Parecer
Autos nº. 180.900-0/2-00
Requerente: Prefeito do Município de Catanduva
Objeto: Lei Complementar nº 486, de 25 de junho de 2009, do Município de Catanduva
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei Complementar nº 486, de 25 de junho de 2009, do Município de Catanduva, que “altera a redação do artigo 263, da Lei Complementar n. 0098, de 23 de dezembro de 1998, alterdo pela Lei Complementar n. 474, de 17 de março de 2009, que dispõe sobre o sistema tributário do município e dá outras providências”. Lei tributária benéfica (que possibilita os contribuintes oferecer reclamação contra lançamentos de tributos), de iniciativa de Vereador. Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive benéficas, é concorrente. Parecer pela improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Catanduva, tendo por objeto a Lei Complementar nº 486, de 25 de junho de 2009, do Município de Catanduva, que prevê a possibilidade dos contribuintes oferecerem reclamação contra lançamentos de tributos.
Sustenta o autor que a lei foi concebida por Vereador e que haveria ofensa ao princípio da tripartição dos poderes e vício de iniciativa, além violação ao disposto no art.25 da CE.
O pedido liminar foi negado pelo r. Despacho de fls. 22/23.
O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo e defendeu a constitucionalidade da norma, não deixando passar o fato de que a lei alterada, que ora se procura extirpar do mundo jurídico, também foi fruto de iniciativa parlamentar (fls. 36 e ss.).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 32/33).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A lei impugnada alterou o sistema tributário do município e assim se encontra redigida:
“Art. 1º O artigo 263, da Lei Complementar nº0098, de 23 de dezembro de 1998 alterado pela Lei Complementar nº 474, de 17 de março de 2009, que dispõe sobre o sistema Tributário do Município e dá outras providências, passa a vigorar com a seguinte redação:
art.263 Poderão os contribuintes ou responsáveis oferecer reclamação contra lançamentos de tributos, dentro de 180 (cento e oitenta) dias contados da notificação do lançamento ao sujeito passivo, obedecidas as formas previstas no artigo 200, com efeito suspensivo durante o período que permanecer sob a análise do Poder Executivo, até sua decisão em primeira instância."
O ato impugnado, como se vê, tem a natureza de norma tributária benéfica, ou melhor, protetiva, porque suspende a execução do tributo até o julgamento da reclamação.
De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais.
Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do Orçamento.
Colhe-se,
“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores de deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade” (ADIN nº 149.269-0/4-00, de 20 de fevereiro de 2008, r. Des. Boris Kauffmann).
Essa orientação tem apoio em Carraza.
O autor, depois de anotar que a iniciativa das leis que criam e aumentam tributos é ampla, cabendo, portanto, a qualquer membro do Legislativo, ao chefe do Executivo, aos cidadãos etc., afirma que o raciocínio não vale para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, de acordo com sua lição, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentem prazos para o normal recolhimento de tributos, etc. (Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23a ed , 2007, São Paulo: Malheiros Editores, p. 303-304).
A orientação contrária, no entanto, apóia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE).
Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa, nem violação ao princípio da tripartição dos poderes, na lei que institui proteção fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do Município.
E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal.
O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).
Os seguintes julgados (citados no v. Acórdão destacado) comprovam essa assertiva:
EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est.
2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est.
2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual
de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos
servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de
inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle
de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não
está condicionada à inviabilidade do controle difuso.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA
AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR
DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS
É inequívoco que, ao suspender a execução dos tributos até o julgamento da reclamação, a lei impugnada redimensionou para menos a receita.
Toda política pública, entretanto, tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.
Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei impugnada.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade.
São Paulo, 11 de novembro de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos -
fjyd