Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 180.803.0/0

Requerente: Prefeito do Município de Guarulhos

Objeto: Lei nº 6.453, de 16 de março de 2009, do Município de Guarulhos

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 6.453, de 16 de março de 2009, do Município de Guarulhos, que “dispõe sobre a criação de ambulatório médico nas Escolas Municipais de Ensino Infantil para atendimento exclusivo dos alunos matriculados”, de autoria de vereador. Ato normativo que cria órgão na Administração Pública e aumenta a despesa corrente, demandando projeto de iniciativa do chefe do Executivo. Ofensa ao princípio da separação dos poderes. Violação dos art. 25; 47, II; e 144 da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Guarulhos, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 6.453, de 16 de março de 2009, que “dispõe sobre a criação de ambulatório médico nas Escolas Municipais de Ensino Infantil para atendimento exclusivo dos alunos matriculados.

O autor noticia que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, recebeu veto parcial do chefe do Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

Cuidando-se de lei que cria órgão e disciplina o serviço público, estaria, segundo o promovente, em desacordo com o artigo 61, § 1º, inc. II, da Constituição Federal, aplicável ao Município por força do art. 144 da Carta Paulista.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 90/92).

O Presidente da Câmara Municipal defendeu a constitucionalidade da norma impugnada, ressaltando os propósitos que a inspiraram (fls. 110/114).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 105/107).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A ação procede.

Como se sabe, o processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes (cf. Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 675).

O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República (cf. Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 641), conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo difuso ou concentrado por parte do Poder Judiciário.

A iniciativa é o ato que deflagra o processo legislativo. Pode ser geral ou reservada (ou privativa). No primeiro caso, vereador, Mesa, comissão da Câmara, prefeito ou a população podem titularizar o projeto. No segundo, há um único titular.

A lei impugnada originou-se de projeto cunhado na Câmara dos Vereadores (fls. 24 e ss.), o que se constitui clara ofensa à Constituição do Estado, pois somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – órgãos da Administração e obrigações e deveres para outros já existentes (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

De fato, a lei em análise criou ambulatórios médicos nas Escolas Municipais (art. 1º) e impôs diversos ônus à Prefeitura, como o de dotá-los de recursos humanos e materiais (art. 2º). Se não bastasse, o ato normativo regulou o serviço público, estabelecendo horário de funcionamento dos ambulatórios (art. 5º) e instituiu rotinas administrativas, como a que prevê de que modo o médico deve se portar diante dos casos de emergência ou da constatação de doença “que necessite de tratamento” (sic) ou de exames (art. 3º).

Invadiu-se claramente a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando-se a prerrogativa deste em analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar. Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes. Como já proclamou esse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

No caso dos autos, entretanto, existe outro fundamento, igualmente relevante, que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, incidente por força do art. 144 da Carta Magna Bandeirante, é fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal. Exige ela que projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a criação dos ambulatórios médicos nas escolas e, especialmente, o disposto nos artigos 2º e 3º, geram despesas para o Erário Municipal, de responsabilidade do Prefeito. E a lei, como se vê, não contém nenhum elemento indicador de sua provisão (não é suficiente dizer que as despesas correrão por conta das dotações próprias do orçamento, nos termos do art. 7º), do que decorre sua incompatibilidade com o texto constitucional.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 6.453, de 16 de março de 2009, que “dispõe sobre a criação de ambulatório médico nas Escolas Municipais de Ensino Infantil para atendimento exclusivo dos alunos matriculados.

São Paulo, 25 de novembro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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