura da organização política da República, inclusive quanto ao município,
que é sua parte integrante. Bem por isso a Constituição Federal procurou
estabelecer as atribuições do Poder Executivo e Poder Legislativo, fixando
funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela Constituição
do Estado de São Paulo.
O Prefeito, enquanto chefe do Poder
Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à
atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas
públicas.
Em sua função normal e predominante sobre
as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e
obrigatórias de conduta. Esta é a sua função específica, bem diferenciada da do
Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Por meio da edição de leis, a Câmara ditará
ao prefeito as normas gerais da administração, sem chegar, no entanto, à
prática administrativa. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da
Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter
regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da
norma legislativa em atos específicos e concretos de administração (Cf. Hely
Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 14ª. ed., 2006, pág. 605).
Aplicado esse raciocínio ao caso em
exame, temos que a tarefa de adaptar a legislação sobre o uso e ocupação do
solo urbano ao plano físico é privativa do Prefeito, que, no exercício dessa
atividade, de natureza tipicamente administrativa, não pode sofrer nenhum tipo
de interferência indevida do Legislativo local.
Bem a propósito, ao examinar essa
questão, o Plenário desse Egrégio Tribunal de Justiça, em antigo aresto
relatado pelo eminente jurista Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, concluiu que
“... constituem matéria
legislativa as regras imperativas, gerais e abstratas que diferenciam as
construções de habitações das de comércio e indústria, e, ainda, distinguem as
habitações, as casas comerciais e industriais, em diversos tipos, e, a final, prescrevem
restrições ao direito de construir, conforme a zona residencial, comercial ou
industrial e de forma mais ou menos
rígida, segundo critérios exclusivos ou de predominância. E mais, constituem
matéria legislativa as regras imperativas gerais e abstratas que determinam
recuos, estabelecem alturas de prédios, normas sobre fachadas e gradis. Enfim,
as que estabelecem as regras imperativas gerais e abstratas de zoneamento.
Já a especificação de uma via pública, no seu todo ou em
parte, se estrita ou prevalentemente residencial é obra administrativa,
atividade concreta e específica de caráter casuístico, em função do
desenvolvimento local, das exigências dos bairros, das manifestações dos
próprios logradouros públicos, em consonância com a fisionomia que assume no
seu evolver, suscetível de se modificar por exigências urbanísticas do
Município, interesse dos munícipes, só possível de ser bem sentidos pelo
Executivo, no seu
quotidiano contacto com a vida da cidade, atuando em matéria da sua alçada
administrativa, particularizando a lei” (TJSP, Pleno, RT 289/456). original sem
grifos e saliências
No mesmo sentido é a lição de Hely:
“a
lei estabelecerá as diretrizes, os critérios, os usos admissíveis, tolerados e
vedados nas zonas previstas; o decreto individualizará as zonas e especificará
os usos concretamente para cada local. O zoneamento, no seu aspecto
programático e normativo, é objeto de lei, mas na sua fase executiva - em
cumprimento da lei - é objeto de decreto” (Cf. ob. cit., pág. 553/554).
Resumindo o ponto até aqui analisado: o
conteúdo da lei impugnada é próprio de ato administrativo, de responsabilidade
do Prefeito, invadindo seara a este reservada e incidindo, pois, em inconstitucionalidade,
por ofensa ao artigo 5º, caput, da Constituição do Estado de São Paulo.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.364, de 08 de maio de 2009, do Município de São José do Rio Preto.
São Paulo, 11 de agosto de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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