Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 179.996-0/6-00

Requerente: Prefeito do Município de Itanhaém

Objeto: Lei nº 3.435, de 19 de maio de 2008, do Município de Itanhaém

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito Municipal, tendo por objeto a Lei nº 3.435, de 19 de maio de 2008, do Município de Itanhaém/SP, que “institui a prorrogação da licença-maternidade”. Projeto de lei de Vereador. Matéria, contudo, cuja iniciativa é privativa do Prefeito. Alegada ofensa ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º., 5º., 47, II, da Constituição do Estado). Parecer pela procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Itanhaém, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 3.435, de 19 de maio de 2008, que “institui a prorrogação da licença maternidade”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal. Divisa a violação do art. 5º da Constituição do Estado, lembrando que cabe exclusivamente ao Prefeito a iniciativa das leis que, a exemplo da impugnada, disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 20/22).

O Presidente da Câmara Municipal, embora regularmente notificado (fls. 34), não se manifestou (fls. 35).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 31/33).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Desde a edição da Lei Federal nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, a Administração Pública direta, indireta e fundacional está autorizada a instituir programa que garanta a prorrogação para além dos 120 dias da licença-maternidade prevista no art. 5º, XVIII, da Constituição Federal.

Todavia, e, em que pesem os elevados propósitos que a inspiraram, a Lei nº 3.435/2008 é, de fato, incompatível com os artigos 5º. e 47, II, da Constituição do Estado, abaixo reproduzidos:

"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição (...)

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual’

É que a Constituição do Estado, em simetria com o modelo Federal, não concede ao parlamentar a iniciativa de leis que disponham sobre o serviço público e seu regime jurídico.

Em realidade, a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento (Christian Starck. 'El Concepto de ley en la constitucion alemana', p. 73, CEC, Madrid, 1979), participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos.

Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que:

"A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos ou autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração (...). A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções. Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º.). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos - e convém se repita - que o Legislativo provê 'in genere', o Executivo 'in specie', a Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em  atos ou medidas de execução governamental (...) Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § I, c/c 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental.' (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 12ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 576, grifei)

Percebe-se que a lei em análise concede benefício (licença-maternidade de 6 meses) às servidoras públicas, fixando requisitos e restrições à fruição. Além de tratar de matéria da alçada do Poder Executivo, interfere na administração do orçamento, pois acarreta despesa sem a indicação da fonte de custeio.

Em suma, a disciplina do regime jurídico dos servidores públicos é matéria que a Constituição reservou à iniciativa do Executivo, não podendo o Legislativo tomar a iniciativa a respeito.

Nesse sentido, consolida-se a jurisprudência do C. Órgão Especial:

Inconstitucionalidade - Ação Direta - Lei Municipal - Autorização ao Poder Executivo para ampliar o período licença maternidade de servidoras públicas - Vício de iniciativa - Violação aos princípios de harmonia e separação dos poderes - Aumento de despesas sem previsão de custeio - Ação procedente (ADIN 168.248.0/8-00, j. 10/6/2009, rel. MAURÍCIO VIDIGAL).

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Municipal nº 544, de 08 de setembro de 2008, do Município de Barão de Antonia – SP, de iniciativa de vereador, e com veto rejeitado, dispondo sobre "prorrogação de prazo paia licença-maternidade" das servidoras municipais. Matéria, contudo, reservada à iniciativa do Chefe do Executivo. Ofensa aos princípios da separação dos poderes e da reserva de iniciativa do Poder Executivo (arts 5º e 47, II, da Constituição do Estado), além de criar despesa para o erário, sem previsão orçamentária (CE, art. 25). Obediência obrigatória dos princípios constitucionais pelos municípios (CE, art 144). Modulação dos efeitos da sentença declaratória que se impõe. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei municipal, com efeito ex nunc. (ADIN 174.441.0/8-00, j. 27/05/2009, rel. JOSÉ SANTANA)

Por isso, a solução deste processo é a declaração de inconstitucionalidade da Lei impugnada, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.435, de 19 de maio de 2008, do Município de Itanhaém/SP, que “institui a prorrogação da licença-maternidade”.

 

São Paulo, 19 de outubro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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