Parecer
Autos nº. 179.997-0/0-00
Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Preto
Objeto: Lei nº 10.043, de 27 de fevereiro de 2008, do Município de São José do Rio Preto
Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, da Lei nº 10.043, de 27 de fevereiro de 2008, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a obrigatoriedade dos hotéis criarem e manterem ficha de identificação de menores que se hospedem no estabelecimento”. Iniciativa parlamentar. Ato normativo que cria ônus para a Administração decorrente do dever de fiscalizar. Violação ao princípio da separação dos poderes. Criação de despesas, ademais, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 5º, 25, 47 II, e 144, da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei nº 10.043, de 27 de fevereiro de 2008, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a obrigatoriedade dos hotéis criarem e manterem ficha de identificação de menores que se hospedem no estabelecimento”.
Sustenta o autor que a lei em análise, nascida na Câmara dos Vereadores, dispõe sobre o Direito Civil e, por isso, viola o pacto federativo e a competência privativa da União para legislar sobre a matéria. Aponta, no particular, infração ao art. 25 da Constituição do Estado, por não terem sido previstos os recursos necessários para fazer frente às despesas criadas pelo ato normativo.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 14/v).
O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 21/31).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 39/41).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Deflui dos autos que a Lei em análise decorre de projeto de autoria do Vereador CÉSAR GELSI (fls. 21) e, embora desprovida de qualquer sanção (fls. 14/v), obriga que os hotéis, pensões e albergues localizados no Município mantenham cadastro dos jovens que neles se hospedam.
Na apreciação do pedido liminar, entendeu o eminente Relator que a lei veiculava matéria de Direito Civil, ou seja, estranha à competência legislativa do Município (art. 22, inc. I, da Constituição da República).
Se assim fosse, o legislador municipal teria usurpado a
competência do legislador federal, com violação do pacto federativo, extraível dos art. 1º e 18 da Lei Maior, ofendendo,
igualmente, o art. 144 da Constituição Paulista que prevê que “Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
No julgamento
da ADIN 130.227.0/0-00, em 21.08.07, esse E. Tribunal de Justiça acolheu a tese
acima aventada (possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de lei
municipal por violação do princípio da repartição de competências estabelecido
pela Constituição Federal). Do voto do Des. ALMEIDA GUILHERME se extrai a seguinte
lição:
“(...) Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de
capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I,
denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se
Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na Constituição Federal.
Assim, quando o referido art.144 ordena que os Municípios, ao se
organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro
que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência
legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da união, não estão
obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art.144 da
Constituição do Estado (...)” (trecho do voto do Des. Walter de Almeida
Guilherme, no julgamento da ADI 130.227.0/0-00).
De toda sorte, deve-se dar razão ao Alcaide quando afirma que a lei impugnada está maculada pelo vício de iniciativa.
É que somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).
Note-se que, instituindo uma obrigação ou uma proibição para os hotéis, pensões e albergues estabelecidos em São José do Rio Preto, a lei impõe à Administração o correspondente dever de fiscalizá-lo. Desse modo, está criando serviço público.
Como a lei foi concebida no Poder Legislativo, a iniciativa acabou invadindo a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar.
Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.
Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse Sodalício:
“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).
Também procede o fundamento contido no item 1.2 da petição inicial. Este, aliás, por si só demanda o reconhecimento da inconstitucionalidade.
A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.
Na hipótese em análise é intuitivo que a atividade de fiscalização instituída gera despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, sendo também sob esse aspecto incompatível com o texto constitucional.
Nesse panorama, opina-se pela declaração de inconstitucionalidade da lei impugnada, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 748).
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 10.043, de 27 de fevereiro de 2008, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a obrigatoriedade dos hotéis criarem e manterem ficha de identificação de menores que se hospedem no estabelecimento”.
São Paulo, 17 de setembro de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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