Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 179.880-0/7-00

 

Autor: Prefeito Municipal de Jaú

Objeto de impugnação: Lei Municipal n. 4.270, de 20 de março de 2009

 

 

 

 

Ementa:

1. Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pelo Prefeito do Município de Jaú, em face da Lei Municipal n. 4.270, de 20 de março de 2009, que “dispõe sobre a prestação de contas da Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação à Câmara Municipal”.

2. Criação, por parte do Poder Legislativo Municipal, de instrumento de controle não previsto na Constituição do Estado, impondo ônus e despesa à Administração, violando, portanto, o princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE).

3. Parecer pela procedência do pedido.

 

 

 

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator:

 

 

O Prefeito Municipal de Jaú formulou a presente ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.270, de 20 de março de 2009, que “dispõe sobre a prestação de contas da Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação à Câmara Municipal”.

Alega o autor que a lei impugnada afronta as prerrogativas do Executivo, violando diversos dispositivos da Constituição Estadual, bem como extrapola os limites do mecanismo de controle externo do Legislativo previsto no art. 150 da Constituição do Estado de São Paulo, assim redigido:

Artigo 150 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária operacional e patrimonial do Município e de todas as entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, finalidade, motivação, moralidade, publicidade e interesse público, aplicação de subvenções e renúncia de receitas, será exercida pela Câmara Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno e de cada Poder, na forma da respectiva lei orgânica, em conformidade com o disposto no art. 31 da Constituição Federal.

 Ocorre que, no entender do autor da ação direta, o art. 150 da Lei Maior paulista é claro ao estabelecer os contornos da fiscalização externa que o Legislativo pode exercer sobre o Executivo.

Por força de decisão interlocutória proferida pelo Excelentíssimo Desembargador Relator, Dr. IVAN SARTORI, de fls. 59/60, foi determinada a suspensão dos efeitos da lei impugnada.

Notificado, o Presidente da Câmara Municipal prestar informações a fls. 74/77.

O Procurador Geral do Estado foi citado para os fins do § 2.º do art. 90 da Constituição Paulista, manifestando-se a fls. 70/72.

É o breve relato.

O pedido inicial é procedente.

Assiste razão ao autor da presente ação direta.

 Ocorre que a obrigação imposta pelo legislador municipal à Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação, no sentido de obrigá-la a prestar, semestralmente, contas de suas atividades à Câmara Municipal, em audiência pública aberta a todos os cidadãos, , extrapola os limites da razoabilidade e constitui indevida violação ao princípio da separação de poderes e intromissão na administração municipal.

Ainda que seja dever do Executivo prestar contas, tanto financeira e orçamentária, quanto administrativa, tal imposição não pode se afastar do parâmetro constitucional.

 A Constituição Federal dispõe sobre a obrigatoriedade da prestação de contas pelo Chefe do Executivo, no art. 49, inciso IX, prescrevendo competir, exclusivamente, ao Congresso Nacional julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo. Esse controle a cargo do Congresso é exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União (art.71, I e II, CF), ao qual compete apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República. Já a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo (art. 31, caput, CF), com o auxílio dos Tribunais de contas do Estado ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver (art.31, § 1º).  Também menciona o parágrafo 2º, do citado artigo 31, a periodicidade anual das contas apresentadas pelo Prefeito.

No plano estadual, o art. 150, da Carta Paulista, ao tratar da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Município e de todas as entidades da administração direta e indireta, determina que a mesma seja exercida pela Câmara Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno de cada Poder, na forma da respectiva lei orgânica, em conformidade com o disposto no artigo 31 da Constituição Federal. A fiscalização das contas do Governador do Estado, a cargo da Assembléia Legislativa (art.32, Constituição do Estado de São Paulo), se dará anualmente, sempre mediante parecer prévio do Tribunal de Contas (art.33, I, CE).  Ainda, prevê a Constituição Estadual a obrigação do Poder Executivo publicar e enviar a Assembléia Legislativa, até trinta dias após o encerramento de cada trimestre, relatório resumido da execução orçamentária (art.170, CE).

Verifica-se, assim, que a lei impugnada afasta-se dos limites constitucionais, impondo, por isso, a declaração de sua inconstitucionalidade.

Por sinal, em recente pronunciamento deste Egrégio Órgão Especial, em caso semelhante analisado em sede de ação direta, a de nº 144.543-0/9-00, em que foi requerente o Prefeito de Reginópolis, ficou decidido o que segue:

“Não há a menor dúvida da inconstitucionalidade do dispositivo enfocado, ao impor ao chefe do Executivo e órgãos que lhe são subordinados contas de suas gestões que vão além do controle constitucional previsto no art. 31 e parágrafos da Constituição Federal, de periodicidade anual.

Obrigar o Prefeito e dirigentes dos órgãos aludidos a publicar e informar à edilidade, mensalmente, toda e qualquer admissão ou demissão de servidor, bem como o valor gasto com publicidade, extrapola, em muito, a fiscalização legislativa natural, para instituir-se verdadeira tutela do Legislativo sobre o Executivo, cerceando-lhe o raio de ação insculpido na Carta Bandeirante.

Flagrante, portanto, a ofensa aos arts.37 e 47, II e XIV, desse diploma, sem falar no princípio constitucional que diz com a independência dos Poderes (art.5º, “caput”)”.

Nessa linha, já decidiu este Órgão Especial na Adin 135.843.0/7-00, a retratar caso parelho, sob a relatoria do desembargador Marcus Andrade:

“A Câmara, induvidosamente, detém o poder de fiscalização da atividade da Administração. Tal, contudo, deve obedecer determinados limites. Não pode extravasar sua área de atuação, nem mesmo nessa condição de ente fiscalizador, para impor obrigações aos particulares que contratam com a Administração, menos ainda, aos próprios órgãos públicos, subordinados ao Executivo.(...). Importa, na hipótese, isto sim, obstar a quebra da estrutura funcional diferenciada dos órgãos do Poder, permitindo a invasão de atribuição exclusiva do Executivo pelo Legislativo (art.5º, da Constituição Estadual). Louvável a atitude do Poder Legislativo no sentido de buscar uma melhor fiscalização do exercício das atividades e da aplicação do dinheiro público no Município. Inviável, contudo, a fórmula encontrada pela Câmara Municipal, por fraturar o sistema jurídico constitucional do Estado (art.144, da Constituição Estadual)”.”

Conclui-se, pois, que é inconstitucional a lei municipal impugnada.

Posto isso, aguarda-se seja a presente ação direta julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.270, de 20 de março de 2009.

São Paulo, 22 de outubro de 2009.

 

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos –

 

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