Parecer
Autos nº. 180.371-0/7-00
Requerente: Prefeito Municipal de Catanduva
Objeto: Lei Complementar nº 4.293, de 14 de Novembro de 2006, do Município de Catanduva
Ementa: Lei
municipal de iniciativa parlamentar que dispõe sobre isenção de pagamento de
estacionamento na área delimitada pela “Zona Azul”. Imposição de condutas à
Prefeitura Municipal. Matéria afeta à administração pública. Exclusividade de
iniciativa do Prefeito Municipal. Inconstitucionalidade reconhecida. Sanção do Prefeito, que não descaracteriza o
vício de iniciativa.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Catanduva, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 4.293, de 14 de novembro de 2006, daquele município, que “Dá nova redação ao parágrafo único, do artigo 6º, da Lei nº 2.898, de 02 de junho de 1.993, e dá outras providências”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi sancionado pelo Poder Executivo, culminando com a sua promulgação pelo Presidente da Câmara Municipal.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 21).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 28/31, em defesa da constitucionalidade da norma.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 54/56).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Muito embora a
nobreza de espírito que ensejou a edição da presente lei, entendemos que a ação
deva ser julgada procedente, uma vez
patente o vício de iniciativa.
Esta é a redação
da impugnada lei:
“Art. 1º O parágrafo único, do
artigo 6º, da Lei nº 2.898, de 02 de junho de 1.993, passa a vigorar com a
seguinte redação:
Art. 6º ....
Parágrafo único. Os benefícios
previstos no caput deste artigo são
estendidos aos paraplégicos e portadores de doenças incapacitantes, que impeçam
a locomoção e que possuam veículos auto-motores”.
E o art.6º da Lei
nº 2.898, de 02 de junho de 1.993, reza que:
“Estão isentos do pagamento da taxa de estacionamento na área delimitada
como “Zona Azul”, veículos oficiais da União, Estados e Municípios, bem como
suas autarquias; os veículos de transporte de passageiros (táxi) e os de carga,
quando estacionados em seus respectivos “pontos”; os veículos de transporte
coletivo (ônibus e similares), quando em seus “pontos de parada”; os veículos
de concessionárias de serviços públicos, quando no desempenho das funções
compatíveis”.
Há que se aduzir
desde logo que a Lei em questão é de iniciativa
de Vereador e que, mesmo com a sanção do Sr. Alcaide, vislumbra-se afronta
aos artigos 5.º, 47, incs. I, II e XIX, alínea “a”, e 144, da Constituição do
Estado de São Paulo a saber:
"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além
de outras atribuições previstas nesta Constituição:
I - representar o Estado nas suas relações jurídicas,
políticas e administrativas;
II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado,
a direção superior da administração estadual;
XIX – dispor,
mediante decreto, sobre:
a) organização e
funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de
despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos.
Art. 144 - Os Municípios,
com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto
organizarão por Lei Orgânica, atendidos
os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição."(g.n.)
A
administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e
que tem na lei seu mais relevante
instrumento,[1]
participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos[2]. Na hipótese de
administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas
gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos. Os serviços
públicos, o gerenciamento das vias públicas e eventuais benefícios a
determinadas classes de pessoas, ainda que se entenda louvável o intuito, não
podem provir de lei de iniciativa do Legislativo, pois essa função é cometida
ao Executivo, por dispor dos meios necessários ao planejamento global da urbe.
A referida lei originou-se de projeto de autoria
parlamentar, e que acabou sendo promulgado pelo Presidente da Câmara Municipal,
após sanção do Chefe do Poder Executivo.
Enfatizamos que também o gerenciamento das
atividades administrativas no município é competência do Poder Executivo, único
dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios para avaliar a
conveniência e oportunidade da administração pública. Assim sendo, por conter vício de iniciativa,
a lei é inconstitucional por ofender dispositivos da Constituição do Estado de
São Paulo.
Com efeito, a lei impugnada compele o benefício da
gratuidade do estacionamento em “Zona Azul” “aos paraplégicos e portadoras de
doenças incapacitantes, que impeçam a locomoção normal e que possuam veículos
auto-motores”.
Trata-se evidentemente de matéria referente à
administração pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito, que
atuará nesse campo com absoluta independência.
Sobre o tema ensina Hely Lopes Meirelles:
“Em princípio, o
prefeito pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de
autorização especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se
todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens,
rendas ou serviços públicos. (...)
Advirta-se, ainda,
que, para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar
obras e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da
Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a
Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras
dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade,
por ofensa a prerrogativas do prefeito.”[3]
Demais
disso, a Constituição Estadual comete ao Executivo, por decreto, a tarefa de
organizar a Administração na hipótese de não haver aumento da despesa, como é o
caso. Esse modelo constitucional é de observância obrigatória pelos municípios,
por força do disposto no art. 144, da Constituição Estadual.
Por fim, anote-se que com
a sanção da lei pelo Prefeito Municipal não se opera a convalidação da norma. O Pretório Excelso já acenou com tal
entendimento. Confira-se:
"O desrespeito à prerrogativa de iniciar o
processo legislativo, quando resultante da usurpação do poder sujeito à
cláusula de reserva, traduz hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a
infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do diploma legislativo
assim editado, que não se convalida, juridicamente, nem mesmo com a sanção
manifestada pelo Chefe do Poder Executivo (...).”(ADI 776-MC,
Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-10-92, DJ de 15-12-06, g.n.).
Assim sendo, e por entender que ao Legislativo não é dada a iniciativa de lei na matéria que ora se analisa, o parecer é pela procedência da ação, para que seja declarada inconstitucional Lei Municipal n.º 4.293, de 14 de novembro de 2006, do Município de Catanduva.
São Paulo, 14 de dezembro de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos -
fjyd
[1] Christian Starck.
'El Concepto de ley en la constitucion alemana', Madrid: CEC, 1979,
pág.73.
[2] "...O poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de
uma estabilidade garantida, necessária para a tradução em atos de um
'indirizzo'. É, em geral, delegatária, também, de importantes porções da função
legislativa. Ao legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar
solenemente o 'indirizzo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo
as medidas sob a forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo'
do Poder governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o
admite - deve ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente
excepcionais. O Legislativo controla o Poder governante também com outros meios
(investigações, comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração
normativa das escolhas feitas no 'indirizzo governativo'." Giovanni Bognetti, 'In' 'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET.
[3] MEIRELLES. Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 519.