Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 180.431-0/1-00

Requerente: Prefeito do Município de Bauru

Objeto: Lei nº 5.746, de 5 de junho de 2009, do Município de Bauru

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pelo Prefeito do Município de Bauru, da Lei nº 5.746, de 5 de junho de 2009, do mesmo município, que “determina a publicação trimestral dos dados referentes aos cargos em comissão do Executivo Municipal de Bauru, na última semana de março, junho, setembro e dezembro de cada ano”. Caso em que o Poder Legislativo criou instrumento de controle não previsto na Constituição do Estado, impondo ônus e despesa à Administração, violando, portanto, o princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE). Parecer pela procedência do pedido.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Bauru, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 5.746/2009, que “determina a publicação trimestral dos dados referentes aos cargos em comissão do Executivo Municipal de Bauru, na última semana de março, junho, setembro e dezembro de cada ano”.

Sustenta o autor que a lei em questão representa indevida ingerência da Câmara Municipal no Poder Executivo, violando o princípio da separação e independência dos Poderes. Discorre que cabe ao Prefeito a iniciativa de leis que disponham sobre servidores públicos e que a publicação da relação nominal dos ocupantes de cargos em comissão constitui em ofensa à intimidade, garantida pelo art. 5º, inc. X, da Constituição Federal (2/13).

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 21).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 39 e ss., em defesa da lei impugnada. Afirmou que o ato normativo se inspira nos princípios da impessoalidade, publicidade e probidade administrativa, lembrando que iniciativa análoga foi adotada no Município de São Paulo, como o beneplácito do Supremo Tribunal Federal. Por fim, refuta a alegação de que a lei cria despesa.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 35/37).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Constituição Estadual estabelece, em seu art. 5º, o princípio da separação dos poderes, nos seguintes termos:

São poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

O princípio da separação dos poderes é o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do processo legislativo, São Paulo: Saraiva, p. 111/112).

Nessa sensível relação, destaca-se como relevante a missão do Poder Legislativo de controlar os atos do Poder Executivo, no propalado “sistema de freios e contrapesos”.

Esse controle, todavia, é restrito. Há de ser exercido nos estreitos lindes da previsão constitucional, sob pena de se tornar ilegítimo.

O tema é conhecido do E. Tribunal de Justiça.

O C. Órgão Especial tem firme orientação de que “o Legislativo não pode criar forma de controle interno não previsto na Constituição Estadual, em paralelo ao externo nela consagrado” (ADIN nº 172.909-0/0-00, j. 17.06.2009, rel. desig. Des. PALMA BISSON).

Consolidou jurisprudência no sentido de que:

“A Câmara, induvidosamente, detém o poder de fiscalização da atividade da Administração. Tal, contudo, deve obedecer determinados limites. Não pode extravasar sua área de atuação, nem mesmo nessa condição de ente fiscalizador, para impor obrigações aos particulares que contratam como a Administração, menos ainda, aos próprios órgãos públicos, subordinados ao Executivo (...). Importa, na hipótese, isto sim, obstar a quebra da estrutura funcional diferenciada dos órgãos do Poder permitindo a invasão de atribuição exclusiva do Executivo pelo Legislativo (art. 5º, da Constituição Estadual). Louvável a atitude do Poder Legislativo no sentido de buscar uma melhor fiscalização do exercício das atividades e da aplicação do dinheiro público no Município. Inviável, contudo, a fórmula encontrada pela Câmara Municipal, por fraturar o sistema jurídico constitucional do Estado (art. 144, da Constituição Estadual)” (ADIN nº 135.843.0/7-00, rel. Des. MARCUS ANDRADE).

No caso em análise, a lei impugnada criou um inusitado mecanismo de controle do Poder Executivo sem paralelo na Constituição Federal, que incide no campo do serviço público, de responsabilidade do Prefeito, mais especificamente no âmbito do provimento dos cargos em comissão.

Desse modo, a norma questionada representa, sem dúvida, ilegítima ingerência da Câmara nos atos de governo e nas prerrogativas do Prefeito, sendo forçoso reconhecer que é violadora do princípio da separação dos poderes.

No mais, a obrigação instituída pela lei – de publicar trimestralmente a denominação, o código, a lotação e o nome do ocupante dos cargos em comissão – cria despesas, sem indicação da fonte de custeio, o que é vedado pela Carta Bandeirante.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Desse modo, em que pesem os elevados propósitos que inspiraram o legislador bauruense, impõe-se reconhecer a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 5.746, de 5 de junho de 2009, do mesmo município, que “determina a publicação trimestral dos dados referentes aos cargos em comissão do Executivo Municipal de Bauru, na última semana de março, junho, setembro e dezembro de cada ano”.

 

São Paulo, 19 de outubro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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