Parecer
Autos nº. 180.617-0/0-00
Requerente: Prefeito Municipal de Santa Isabel
Objeto: parágrafos 6º e 7º do art. 1º, da Lei Complementar nº 123, de 18 de março de 2009, acrescidos pela Lei Complementar nº 127, de 29 de maio de 2009, do município de Santa Isabel
Ementa: “Ação direta de
inconstitucionalidade. Parágrafos 6º e 7º do art. 1º, da Lei Complementar nº 123, de 18 de
março de 2009, acrescidos pela Lei Complementar nº 127, de 29 de maio de 2009,
do município de Santa Isabel, de iniciativa parlamentar. Procedência. Redução
de verba honorária em caso de pagamento espontâneo de débito tributário.
Matéria de iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo.
Violação ao princípio da separação dos poderes (Constituição Estadual: arts. 5º
e 144). As regras básicas do processo
legislativo federal são de absorção obrigatória no plano estadual – e,
consequentemente, no municipal – por sua implicação com o princípio fundamental
da separação dos poderes. Preceito extensível e de observância simétrica que
limita a auto-organização dos Estados e Municípios” (ADI 168.670-0/3-00)
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Santa Isabel, tendo por objeto os parágrafos 6º e 7º do art. 1º, da Lei Complementar nº 123, de 18 de março de 2009, acrescidos pela Lei Complementar nº 127, de 29 de maio de 2009, daquele município, que “Dá nova redação ao art.1º da Lei Complementar nº 123, de 18 de março de 2009”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu teve nascedouro por iniciativa do Poder Executivo, mas recebeu emenda pela Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 40).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 48/61, em defesa da lei impugnada. Afirmou que o projeto de lei é de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal e que a Câmara acrescentou apenas a questionada emenda e que se ateve a sua competência legislativa.
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Preliminarmente, requer-se a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado, a fim de defender o ato normativo impugnado, nos termos do art.90 §2º da Constituição Estadual.
No mérito, a presente ação direta deve ser julgada procedente, apesar do enorme
respeito que merece a orientação do Supremo Tribunal Federal que,
reiteradamente, tem decidido pela inexistência de reserva de iniciativa em se
tratando de lei tributária, conforme se depreende do seguinte julgado:
"A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na
instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. A
iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume
e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar
limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente
derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. O ato de legislar sobre
direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem
fiscal, não se equipara, especialmente para os fins de
instauração do respectivo processo legislativo, ao ato de legislar sobre o
orçamento do Estado." (ADI 724-MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgamento em 7-5-92, DJ de 27-4-01)
Ocorre que a inconstitucionalidade
apontada não se fundamenta na forma apontada de reserva de iniciativa, mas, de
fato, no campo da administração pública e na dissipação do erário, ao permitir
que o contribuinte inadimplente, que faça pagamento espontâneo de débito
tributário tenha a verba honorária
fixada judicialmente incidente "tão somente sobre o valor do
débito principal, corrigido monetariamente, objeto do acordo, retroagindo os
seus efeitos aos acordos de parcelamento já efetuados."
Portanto,
verifica-se a ocorrência de contraste inadmissível entre a lei em exame e a Lei
Maior paulista, sob os seguintes aspectos.
Vejamos.
As normas que tratam da reserva de iniciativa, longe
de normas de direito estrito, ou de exceção, refletem com sutileza as nuances e
a evolução do principio da separação de poderes. As regras de fixação de
competência para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o
princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico
que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências
e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos[1].
Assim, um parlamentar tanto tem a iniciativa de
projetos como pode propor a alteração nos projetos vindos do Executivo.
Entretanto, ao insinuar-se na questão tributária - vital para a manutenção dos
serviços públicos - a Câmara deve
atentar a que eventuais
alterações devam estar em conformidade com o
plano plurianual, a lei de diretrizes
orçamentárias e a proposta
orçamentária, leis essas de iniciativa exclusiva do Executivo, sendo
que, especialmente a segunda 'disporá sobre as alterações na legislação tributária'.
É evidente, portanto, que a concessão de benefícios a
determinada categoria de pessoas acaba por interferir na administração
municipal, reduzindo receitas, o que pode comprometer a atuação do Chefe do
Poder Executivo.
Há sério risco em legitimar esse comportamento do
legislador municipal, pois seria uma perigosa forma de permitir sua
interferência nas finanças públicas e, indiretamente, na atuação do Poder
Executivo.
Importante lembrar da lição
de Alfredo Buzaid[2]:
“O antagonismo que pode surgir entre as leis se afere não tanto pela hierarquia
quanto pela usurpação ou abuso de poder”.
A emenda ao projeto de lei que resultou na Lei Complementar
n. 127, de 29 de maio de 2009, ora examinada, resultou de processo legislativo
iniciado por vereador (fls. 90 e segs.), sem que fosse apresentado qualquer
estudo tributário específico. Aliás, sem qualquer tipo de planejamento
orçamentário.
A atuação do legislador municipal, por isso, pode
interferir diretamente na administração municipal, o que não pode ser aceito.
Por fim, anote-se também, que o legislativo municipal,
ao referir-se à verba honorária sucumbencial, enveredou, indevidamente, por artéria
legislativa referente ao Processo Civil (art.20), de reserva do Chefe do
Executivo da União (art.22, inc.I da CF), sendo que as
regras básicas do processo legislativo federal são de absorção obrigatória no
plano estadual – e, consequentemente, no municipal – por sua implicação com o
princípio fundamental da separação dos poderes, preceito extensível e de
observância simétrica que limita a auto-organização dos Estados e Municípios
(ADI 168.670-0/3-00).
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade dos parágrafos 6º e 7º, do art.1º, da Lei Complementar nº 123, de 18 de março de 2009, acrescidos pela Lei Complementar nº 127, de 29 de maio de 2009, do município de Santa Isabel.
São Paulo, 17 de setembro de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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