Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 180.899-0/6-00

Requerente: Prefeito de Catanduva

Objeto: Lei nº 487, de 25 de junho de 2009, do Município de Catanduva

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade promovida por Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 487, de 25 de junho de 2009, do Município de Catanduva, que “altera redação do art. 3º, da Lei Complementar n. 0097, de 21 de dezembro de 1998, que dispõe sobre a isenção do Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana-IPTU e das taxas de serviço urbano-TSU”. Lei de iniciativa parlamentar, que concede ao requerimento de isenção, efeito suspensivo durante o período que permanecer sob análise  do Poder Executivo, até sua decisão de primeira instância” Diploma que viola o princípio da separação de poderes (art. 5º, 37, 47 II e XIV, e 144 da Constituição Paulista). Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Catanduva, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 487, de 25 de junho de 2009, do mesmo Município que “altera redação do art. 3º , da Lei Complementar n. 0097, de 21 de dezembro de 1998, que dispõe sobre a isenção do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana-IPTU e das taxas de serviço urbano –TSU”.

 Sustenta  o autor que a lei impugnada é inconstitucional, por violar o princípio da separação dos poderes, por vício de iniciativa, bem como o art. 25 e 144, na medida em que a nova lei implica em aumento de despesas, sem indicação dos recursos disponíveis.

 O pedido de medida liminar foi indeferido, fls. 24.

 O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 39 e ss.).

Citado para os fins do § 2.º do art. 90 da Constituição Paulista, o Procurador Geral do Estado defendeu a exegese que condiciona a sua intervenção nos processos de fiscalização abstrata à existência de interesse estadual na preservação do texto normativo impugnado, ausente neste caso (fls. 35/37).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

1)   Do ato normativo impugnado.

A Lei Complementar n. 487, de 25 de junho de 2009, de Catanduva, de iniciativa parlamentar que, conforme respectiva rubrica, “altera redação do art. 3º, da Lei Complementar de 1998, que dispõe sobre a isenção do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana- IPTU e das taxas de serviço urbano –TSU”, tem o seguinte teor:

“Art.1º. O art. 3º, da Lei Complementar n. 0097, de 21 de dezembro de 1998, que dispõe sobre a isenção do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana-IPTU e das taxas de serviço urbano –TSU, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 3º - A isenção prevista nesta Lei Complementar, deverá ser solicitada através de requerimento, mediante provocação do interessado e dirigido ao Prefeito Municipal, que será recebida em seu efeito suspensivo durante o período que permanecer sob a análise do Poder Executivo, até sua decisão de primeira instância”.

Art. 2º - A presente Lei Complementar entrará em vigor na data de sua publicação, revogando as disposições em contrário”.   

Entretanto, em que pese a relevante intenção associada à propositura legislativa que resultou na edição da lei (concessão de efeito suspensivo ao requerimento de isenção, durante o período que permanecer sob a análise do Poder Executivo, até sua decisão de primeira instância), esta é verticalmente incompatível com nossa sistemática constitucional, como será visto a seguir.

2)Quebra da regra da separação de poderes.

A lei em exame, a propósito  de beneficiar os munícipes, impôs ao Poder Executivo Municipal,  o recebimento do requerimento do pedido de isenção de IPTU e TSU, sob o efeito suspensivo, durante o período que permanecer sob análise, até a decisão de primeira instância.

Nesse contexto, embora a lei não trate de matéria atinente à iniciativa reservada do Chefe do Executivo, nos termos do art.24 §2º da Constituição Bandeirante, ela se traduz em quebra da regra da separação de poderes, contida na Constituição do Estado, nos art.5º, e 47 II e XIV, aplicáveis aos Municípios por força do art.144 da referida Carta.

Em primeiro lugar, com a devida vênia, não nos parece correto afirmar que a hipótese examinada nestes autos seja de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo.

As matérias cuja iniciativa legislativa cabe apenas ao Executivo são expressamente previstas no art.24 da Constituição Paulista, entre as quais não se encontra aquela tratada no ato normativo aqui examinado.

Ademais, já pacificou o E. STF o entendimento de que as hipóteses de iniciativa reservada, referindo-se a direito estrito, devem ser interpretadas restritivamente (Nesse sentido, v.g.: MS 22.690, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-4-97, DJ de 7-12-06).

Entretanto, no caso ora analisado houve violação do princípio da separação de poderes.

É ponto pacífico na doutrina bem como na jurisprudência que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O legislador municipal, na hipótese analisada, acolheu iniciativa parlamentar, impondo ao Poder Executivo medidas concretas relacionadas ao gerenciamento do serviço público, em especial, o recebimento dos requerimentos dos pedidos de isenção de IPTU e TSU, no efeito suspensivo, durante o período que permanecer sob a análise do Poder executivo, até sua decisão de primeira instância.

Em que pese a relevante intenção do parlamentar que apresentou originariamente referida propositura, o fato é que ela interfere no âmbito da gestão administrativa, e como tal, é inconstitucional.

Note-se que: (a) o processamento do pedido de isenção de IPTU e TSU é providência que deve decorrer de deliberação da administração pública, e não de imposição legal; (b) quando o legislador, a pretexto de legislar, assume o papel do administrador, está a extrapolar no exercício de suas competências constitucionais.

Referido diploma, na prática, criou obrigação para a administração local, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a seguir:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.” (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que "dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).

Note-se também que, como demonstrou o autor e afirmou o Sr. des. Palma Bisson, i. relator da presente ação direta, na ADI 94.356-0/7 (j. 18.06.2003, rel. des. Ruy Camilo) foi declarada a inconstitucionalidade de lei do município de Guarulhos em situação análoga à destes autos, valendo transcrever a ementa do referido julgado:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal 5777 de 8 de março de 2002 que, nos dispositivos questionados (art.2º e incisos e art.3º, § único), impõem ao Executivo o dever de fixar dias e horários para a prestação de serviços públicos de coleta de lixo domiciliar e varrição de vias públicas e ainda o de divulgar tais informações no carnê do IPTU e jornais locais – matéria que diz respeito ao gerenciamento da prestação de serviços de iniciativa exclusiva do Executivo. Ação procedente.”

Ademais, em casos como o presente, esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art.25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para o pagamento da despesa criada (ADINs ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2, 38.977.0/0).

Assim sendo, manifesto-me pela procedência desta ação objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 0487, de 25 de junho de 2009,  do Município de Catanduva.

                            São Paulo, 05 de outubro de 2009.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

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