Parecer
Autos nº. 181.042-0/3-00
Requerente: Prefeito Municipal de Presidente Prudente
Objeto: Lei nº 6.975, de 18 de junho de 2009, do Município de Presidente Prudente
Ementa: Lei n. 6.975, de 18 de junho de 2009, do Município de Presidente Prudente de iniciativa parlamentar que “estabelece a faixa etária de 08 a 16 anos de idade para o ingresso na escolinha da SEMEPP, sendo que, a partir dos 16 anos, passa a ser facultativo a inclusão na Casa do Pequeno Trabalhador”. Imposição de condutas à Prefeitura Municipal. Matéria afeta à administração pública. Exclusividade de iniciativa do Prefeito Municipal. Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Presidente, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 6.975, de 18 de junho de 2009, do Município de Presidente Prudente, que dispõe “estabelece a faixa etária de 08 a 16 anos de idade para o ingresso na escolinha da SEMEPP, sendo que, a partir dos 16 anos, passa a ser facultativo a inclusão na Casa do Pequeno Trabalhador”.
Sustenta o autor que a legislação impugnada impõe ao Poder Público Municipal, não só regras que não condizem com a prática esportiva, como provoca entendimentos confusos e de difícil aplicação, maculando o Princípio da Separação dos Poderes, na medida em que cabe exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo Municipal, zelar pela coisa pública.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 11º).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 19/20.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 25/27).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Entendemos que a
ação deva ser julgada procedente.
Há que se aduzir
desde logo que a Lei em questão é de iniciativa
de Vereador. Vislumbramos afronta aos artigos 5.º, 47, incs. I, II e XIX,
alínea “a”, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo a saber:
"Art. 5º - São Poderes do Estado,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 47 - Compete privativamente ao Governador,
além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
I - representar o Estado nas suas relações
jurídicas, políticas e administrativas;
II - exercer, com o auxílio dos Secretários de
Estado, a direção superior da
administração estadual;
XIX – dispor,
mediante decreto, sobre:
a) organização
e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de
despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos.
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição."(g.n.)
A administração da cidade incumbe ao
que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento,[1]
participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos[2].
Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento
de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.
Enfatizamos que também o gerenciamento das atividades administrativas no
município é competência do Poder Executivo, único dos poderes que detém
instrumentos e recursos próprios para avaliar a conveniência e oportunidade da
administração pública. Assim sendo, por
inserir vício de iniciativa, a lei é inconstitucional por ofender dispositivos
da Constituição do Estado de São Paulo.
Com efeito, a lei impugnada compele a Secretaria Municipal de Esportes a
dispensar alunos, que completarem 16
anos de idade, ou qualquer deles, antes de completarem 16 anos, que forem
contratados por determinado time de futebol, além do que, estabelece critério de escolha para a
dispensa dos alunos, impondo obrigações a professores do Município (art.
1º e 2º ).
Trata-se evidentemente de matéria
referente à administração pública, cuja gestão é de competência exclusiva do
Prefeito, que atuará nesse campo com absoluta independência.
Sobre o tema ensina Hely Lopes Meirelles:
“Em princípio, o prefeito pode
praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização
especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos
aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas
ou serviços públicos. (...)
Advirta-se, ainda, que, para
atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e
serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da
Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a
Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras
dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade,
por ofensa a prerrogativas do prefeito.”[3]
Demais disso, a Constituição Estadual compete ao Executivo, por decreto, a tarefa de organizar a Administração na hipótese de não haver aumento da despesa, como é o caso. Esse modelo constitucional é de observância obrigatória pelos municípios, por força do disposto no art. 144, da Constituição Estadual.
Assim sendo, e por entender que ao Legislativo não é dada a iniciativa de lei na matéria de organização de serviços públicos, cometida ao Executivo, o parecer é pela procedência da ação, para que seja declarada inconstitucional Lei Municipal n.º 6.975, de 18 de junho de 2009, do Município de Presidente Prudente.
São Paulo, 19 de outubro de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos -
vlcb
[1] Christian Starck.
'El Concepto de ley en la constitucion alemana', Madrid: CEC, 1979,
pág.73.
[2] "...O poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de
uma estabilidade garantida, necessária para a tradução em atos de um
'indirizzo'. É, em geral, delegatária, também, de importantes porções da função
legislativa. Ao legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar
solenemente o 'indirizzo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo
as medidas sob a forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo'
do Poder governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o
admite - deve ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente
excepcionais. O Legislativo controla o Poder governante também com outros meios
(investigações, comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração
normativa das escolhas feitas no 'indirizzo governativo'." Giovanni Bognetti, 'In' 'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET.
[3] MEIRELLES. Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 519.